TEMOR

Sermão pelo Rev.Robert Jungé

"Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que temas ao Senhor teu Deus, que andes em todos os Seus caminhos, e O ames, e sirvas ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma ...?"

(Deuteronômio, 10:12).

Nosso segundo texto é uma aparente contradição a este:
"Não temas, ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino" (Lucas 12:32).
A maioria de nós tem temores. Quando o temor é admissível? Quando não devemos ter temor?
O culto dos filhos de Israel era baseado no temor. Repetidamente lemos frases tais como as que ocorrem em nosso primeiro texto: "Teme ao Senhor teu Deus". Os Dez Mandamentos foram dados num estado de temor. Moisés disse ao povo: "Deus veio para provar-vos, e para que o seu temor esteja diante de vós, para que não pequeis" (-x.20:20).
Israel era um povo primitivo. Como crianças, eram restringidos pelo temor do castigo. O temor era permitido e controlado pelas mãos de seu Pai Celestial com a esperança de que, através do temor, eles aprendessem a amá-Lo.
Do temor do Senhor vem o desejo de conhecer Seus caminhos e agradá-Lo. Mas o temor do castigo não deve permanecer indefinidamente. Deve sempre abrir o caminho para uma instrução mais elevada. O temor não reforma nossos corações. O temor foi permitido em Israel com a esperança de que, por meio dele, seus corações pudessem se abrir para servir ao Senhor. E o temor é permitido em nós pela mesma razão, para agirmos por ele e para que cheguemos a um estado melhor.
A idéia de que o Senhor é todo poderoso e criou todas as coisas, até o mal e o castigo, forma uma base fundamental, embora infantil, para um crescente entendimento do Senhor. O temor aplana o caminho para o reconhecimento do poder do Senhor. Por essa idéia, mantém-se a ordem até que haja preparação para gradual aprendizagem de que não é o Senhor quem faz o mal ou castiga, mas é o homem que torce o bem em mal e traz-se sobre si próprio o castigo e o temor. A vida da religião apenas pelo temor não é realmente uma vida religiosa. Mas o amor mesmo é precedido pelo temor, e cresce em direção a um temor genuíno de que alguma coisa venha a danificar o objeto de nosso amor. Isto não é, absolutamente, o temor real. Então, o que realmente importa é para onde o temor conduz.
Israel não se elevou por meio de seus temores. Eles não se elevaram sequer ao temor do Senhor; queriam ser como as outras nações. Serviram e temeram ídolos. Seu estado tornou-se inteiramente pervertido. Não era o caso de que temiam ao Senhor e andavam em todos os Seus caminhos (Salmo: 128:1). Antes, eles temiam a perda das coisas deste mundo e andavam em seus próprios caminhos em busca de prazeres. Desviaram seus corações daquele primitivo temor do Senhor e, por isso, nunca chegaram realmente a perceber o Seu amor. Deixaram o amor do mundo criar uma multidão de temores em seus corações e jamais encontraram o caminho do Senhor fora deles.
Eles não se preocupavam com a vida após a morte. Procuravam construir celeiros cada vez maiores neste mundo. Comer, beber e folgar aqui. Sua esperança de salvação estava em reconhecer o poder do Senhor pela simples obediência e pelo temor d`Ele. Todavia, voltaram atrás e foram inundados pelas ansiedades e dúvidas.
Ora, muitos hoje são governados por temores sensuais assim como no Israel Antigo. Não pensam em coisas internas, nos reais propósitos na vida nem no reino do céu. Por isso, toda a sua vida é absorvida nas atividades deste mundo e em seus prazeres externos e sensuais. Eles se preocupam muito, porque, assim como os israelitas queriam ser como as outras nações, eles temem a perda do poder, ou da riqueza, ou do prestigio. Tremem diante da doença e da morte porque nada vêem além. A ameaça de uma destruição mundial os põe em pânico. Os homens se levantam, uns contra os outros, temerosos por suas possessões e seu conforto superficial. Movem-se guerras, freqüentemente não tanto por algum princípio como pelo temor em relação ao poder e ao controle econômico. Esses temores poderiam desafiar a mente a confiar e a refletir mais profundamente, todavia, com muita freqüência nós não os deixamos que nos desafiem espiritualmente.
