Variedade e Diversidade

Sermão pelo Rev.Keneth Stroh

"A unidade, para ser perfeita, deve provir da diversidade"

CI 56

É um fato admirável que em toda a criação, tanto a natural quanto a espiritual, não existam duas pessoas ou duas coisas que sejam iguais uma à outra. Porque tudo o que o Senhor faz visa ao cumprimento de algum uso para a eternidade; toda obra Divina considera a infinidade e a eternidade. Por conseguinte, não há um animal, uma árvore ou uma pedra que sejam exatamente iguais a outros. Nenhuma face humana que seja precisamente idêntica a outra. Nenhuma impressão digital que seja a mesma que outra. E também não há uma só mente com os mesmos pensamentos e afeições que outra. Pois cada ser humano foi criado com o propósito de viver uma vida distinta da de qualquer outro.
Não obstante, as pessoas estão sempre esperando que os outros sejam iguais a elas. Nós temos a tendência de julgar a vida e a obra dos outros no pressuposto de que suas inclinações, seus pensamentos e suas afeições são idênticos aos nossos. Às vezes achamos que as diferenças de pensamento e de pensamento são uma questão de oposição e antipatia. Mas como tal atitude é contrária à doutrina da Caridade e destrutiva da unidade da vida da Igreja, pode ser útil que reflitamos sobre a verdadeira natureza  da variedade, por um lado, e o propósito da variedade, por outro lado.
Todo ser criado deve forma e existência ser composto de partes. Se não for composto de partes, não pode ter forma e qualidade, porque a forma e a qualidade de determinada coisa é conforme a ordem e o arranjo das partes que a constituem. Por semelhante modo, a unidade e a harmonia de alguma coisa procede da relação mútua de suas partes e da inclinação para a unidade. Daí, a perfeição de cada forma é de acordo com a forma e o arranjo de suas partes. E a perfeição aumenta de acordo com o número e a variedade das partes que compõem a forma (ver JF 12).
Por ser essencial para a perfeição de todas as formas, a variedade é necessária para a saúde e o bem-estar da mente humana. Se a mente se prende dia após dia nas mesmas idéias, sem mudança, fica entorpecida, fraca e aberta à influência de maus espíritos. Se o olho fixa somente um objeto ou uma cor por tempo demasiado, o poder de visão é diminuído. "Se alguém fita continuamente o brilho da neve, perde a visão; mas a alivia se volta os olhos sucessivamente para muitas cores. Toda forma agrada por suas variedades, como um ramalhete de flores arranjados numa bela ordem. Por isso é que o arco-íris é mais belo do que a luz em si" (Cont.JF 190). Pois que a variedade dá deleites à mente e a natureza do deleite é determinada pela natureza da variedade.
Assim o reino do Senhor nos céus, o reino onde os anjos experimentam prazeres que não podem ser exprimidos na linguagem humana. Os céus contêm inúmeras variedades. São divididos em dois reinos, celeste e espiritual; o celeste é onde estão os anjos que se acham intimamente no amor ao Senhor, e o espiritual onde estão os que se acham no amor ao próximo ou caridade. Mas esses reinos são também divididos em três níveis ou três céus: o primeiro ou mais baixo, o segundo ou médio e o terceiro ou céu mais alto. E cada céu se compõe de inúmeras sociedades ou comunidades de pessoas, anjos. Essas divisões ou agrupamentos de anjos são de acordo com as diferenças de caridade e fé, as diferenças de bem e verdade que há nos anjos. Essas diferenças são inumeráveis. No entanto, tudo isso, tomado em conjunto, forma um único céu diante do Senhor. A perfeição da forma desse único céu é de acordo com a variedade que há ali. E tal perfeição aumenta sempre, pois está na proporção direta com o número de anjos que ali estão.
As Doutrinas Celestes comparam essa perfeição na forma do céu à perfeição na forma do corpo humano ao qual o céu corresponde. Com efeito, no corpo humano existem diferentes partes, diferentes órgãos, diferentes vísceras com tantas subdivisões e detalhes menores que não podem ser contadas, pela sua multidão. E cada parte tem uma atividade, uma capacidade e um movimento que variam em relação a todas as outras. Mas o corpo todo age como um, porque todas as partes são governadas pelo movimento do coração e pelo movimento dos pulmões, e todas elas contêm uma só alma.
