SENTIMENTO DE CULPA

 

Sermão pelo Rev. Kurt H. Asplundh

“Pai, pequei contra o céu e diante de ti;
já não sou digno de ser chamado teu filho”


(Lucas 15;21).

                        A parábola do filho pródigo ilustra quão incomensurável é a misericórdia do Senhor e mostra que o homem apenas contribui para a própria salvação com sua livre escolha, oriunda da liberdade que nele é posta pelo Senhor, representado pelo “certo homem” a que alude a parábola.

                        O filho pródigo, espiritualmente irresponsável, não se preocupava com os conhecimentos do bem e da verdade recebidos de seu Pai celestial e representados pelo conforto que ele gozava durante o tempo em que viveu em Sua casa.

                        Auto-suficiente, julgando-se superior, seguiu em seu próprio caminho e esbanjou a fortuna que havia recebido. Entregou-se aos prazeres mundanos e seguiu suas idéias egoísticas. Mas as tentações naturais se abateram sobre ele, a ponto de ficar privado do próprio alimento, o que fez que ele se lembrasse da casa de seu pai e resolvesse voltar para o antigo lar.

                        Devemos notar que, ao procurar o pai, o fez em estado de humildade, a ele se dirigindo com as significativas palavras de nosso texto: “Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho”.

                        A sequência das parábolas que vimos estudando nos últimos sermões mostra-nos que os principais ensinamentos nelas contidos devem ser considerados ao examinarmos o sentido espiritual da parábola que ora estudamos, porque nesta parábola se encontram os mesmos assuntos constantes das anteriores: a humildade, a necessidade da alimentação espiritual e regozijo pelos considerados perdidos e que são salvos.

                        Na parábola dos primeiros assentos, vimos que aqueles que exaltam seu amor próprio, formam em si mesmos o mau caráter que os avilta e os degenera, mas as vicissitudes da vida que se abatem sobre eles e o desenvolvimento mental neles efetuado pelo Senhor vão afastando a presunção, a arrogância e a vaidade de que são portadores e as substituem pela humildade, pela tolerância e pela simplicidade.

                        Os que se encontram nesse estado de progresso espiritual se humilham diante do Senhor e se submetem aos princípios Divinos que governam todas as coisas criadas, exatamente como ocorreu com o filho pródigo. Ele voltou humildemente para a casa de seu pai, pleiteando apenas um lugar de servo, em que pudesse prestar usos como os demais.

                        A outra parábola que examinamos, a do convite para a grande ceia, focaliza a necessidade inevitável de alimentar-nos física e espiritualmente. Nosso corpo definha e perece se não tomarmos alimentos naturais; a mesma coisa acontece com nosso espírito se não o alimentarmos com bens e verdades espirituais.

                        O filho pródigo, enquanto se sentiu atraído pelo amor de si e pelo amor do mundo, chegou, em sua degradação, a alimentar-se de bolotas, extraídas de um vegetal leguminoso e destinadas aos porcos de que ele cuidava. Alimentar os porcos significa cultivar más paixões, pois os porcos representam as cobiças imundas da mente sensual. Alimentar-se com bolotas significa alimentar-se com coisas externas, que não podem sustentar a alma humana, isto é, a vida espiritual.

                        Em seu processo evolutivo, efetuado pelo Senhor, o filho pródigo sentiu a necessidade de procurar o alimento espiritual, voltando para a casa de seu pai, onde foi recebido com grande regozijo, pois, como lemos na parábola da ovelha perdida, há “maior júbilo no ceú por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento” (Lucas 15;7). O pai, como já vimos, representa o Senhor, que, vendo a determinação demonstrada pelo filho no sentido de seguir novo caminho, foi ao seu encontro, proporcionando-lhe os bens e as verdades da Igreja, isto é, o alimento espiritual indispensável à sua regeneração. Alimentou-o com as verdades da fé e os bens do amor e o tornou capaz de fruir a vida superior daqueles que se regeneram.

                        Além desses ensinamentos, que também se encontram nas parábolas anteriores, existe um outro ensinamento na presente parábola, o qual se relaciona com o sentimento de culpa, explícito no nosso texto: “Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho”.

                        O sentimento de culpa é resultante de nossa crença na lei Divina quando nossa mente já está sendo esclarecida pelo Senhor e, então, começamos a examinar se nos comportamos dentro das leis da ordem que trazem equilíbrio ao mundo em que vivemos e se obedecemos às leis Divinas que nos transmitem o equilíbrio do mundo espiritual.