Lembramos que o temor vem quando é ameaçada alguma coisa que amamos e que guardamos como tesouro. Quando as pessoas se apegam excessivamente às coisas externas e as servem, não é de se admirar que elas tenham receio. Os tesouros da terra estão sempre sujeitos à traça que corroi e à ferrugem. Mas os tesouros no céu, acumulados enquanto vivemos na terra, permanecerão para sempre.
Os homens tentam prover à raça humana a libertação do temor através da segurança externa, mas isto é impossível. Somente o reconhecimento do poder do Senhor e a esperança de Seu reino podem nos livrar do temor.
É certo que o mal só pode ser restringido através do temor, mas, quando é assim restringido, a paz real não existe. Devemos procurar ver um propósito mais profundo, em vez da ordem imposta apenas pelo temor. O temor do Senhor abre a mente para ver que há muito mais na vida do que ser aprisionado pelo castigo e pelo temor. Uma verdadeira atitude em relação ao temor deveria sempre conduzir aos estados descritos em nosso texto: "Que é que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que temas ao Senhor teu Deus, que andes em todos os Seus caminhos, e O ames, e sirvas ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma ...?" (Deut.10:12). Não era apenas o temor que JEHOVAH tinha em vista; era o amor de Deus a que esse temor poderia levar; era a felicidade que ele poderia prover em seu reino celestes para aqueles que aprendessem a andar em Seus caminhos.
Os Escritos ensinam que o amor sem o temor é insípido como a carne sem sal. O amor ao Senhor envolve o receio de fazermos alguma coisa contra Sua vontade. Esse temor nos mantém alerta quanto aos nossos deveres espirituais e nos dá a esperança de vida eterna. Mas o temor adequado, proveniente do amor, é como a carne convenientemente temperada. O temor é como o sal na carne, mas nunca ao ponto de torná-la salgada (AC 3718).
Todo amor tem seu temor. O verdadeiro amor ao próximo envolve o temor de lhe causarmos algum mal. A pessoa é preparada para o amor verdadeiramente conjugal pelo temor do castigo, infância, e pelo receio quanto a reputação, na juventude. Mas o verdadeiro e maduro temor do amor conjugal é um receio de fazermos alguma coisa que magoe nosso cônjuge. Esse temor leva a se evitar toda as cobiças errantes como pecados contra Deus. O verdadeiro temor do Senhor inspira amor a Ele, urgindo-nos a livremente evitar qualquer coisa contrária à Sua vontade e Seus mandamentos. O verdadeiro temor é, realmente, um temor santo e nunca tira a liberdade do homem.
Mas a raça humana saiu de sua infância; eles visaram ao temor externo do Senhor como um estado infantil. E, num certo sentido, era infantil no caso deles, pois nunca permitiram que abrisse seus corações. Muitos hoje também sentem que todos os temores, até o temor do Senhor, é uma coisa infantil. Por isso se afastam de seus temores, em vez de lidarem com eles. Não vêm a fé e o amor em potencial que há por trás. Não usam, nem pelos preceitos nem pelo exemplo, esse temor com seus filhos como uma pedra fundamental, poderosa, sobre a qual possam construir a torre da religião. Por isso criam os filhos sem a idéia correta de Deus como poderoso e supremo, e se perguntam por quê, quando chegam à juventude, seus filhos não mais querem ouvir a mensagem da religião, mas, antes, vão atrás das coisas do mundo. O medo do castigo, nas mãos de pais que são sábios, não é um estado permanente, mas um estado que, através da instrução e do amor, leva à ordem e se eleva, baseado na consciência.
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Israel, então, o símbolo da infância, falhou e caiu. Não mais temiam a JEHOVAH. então o Senhor Deus veio ao mundo. Ele apelou à raça humana em sua juventude. Mostrou-lhe que, se as pessoas temessem a JEHOVAH e aprendessem a amá-Lo, confiar n`Ele e obedecê-Lo, entrariam num estado mais real quanto o temor passasse. Ele enfatizava que havia um reino eterno, uma resposta duradoura ao temor meramente natural. O reino do céu está dentro do homem, acima do temor. Os temores externos servem apenas para nos mostrar as necessidades por esse reino onde o homem realmente ama ao seu Deus e ao seu próximo. Quando o homem ajunta tesouros no céu, não precisa temer nenhum mal. Nas palavras do Senhor, "Não temas, ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino". A confiança no reino do céu põe o temor em seu próprio lugar. Eleva-nos acima do temor.