O céu é também como um único homem diante do Senhor, cada uma de suas funções correspondendo a uma função do corpo humano. E todos agem como um, porque são todos governados por um único influxo de vida, um influxo de afeições provenientes do Senhor, de Sua misericórdia e de Sua vida. É o amor do Senhor e o amor mútuo ou caridade que une todos os anjos num propósito comum. E o mesmo deve ser verdadeiro do reino do Senhor na terra, que é Sua Igreja, para estar unida perante o Senhor como um único homem.
O fato é que, em sua essência, todo bem é uma só coisa, mas torna-se variado por meio da verdade. Realmente, cada pessoa tem seu próprio uso, seus próprios amores, seus deleites e, assim, seu bem, sendo que esse bem ele o tem pelo influxo de vida do Senhor que é o único Bem. E, considerado em si mesmo, esse Bem é um, mas se torna variado com diferentes pessoas por causa da verdade. E as verdades são em número infinito. Donde é que, quando as verdades se conjungem ao bem e dão-lhe forma, que é o uso, então o bem se mostra numa variedade infinita. Swedenborg ilustra esse fato notando que "de apenas vinte e três letras, arranjadas em diferentes maneiras, surgem as palavras de uma língua e com uma variedade perpétua, mesmo se houvessem milhares de línguas. O que não deve ser, então, [a variedade] que surge de milhares e dezenas de milhares de coisas variadas como são as verdades?"(AC 7236, cf.AC 414). Assim é que o bem, embora seja um, pode ainda ser variado com cada indivíduo, tão variado que em toda eternidade é impossível existir um igual em outro indivíduo.
Essa variedade infinita tem sua fonte no Senhor mesmo, porque todas as coisas têm origem no Divino, que é infinito, e em toda parte existe uma imagem do infinito e do eterno. Por exemplo, uma semente de uma árvore qualquer é criada para se multiplicar pela infinidade e durar pela eternidade. De uma única semente muitas podem ser produzidas, e se cada uma delas frutificasse ininterruptamente, a terra, e mesmo muitas terras, poderiam ser repletas de sementes. Porque em toda criação existe uma imagem da infinidade e da eternidade, porquanto todas as coisas foram criadas pelo infinito Deus. E o céu angélico, composto de homens e mulheres que se tornaram anjos, é a forma suprema dessa imagem.
Ora, como há coisas infinitas em Deus, há também coisas sem fim no Sol espiritual que é o primeiro procedente dEle. Do Sol espiritual procedem o Divino amor e sabedoria para que essas coisas inumeráveis possam ganhar forma, como numa imagem, no universo. Para um tal propósito, certas coisas constantes são criadas para que a variedade exista no âmbito de sua estrutura. Pois que há coisas relativamente constantes e não variadas, como as rotações e translações regulares do globo, a conseqüente sucessão das partes do dia e das estações do ano, as atmosferas, águas e terras. Todas essas coisas relativamente constantes foram criadas para que uma infinidade variada de coisas tenham por elas existência. E todas elas são criadas pelo Senhor Deus que é infinito e eterno (ver SA 155, DP 190).
Mas cumpre lembrar que, no reino do Senhor nos céus e na terra, as variações da forma, da face e do corpo, do amor e da sabedoria, não têm origem no influxo de vida do Senhor, mas, antes, na maneira em que Seu influxo é recebido variadamente pelos anjos. Porque, conquanto haja coisas infinitas no Senhor, mesmo assim essas coisas são, nEle, distintamente um. E o influxo de vida proveniente do Senhor é sempre um e o mesmo, porque Ele imutável e em toda eternidade o mesmo. É como a vida do homem, que influi e age nas diferentes partes de seu corpo, mas os olhos é que vêem a seu modo, os ouvidos ouvem ao seu, a língua tem a sensação do gosto a seu modo, as mãos e os pés movimentam-se à sua maneira, o coração, os pulmões, o fígado, o estômago etc., cada um age à sua própria maneira. Entretanto, uma vida só atua neles todos, não porque a vida se mova de diferentes modos, mas porque é diferentemente recebida por cada parte. Assim, a variedade no reino do Senhor não procede do influxo de vida, mas de sua recepção (AC 4206, 3890).
Daí é que existe também a diversidade. A variedade é a diferença entre coisas de uma mesma espécie, mas a diversidade é a diferença entre coisas que são opostas. Por exemplo, no céu há miríades de miríades de anjos com uma variedade interminável quanto às faces, o tom de voz, as afeições e os pensamentos, pois o Senhor os ordenou nessa forma, em que há plena unanimidade de concordância interior. Assim é a verdade no céu. Mas as diversas são as coisas opostas a essas variedades, e estão no inferno. Os diabos  e satanazes no inferno são diametralmente opostos aos anjos no céu. E as variedades no inferno são completamente opostas às variedades no céu, havendo daí o que se chama de diversidade.
