SEJA FEITA A TUA VONTADE
TANTO NO CÉU COMO NA TERRA.

 

Sermão pelo Bispo Louis B. King

 

Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus,
mas aquele que  faz a vontade de meu Pai que está nos céus


(Mateus 7;21)

                        Pensa-se e fala-se muito na igreja relativamente ao céu. Todas as pessoas conscienciosas o desejam e esperam alcançá-lo. Mas nos aproximamos dele pelo caminho errado. Fatigados e insatisfeitos com a vida neste mundo, atormentados por medos e ilusões, desencorajados por intermináveis frustrações e ansiedades, desejamos, às vezes, livrar-nos desta existência terrena e trocá-la pela paz e alegria eternas que o céu nos reserva. Entretanto, o céu não será alcançado como sendo mera fuga deste mundo.

                        O que faz o céu ser efetivamente céu é a realização da vontade do Senhor pelos anjos. Tenhamos em mente que os anjos são constituídos por homens finitos que, embora tenham vivido em várias terras do universo, evitaram os amores de si e do mundo e, desse modo, se esforçaram por fazer a vontade do Senhor. O céu jamais poderia ter sido formado se os homens, enquanto na terra, não se tivessem aplicado, diligentemente, a fazer a vontade do Senhor como por si mesmos. Mesmo agora, se os homens que vivem na terra não continuarem a fazer a vontade do Senhor, os céus existentes tombarão destruídos.

                        Em toda a religião, portanto, o essencial é fazer a vontade do Senhor enquanto estamos ativamente engajados nesta vida terrena. O céu deve descer até este plano, influir nas mentes dos homens  e ser recebido na vontade e no entendimento humanos, de modo que os homens possam reconhecer a Humanidade do Senhor, possam reconhecer que Ele tem poder sobre tudo, que Sua presença está sempre conosco e que Seu amor e Sua sabedoria guiam misericordiosamente cada passo nosso, de acordo com as decisões de nossa própria liberdade e racionalidade.

                        Para esse fim, no princípio era a Palavra, e ela continua à disposição de todos hoje. A Divina mensagem da Palavra torna conhecida a vontade do Senhor, de modo que ela possa ser feita “tanto no céu como na terra”. Na Palavra dada à Nova Igreja somos instruídos quanto aos fins da vontade do Senhor, bem como nos é dado o conhecimento de certas falsidades e males que devem ser evitados e removidos de nossa vontade e de nosso entendimento, antes que a vontade do Senhor penetre em nós e se torne como se fosse nossa.

                        Um exemplo de falsidade é acreditar que as tragédias aparentes que o Senhor permite são, de algum modo, parte de Sua vontade. O Senhor jamais deseja algo de sofrimento e de infelicidade para o homem. Essas coisas são provocadas pela regeneração e preparação do homem para os usos eternos, permitindo o Senhor certa ansiedade e sofrimento para que o homem alcance a vida eterna; e isso não porque o Senhor deseje que o homem seja assim afligido, mas porque o Senhor ama o homem e prevê que muitas dessas experiências são necessárias, afim de que o homem seja preparado para a vida depois da morte.

 

                        Efetivamente, os incidentes infelizes que ocorrem em nossa vida diária são resultados diretos de algum pensamento falso ou de alguma afeição má que tenhamos adquirido hereditariamente ou por intermédio do meio em que vivemos. Por tal pensamento ou afeição podemos ser, ou não, diretamente responsáveis. De qualquer modo, o Senhor não permitiria que experimentássemos o incidente se este não nos salvasse de uma experiência mais penosa e não nos desse a oportunidade de aprender alguma coisa essencial à nossa regeneração ou à nossa melhor execução dos usos na vida eterna.

                        Não podia ser de outro modo. Todos esses fatores devem estar presentes em cada mal permitido, quer o efeito produza sobre nós um leve desapontamento, quer produza uma tragédia dilacerante. Isso é assim porque o amor, a sabedoria e a misericórdia do Senhor governam cada incidente de nossa existência mental ou física, querendo e desejando Ele Mesmo a continuação de nossa felicidade e utilidade, e só permitindo condições desordenadas quando elas possam reverter ao serviço de Sua Divina Vontade.

                        Não é, assim, fácil ver o grave erro constituído pela falha de distinguir entre a permissão do Senhor e a sua Vontade? E essa falsa idéia não leva ao maior mal que consiste em induzir os homens a acreditarem que o Senhor é responsável pelas condições infelizes da vida? A partir desta crença, estamos a um passo de convencer-nos de que Deus aprova os caminhos egoísticos do coração humano. Se o mal é atribuído à vontade de Deus, então Seu amor é a causa do mal e a responsabilidade é somente d’Ele. Mas, se o amor do Senhor pela salvação do homem é a causa da Sua permissão por certos estados de infelicidade terrena (que Ele não deseja), então a causa de tais condições desordenadas encontram-se no próprio homem, no exercício de sua livre escolha e de sua livre reação à vida Divina.

                        Quanto mais o homem insistir em desculpar seus motivos egoísticos, tanto mais haverá violência, hipocrisia e sofrimento. E em tais circunstâncias infelizes a boa-vontade do Senhor não será percebida, pois o homem terá fechado sua mente aos efeitos do Divino amor. E quando o homem exclui o bem do Senhor e põe em seu lugar a própria ambição, guiando-se pela auto-inteligência, então, voluntariamente, ele se coloca sob a lei da verdade separada do bem.

