AS TRÊS FUNÇÕES DE PEDRO

 

Sermão pelo Rev. R.J. Tilson

 

                        No princípio do livro “Sabedoria Angélica sobre o Divino Amor e a Divina Sabedoria” se faz uma importante declaração em palavras muito simples: “O amor é a vida do homem”. E o livro começa com essa declaração impressionante: “O homem sabe que o amor existe,
mas não sabe o que é o amor”.

                        O homem não alcança a profundidade da afirmação de que o “amor é a sua vida”, porque seu pensamento se baseia nos sentidos e nas impressões externas. Somente de forma confusa e obscura é que aceita a afirmação contida no livro mencionado. Na verdade, “o homem não sabe o que é o amor” em sua profundidade. Suas idéias a respeito derivam-se de expressões gerais da linguagem, faltando-lhe, assim, a base verdadeira para a compreensão do amor genuíno.

                        A experiência pode convencer os mais reflexivos de que o amor é a vida de todas as coisas, pois racionalmente se chega à conclusão de que, se retirarmos nosso amor da pessoa ou coisa que amamos, essa pessoa ou coisa perde, para nós, todo o seu encanto, toda a sua força, parecendo até que perde a própria vida. Mas, embora a experiência nos possa dar uma idéia obscura do amor e até mesmo de que ele é a vida do homem, contudo fica de pé o fato de que o homem não pode ter uma idéia verdadeira e completa do amor por meio dos conhecimentos naturais adquiridos. Para que ele possa saber o que é o amor genuíno e compreender o que é a vida, é indispensável que vá à Revelação Divina e à forma final dessa Revelação, que é o sentido espiritual da Palavra, para cuja revelação o Senhor fez Seu segundo advento.

                        Trataremos, agora, do amor real, do amor em sua forma primitiva, do amor ao Senhor e pelo Senhor, e da absoluta necessidade de cultivarmos esse amor. Foi para mostrar essa necessidade que o Senhor manteve com o apóstolo Pedro aquela maravilhosa conversação, dando-lhe, então, o tríplice encargo pastoral, registrado nas palavras de nosso texto.

                        “E depois de terem jantado”, isto é, depois de a afeição ter sido despertada por haverem comido juntos na esfera da santíssima presença do Senhor, “disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-Me mais do que estes?”

                        No Primeiro Advento, o Senhor chamou para Seu serviço especial doze discípulos que, por assim dizer correspondem às doze tribos de Israel. Os doze discípulos, como as doze tribos, representam todos os bens e verdades da Igreja, isto é, todos os princípios pelos quais o reino do Senhor pode ser estabelecido nos indivíduos ou na comunidade. E dentre os doze, o Senhor escolheu três para estarem mais constantemente com Ele, a saber, Pedro, Tiago e João, que simbolizam os três elementos essenciais: a fé, o amor e a caridade nos atos.

 

 

 

                        Poderíamos estender-nos sobre as missões atribuídas aos três discípulos, mas nos limitaremos à missão atribuída a Pedro. Pedro representa a fé, que é a primeira coisa da Igreja, e sua missão era relacionada com esse representativo. Diz-se que a fé é a primeira coisa da Igreja, porque primeiramente precisamos conhecer a verdade e crer nela, para depois poder aplicá-la e viver.

                        De acordo com o nosso texto, a missão atribuída a Pedro era tríplice. “Apascenta os meus cordeiros”, “apascenta as minhas ovelhas” e, novamente, “apascenta minhas ovelhas”. Veremos a significação dessas três recomendações do Senhor.

                        Há muitas espécies de fé e, para representá-las, Pedro é chamado de modos diferentes na Palavra. Algumas vezes, ele é chamado simplesmente de Pedro, outras vezes de Simão, outras de Simão Pedro e ainda de Simão, filho de Jonas, como ocorre em nosso texto. Quando na Palavra, Pedro é chamado simplesmente de Pedro, ele representa a fé de um modo geral, tanto a fé verdadeira como a fé falsa. Representa a fé verdadeira quando o Senhor lhe diz: “Tu és Pedro e sobre esta Pedra edificarei a Minha Igreja” (Mateus 26;18), e a fé falsa, ou a fé separada do bem, quando nega o Senhor três vezes, dizendo: “Não conheço tal homem” (Mateus 26;69).