Enquanto está no mundo, o homem tem a liberdade de escolha nas coisas espirituais, e por essa liberdade ele pode determinar a natureza e o grau de sua recepção do amor e da sabedoria do Senhor. Pode voltar sua mente para o Senhor, adorá-Lo, orar a Ele, obedecer Seus mandamentos e seguir a direção de sua Providência; ou então pode desviar-se do Senhor, rejeitar internamente as coisas santas, infringir os mandamentos Divinos em seu espírito e negar de coração a Divina Providência. Há uma infinita variedade de maneiras pelas quais ele pode rejeitar e negar o Senhor. Mas entre a vida do céu e a do inferno não existe variedade e sim diversidade, pois que o inferno é oposto ao céu e o destruiria, se o pudesse.
É dever dos membros da Igreja procurar discernir entre o que faz parte da variedade celeste, por um lado, e da diversidade infernal, por outro. Em todas as coisas da vida devemos almejar as que visam ao Senhor. e devemos nos esforçar para seguir Sua direção. como também devemos rejeitar as que são opostas aos ensinamentos da Palavra Divina, porque o que é oposto procede do inferno e se esforça para destruir a vida da igreja.
Devemos ser cuidadosos para não confundirmos variedade com diversidade. Não é fato de alguma coisa não ser feita de acordo com nossos costumes ou idéias que torna essa coisa má. (O mal é aquilo que destrói o amor mútuo ou o espírito da caridade; se algo é diferente do que imaginamos, mas é útil ao amor mútuo e   edificante para a caridade espiritual, então o que se tem é a variedade).
É nosso dever combater tudo o que é oposto ao ensinamento claro das Doutrinas Celestes, pois isso é o que enfraquece o poder da Palavra Divina em nossas vidas. Para isso, devemos nos lembrar de que há três coisas essenciais para a igreja: a crença no Senhor como Deus do céu e da terra; a crença na santidade da Palavra Divina, e a vida de caridade. E na igreja há bastante espaço para diferentes modos de se entender a doutrina, para variedade de ênfase ou de aplicação deste ou daquele ponto doutrinal, como também para diferentes preferências em relação à forma do culto. Há bastante espaço na igreja para diferentes formas de aplicação das doutrinas, para diferentes hábitos no campo da vida social. Mas se as três coisas essenciais, a saber, a crença no Senhor, a crença na Palavra e a vida de obediência, são firmemente observadas, se os membros da igreja estiverem sinceramente se esforçando para seguir o Senhor tal como Sua vontade se manifesta nas Doutrinas Celestes, e se todos são regidos pelo amor mútuo ou caridade, então as diferenças não causam divisão, mas aperfeiçoam a igreja, e serão como as várias pedras preciosas na coroa de um rei (cf DP 259, AR 66).
Esta é a razão pela qual a Nova Igreja, em todo o seu complexo, está representada no Apocalipse pela variedade das "sete igrejas da Ásia", "pelos sete castiçais" em cujo meio anda o Filho do Homem; e é também a razão porque todos os bens e verdades da igreja são representados no Antigo Testamento pelos doze filhos de Jacó e as doze tribos de Israel.
A verdadeira união na Nova Igreja deve vir da harmonia interna que existe entre seus membros. A unidade, para ser perfeita, deve ser formada pela variedade. "Na casa de Meu Pai há muitas moradas", disse o Senhor.
A meditação sobre estes pontos deve-nos trazer compreensão e inspiração. Deve nos levar a sermos tolerantes com aqueles pensam diferentemente de nosso modo de pensar e não violentam aqueles essenciais. Deve nos levar à compreensão de que há um lugar específico para cada um no reino de Deus,  onde o Senhor lhe reserva um uso especial, porque cada pessoa foi criada com o propósito de vir a desempenhar determinado uso na igreja e no céu. E a origem da variedade nas formas de uso foi prevista pelo próprio Senhor, em Quem todas as coisas são infinitas.
É assim que a igreja se aperfeiçoa e cresce, e se enriquece pela variedade das mentes humanas. A vida do Senhor influi com amor na igreja através da caridade aí presente, e Ele opera de vários modos, conforme o gênio de cada indivíduo. Assim o Senhor pode dispor todas as coisas em Sua ordem, de sorte que a igreja fica unida e é uma, como o céu é um. E então a vontade do Senhor se faz "tanto nos céus como também na terra". 

Amém.

Apoc.1:4; CI 56.