Se não virmos e reconhecermos valores além deste mundo, nossos corações estarão sendo sempre infestados pelo temor. As ansiedades naturais deste mundo se dispersam pelos ensinamento de um outro mundo, um mundo que dá propósito e sentido à vida, o reino de nosso Pai, acima deste mundo de temor e de dúvida.
A humanidade, em sua idade de juventude, aprendeu que, se colocasse sua confiança no Deus de amor, todas essas coisas por que andavam solícitos ser-lhe-iam acrescentadas. Eles viram como é que uma obediência amorosa podia nascer da obediência pelo temor. Os tesouros no céu deviam ser mais importantes do que os tesouros na terra. Com a ressurreição do Senhor, completou-se um novo conceito a respeito do céu, um estado sem temor. Mais uma vez, o homem poderia encarar a vida com a esperança de vencer os temores naturais.
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Mas, novamente o homem se desviou. Conquanto estivesse num plano mais elevado, novos temores surgiram dos mesmos amores egoísticos e mundanos. Surgiu o receio quanto a reputação e a honra. A Igreja mesma construiu um reino neste mundo, procurando o poder aqui, fazendo justiça por suas próprias mãos e não a deixando para Deus, assim mudando o temor de Deus em temor natural da Igreja. A igreja vacilante aderiu-se aos mistérios, em vez de permitir que o amor ao Senhor Deus Jesus Cristo abrisse seu entendimento e dispersasse suas dúvidas. Ensinava não a imediata ressurreição que a ressurreição do Senhor provava, não um reino dos céus dentro do homem como o Senhor dissera, mas uma ressurreição do corpo material no tempo distante da última trombeta. Ensinava, em suma, uma visão sensual desse reino, contrariamente à razão e às Escrituras. A doutrina da ressurreição material é incapaz de elevar nossos pensamentos e remover nossos temores. Antes, aumenta o temor.
Esses temores não se tornam pedras para edificação, mas, ao contrário, pedras sobre o pescoço, que nos arrastam para baixo. Para esses, o Senhor não poderia mais dizer: "Não temas, ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino".
Muitos hoje, então, transformam em sentimentalismo aquela confiança básica que, na juventude, depositavam no Senhor. A reação é o desvio da religião para as coisas supersticiosas, sentimentais e mesmo mundanas. Esta acusação é feita particularmente por muitos jovens quando pelejam para se erguer acima de seus temores. Quando seus corações se despertam para fazer indagações que podem aprender, a fim de defenderem sua confiança e entender seus temores, recebem como resposta mistérios e são pressionados a terem obediência cega. Irracionalmente, são estimulados a irem à Igreja, mas pela tradição, pelo receio quanto à reputação ou porque isso os toca emocionalmente. Por causa do temor do inferno e da danação, muitos se batizam. Mas as pessoas maduras não devem ser regidas pelos temores, e, por isso, muitos se desviam da religião e não acham saída para seus temores.
Nesta época em que muitos se atolam nas preocupações e nos temores, a Nova Igreja enfrenta um grande desafio. Devemos trabalhar com todos os nossos corações para preservar a integridade da doutrina concernente à vida após a morte. Sabemos que nesta doutrina o Senhor pode manter nossa visão e nossas esperanças do céu, e nos prepara para isto. Mas a forma errada de temor pode também nos arrastar para baixo e destruir essa visão da vida eterna.
Todos nós, por isso, devemos examinar nossos temores. Eles nos darão um indício quanto a que amores estão nos dirigindo. Quando os temores nos vêm por um desejo de proteger maus amores, sabemos o que deve ser afastado. Mas quando eles vêm por um desejo de proteger um amor bom, eles inspirarão zelo por esse amor. Ao definir e defender esse amor bom, o Senhor nos fará sentí-lo como se fosse nosso. Nossos temores desaparecerão.
O Senhor veio novamente com o poder da Divina verdade nos Escritos. De tal modo Ele revelou a natureza de Seu reino celeste, que, se pudermos ser inspirados por esse reino e aceitá-lo, essa visão da vida eterna poderá elevar-nos acima do temor externo. É a vontade d`Ele remover nossas dúvidas e temores e substituí-las pela confiança e pela esperança da vida eterna. Se formos servos fiéis, mesmo nas horas em que estivermos temerosos, o Senhor poderá nos assegurar, dizendo: "Não temas, ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino" (Lucas 12:32).

Amém.


Lições: Deut.10; Lucas 12:13-32; AC 7280
DP 139 (p).