                        Quando, na Palavra, Pedro é chamado Simão, ele representa a fé que obedece, pois Simão vem da palavra Simeão, do hebraico ouvir, que, espiritualmente, significa obedecer.

                        Quando, como no caso de nosso texto, Pedro é chamado Simão, filho de Jonas, ele representa a verdade do bem ou a afeição da verdade, que é a primeira coisa da Igreja (AC 820). Esta, pois, é a significação que Pedro tem nas palavras de nosso texto (João 21;15 a 17).

                        Fizemos referência ao fato de Pedro, representando a falsa fé, ter negado o Senhor três vezes. Três, no sentido espiritual, é um período completo e a negativa tríplice representa a completa consumação da Igreja Judaica.

                        No nosso texto, o Senhor Se dirige a Pedro, chamando-o de Simão, filho de Jonas, isto é, de representante da afeição da verdade. Como o Senhor queria acentuar a múltipla negação da Igreja Judaica em relação ao reconhecimento pela primeira Igreja Cristã de que “Ele é o Cristo, filho de Deus vivo” (Mateus 16;16), por isso faz, por três vezes, a pergunta: “Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes?” Pedro, representando então a fé (afeição da verdade) da primeira Igreja Cristã em seu começo, três vezes assegurou sua devoção e sua afeição pelo Senhor, dizendo: “Tu sabes que Te amo”.

                        E, a fim de mostrar que essa verdadeira fé deve ser baseada na pureza, na inocência e na genuína afeição da verdade, isto é, na afeição da verdade pela própria verdade, o Senhor recomendou, seguidamente, a Pedro: “Apascenta os meus cordeiros”, “apascenta as minhas ovelhas” e, novamente, “apascenta as minhas ovelhas”.

                        Como se vê, o primeiro encargo dado a Pedro pelo Senhor foi “Apascenta os meus cordeiros” e isso porque essa função significa trabalhar pela mais elevada corporificação do verdadeiro amor, que é a inocência, pois, onde quer que os cordeiros são mencionados na Palavra, eles significam a inocência. O Senhor Mesmo, porque é a fonte de toda a inocência é chamado “o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”.

 

 

                        A definição de inocência, no sentido espiritual, dada nos Escritos, é a seguinte: “A inocência é reconhecer que no proprium humano nada há senão mal e que todo bem procede do Senhor, e também crer que não se sabe nem se percebe coisa alguma por si mesmo, mas pelo Senhor” (A.C. 7902). Assim, “apascenta os meus cordeiros”, espiritualmente considerado, é um mandamento do Senhor para que a fé, para ser real e verdadeira, seja constituída pela humilhação do proprium, pela destruição de todo egoísmo, pela renúncia ao orgulho da própria inteligência e pelo abandono da prudência puramente humana. A criatura humana regenerada afasta-se de todos esses males e pode então ser comparada ao cordeiro, tornando-se inocente como uma criancinha. Nesse estado, ela é portadora da genuína afeição pela verdade e pratica inocentemente os bens de acordo com a verdade que ama.

                        A ovelha representa aqueles que estão no bem da caridade e no bem da fé, estudando, desejando, amando e vivendo a verdade, porque é a Palavra do Senhor e a expressão de seu infinito amor. Esse estado impõe o estudo e a cultura daquilo que é chamado, nas doutrinas celestes da Nova Jerusalém, de “verdade do bem que procede do Senhor”. “Apascenta minhas ovelhas” (duas vezes) significa recomendar que se tenha fé na doutrina e que se deve amar o Senhor. Esses foram o segundo e o terceiro encargos dados a Pedro.

                        Agora, voltemos à afirmação com que começamos esta prédica: “O homem sabe que o amor existe, mas não sabe o que é o amor”. O chamado mundo cristão não conhece exatamente a “doutrina do amor ao Senhor”. Essa doutrina só pode ser encontrada nos Escritos em que o Senhor fez a Sua Segunda Vinda. No livro “Apocalipse Explicado”, nº 826, lemos: “É a doutrina de todas as afeições pertencentes ao amor, e cada afeição tem verdades inscritas nela, de acordo com sua perfeição, e se produz na ação com infinita variedade”.