                        Tal homem não torna sua a vontade do Senhor, mas tenta impor seus próprios desejos ao Senhor. Sob essas circunstâncias de rebelião contra o Divino, a verdade torna-se uma espada férrea, fria e dura, para julgar e punir o violador. Lembremo-nos de que o homem finito nada mais é do que um receptáculo da vida e do que um produto de forças que fluem e o afetam. Mesmo os aspectos de pensamento e caráter que acreditamos nos distinguirem são, na realidade, composições de coisas ouvidas, vistas e sentidas. Nossa própria vida é o resultado imediato do influxo do amor do Senhor em nossa alma. E as idéias da mente, que consideramos, muitas vezes, originalíssimas nada mais são que variações de conhecimento objetivos que recolhemos, no passado e no presente, do meio em que vivemos.

                        Tudo aquilo que um homem tem, ou alega ser, deve, primeiramente, fluir em seu íntimo, vindo de dentro ou de fora, e deve ser recebido e retido em sua afeição. Assim, a vontade de qualquer pessoa, em qualquer tempo, seja boa ou má, é o resultado do influxo do amor pervertido pela passagem através dos infernos. No homem bom, é também o influxo do amor, mas do amor angélico, transmitido imediatamente através dos céus. Em ambos os casos, entretanto, é o Senhor que torna os homens capazes de querer. A qualidade de seu desejo depende inteiramente da natureza do influxo que eles atraem. Se for um influxo oriundo dos infernos, seus desejos serão egoísticos e contrários aos fins do Senhor. Se for um influxo transmitido através dos céus, seus desejos estarão de acordo com os objetivos do Divino do Senhor.

 

                        Uma vez que todo o desejo é um influxo no homem e que ele sente que tal desejo é seu, somos instruídos a selecionar o influxo do bem e da verdade e a rejeitar e evitar o influxo do mal e da falsidade. A fim de que façamos isso com precisão, devemos reconhecer o quanto é verdadeiro o fato de que o homem nada mais é do que um receptáculo da vida, mero vaso para a recepção das várias formas de influxo.

                        Sabemos que, por hereditariedade, a mente do homem tem a tendência de aceitar o influxo infernal do mal e da falsidade. Seus primeiros desejos conscientes estão em conjunção com sua vontade egoística. Mas as formas de hereditariedade podem ser combatidas e adormecidas. A mente humana pode ser instruída pela verdade, pode ser reformada pelo Senhor, a fim de conviver com o influxo celestial e, assim, regenerar-se, de modo que sua motivação interior seja fazer a vontade do Senhor em todas as coisas da vida. Dessa forma o reino dos céus é estabelecido nos corações dos homens, dentro dos esforços de sua própria cooperação. O estabelecimento do reino dos céus é realmente o desenvolvimento da consciência espiritual que se realiza no entendimento reformado do homem regenerado.  

                        Assim oramos: “Pai nosso que estás nos céus.... Seja feita a Tua vontade tanto no céu como na terra”. A consciência espiritual é o reino dos céus que o Senhor desenvolve secretamente no entendimento humano por meio das verdades reveladas. Quando a Palavra é lida e compreendida espiritualmente, o entendimento é elevado à luz do céu. Quem estiver nesse estado percebe que o Senhor, por Seu amor, deseja que todas as coisas sejam boas e verdadeiras, agradáveis e prazerosas; percebe, também, que o Senhor, por Sua misericórdia, permite males e falsidades, tristezas e dores, porque Ele objetiva a regeneração final do homem e deseja sua felicidade eterna. E quando a vontade do Senhor é compreendida pelo homem em elevado estado de pensamento, então, no reino interior de sua consciência, são excitadas pelo Senhor as relíquias da inocência, de modo que um novo amor ou vontade chamada consciência começa a desenvolver-se. Essa nova vontade ou consciência é o céu do homem. É aqui, nos ideais da fé, no reino interior da razão, que a vontade do Senhor primeiramente se realiza. Assim, a vontade do Senhor se faz primeiramente no céu ou consciência do homem.

                        Mas há também uma terra dentro do homem. Sua terra é a mente natural, a residência de seus apetites sensuais, de suas inclinações hereditárias e de sua adquirida auto-inteligência. A constante e diligente prece de seu coração deve ser no sentido de que a vontade do Senhor, já aceita e amada em sua mente espiritual, possa também descer e ser recebida e feita nos pensamentos e afeições da mente natural. Somente assim a vontade do Senhor será feita tanto no céu como na terra.

                        No livro “Divina Providência” nº 239, é declarado: “Pensar e querer pelo Senhor é o essencial humano”. Assim, quanto mais somos capazes de reconhecer o governo do Senhor, tanto mais seremos capazes de cooperar com Seu Divino Bem e Sua Divina Verdade, e conseqüentemente, tanto mais executaremos Sua vontade na terra. E quanto mais nos esforçarmos para fazer Sua vontade, tanto mais claramente faremos Sua vontade na terra. E quanto mais nos esforçarmos para fazer Sua vontade, tanto mais claramente ficaremos habilitados a distinguir entre a Divina vontade e a permissão da Providência. Em ambos os casos, entretanto, reconhecemos a presença e a operação, um conjunto de leis que manifestam Seu amor e misericórdia.

 

 

 

                        Então, quando a tragédia e a desdita se abaterem sobre nossas vidas, como deve ocorrer possivelmente, não as consideremos resultantes da vontade do Senhor, mas sim oriundas do mal e da falsidade, que o Senhor, em Sua misericórdia, é forçado a usar, como único meio de estirpar de nossas mentes as deficiências espirituais. Devemos humilhar-nos diante do Senhor, a fim de receber do alto o poder necessário para revigorar a causa de nossa regeneração.

Amém.

 

 

 

 

 

Lições:
Deuteronômio (11;18 a 28)
Lucas (22;39 a 53)
A. Celestes (2447:224)
A. Explicado (295:3)

 

 

Tradução de J. Lopes Figueredo