                        No livro “Arcanos Celestes”, nº 1055, está escrito: “O céu universal está fundado sobre o amor, mais ainda, o amor é toda sua natureza. Coisa alguma da união ou conjunção existe na natureza, quer seja animada ou inanimada, que não tenha sua origem no amor... Daí, em tudo e em todas as coisas o amor, ou a semelhança do amor, se implantou”.

                        A doutrina do amor ao Senhor é constituída por aqueles bens e aquelas verdades insuflados pelo Senhor no homem e que podem ser incorporados ao seu caráter, a fim de que ele possa voltar à sua fonte e, assim, realizar o desejo do Senhor: “Habitai em Mim e Eu em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, a não ser que habite na videira, também vós não podeis dar frutos, a não ser que habiteis em Mim” (João 15;4).

                        Por isso a fé na doutrina do amor ao Senhor é de importância fundamental para a felicidade da criatura humana, pois é da prática dessa fé na vida que resulta a conjunção com o Senhor. Tudo isso a que aludimos está incluído no tríplice encargo de Pedro. Não devemos, entretanto, esquecer que a fé sem a caridade, sem o amor, não é fé.

                        A conclusão, portanto, é esta: “O amor é a vida do homem”. Mas devemos lembrar-nos de que o amor, sendo essência, só pode manifestar-se nas verdades, pois as verdades é que têm forma e podem dar forma ao amor ou à sua emanação. Daí, nada ser realmente amor, ou caridade, ou bem, exceto aquilo que é ditado pela Divina Revelação, aquilo que é ensinado pelo Senhor.

 

 

 

                        “O amor é a vida do homem” e a verdade é que nos leva ao amor. mas esse amor e essa verdade, nós os recebemos do Senhor. Daí a conclusão: O Senhor é tudo, nós nada somos.

                        Sempre que praticamos qualquer uso, sempre que tomamos uma decisão, sempre que executamos um desejo ou pensamento, o Senhor está junto de nós, fazendo a pergunta: “Amas-Me” ? O objetivo da pergunta é lembrar-nos de que devemos agir com justiça e com sabedoria.

                        Peçamos a Ele, que conhece todas as coisas, as forças de que necessitamos, a fim de que nossa resposta a cada uma de Suas perguntas seja: “Senhor, Tu sabes que Te amo”. Se nossa resposta for verdadeira e merecer acolhimento, seremos incluídos entre aqueles a quem Ele se refere em João 10;27: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz e Eu as conheço e elas me seguem”.

Amém.

1ª Lição : Lucas 22; 54 a 62
2ª Lição : João 21; 15 a 17
3ª Lição : A.E. 820 (porções)

 

 

Adaptação de J. Lopes Figueredo

 

 

A REPRESENTAÇÃO DE PEDRO

A.E. 820

 

 

                        Pedro era o primeiro dos apóstolos, porque a verdade derivada do bem é a primeira coisa da Igreja, pois, pelos conhecimentos naturais, o homem nada sabe sobre o céu, sobre o inferno, sobre a vida depois da morte e sobre Deus... . Ele aprende essas coisas pelas verdades da Palavra... . Daí, é evidente que a verdade é a primeira coisa pela qual o homem entra na Igreja. Mas é necessário que seja a verdade derivada do bem, porque a verdade sem o bem é mero conhecimento, e o homem só se torna espiritual quando vive de acordo com a verdade derivada do bem... . As verdades ensinam como um homem deve viver; e quando o homem é afetado pelas verdades por amor delas, o que ocorre quando ele ama viver de acordo com elas, então ele é guiado pelo Senhor e lhe é concedida a conjunção com o céu, ele se torna espiritual e, depois da morte, um anjo do céu... Como a verdade derivada do bem, que vem do Senhor, é a primeira coisa da Igreja, é por isso que Pedro foi o primeiro (discípulo) a ser chamado, foi o primeiro dos apóstolos e foi também chamado Cephas (pedra), que significa a verdade.