                        Convencemo-nos, então, de que as coisas mais importantes da vida a paz, a alegria, a felicidade e tudo o que delas decorrem estão na inteira dependência da manutenção do equilíbrio daqueles dois mundos. Nossa crença nas leis da ordem Divina está, então, amadurecida e, quando percebemos que estamos, voluntária ou involuntariamente, infringindo essas leis, o sentimento de culpa se manifesta em nossa consciência.

                        Como exemplo de equilíbrio físico, focalizemos a saúde de nosso corpo. Se nos alimentarmos sobriamente, se repousarmos metodicamente e se nos distrairmos de maneira adequada, teremos uma vida saudável e feliz. Se, ao contrário, abusarmos da alimentação, repousarmos deficientemente e usarmos nossos momentos de lazer de maneira cansativa e condenável, teremos em troca doença e infelicidade. Como a criação obedeceu às leis da ordem, nosso corpo dispõe de um sistema de avisos ou de alarme que nos adverte quando passamos da saúde para a doença. No caso da estafa são as dores ou desequilíbrios psíquicos; no caso das infecções somos avisados pelas febres; no caso de outros estados patológicos somos avisados por outros diversos sintomas.

                        Há uma semelhante correspondência no plano espiritual de nossa vida. Nesse plano, quando desobedecemos às leis da ordem, nosso espírito se torna doente e infeliz. Deve haver, então, um aviso de que o equilíbrio foi rompido, a fim de que se possa restabelecer a ordem. Esse aviso é o sentimento de culpa. Ele se manifesta como uma sensação de angústia, como uma “dor de consciência”, ao testemunharmos nossos erros.

                        Ninguém gosta de sentir-se culpado. Entretanto, esse sentimento de culpa não pode ser eliminado enquanto tiver um uso. Ele é essencial para a regeneração. Se o eliminarmos enquanto desempenha seu uso, corremos o risco de perder nossa felicidade espiritual.

                        O Senhor não deseja nosso sofrimento inútil e não permite que tenhamos sentimento de culpa quando esse sentimento não se subordina a um uso. E esse uso está sempre relacionado com o restabelecimento das leis da ordem Divina. Há, por outro lado, sentimentos de culpa que se relacionam com certas convenções sociais que aceitamos ou com hábitos de educação que adotamos. Estes devem, dentro das possibilidades, ser eliminados porque nos fazem sofrer inutilmente e, muitas vezes, levam a distúrbios psíquicos de consequências graves. Isto, entretanto, não significa que devemos ignorar formas externas de comportamento e romper com costumes e tradições adotados, mas sim que devemos considerá-los segundo sua importância relacionada com os usos da vida.

                        Os Escritos nos ensinam que cada um de nós nasce com tendências hereditárias para o mal. É natural que nos sintamos um tanto culpados por essas tendências. Mas devemos lembrar-nos de que nós herdamos essas tendências e, portanto, não temos culpa pelos males hereditários. Não somos culpados pelo pecado de Adão, não somos culpados pelos males de nossos pais e avós. Lemos em Ezequiel 18;20: “O filho não levará a iniquidade do pai; a justiça do justo ficará sobre ele e a perversidade do perverso cairá sobre ele”. A nossa culpa resulta pois dos males que praticamos deliberadamente por nossa livre e racional escolha; não resulta das tendências que herdamos.

                        Assim, se pendermos para a prática do mal deliberadamente, se descobrirmos nossa disposição interior de fazer o mal, sabendo que isso é errado, devemos confessar nossa culpa diante do Senhor e suplicar que Ele, em Sua misericórdia, nos dê forças para resistir às más afeições e afastar os males como pecados. Se procedermos assim e nos arrependermos da prática dos males, seremos fortalecidos pelo Senhor, pois está escrito no livro AMOR CONJUGAL nº 529: “Desde que um homem, por propósito determinado ou por confirmação, se abstém de algum mal, porque é pecado, (esse homem) é mantido pelo Senhor no propósito determinado se se abster de todos os outros males. É por isso que, se por ignorância ou por alguma cobiça do corpo, ele faz o mal, este mal, não obstante, não lhe é imputado, porque não se propôs fazê-lo e não o confirma em si”.

                        Rogando ao Senhor que nos purifique com boas afeições e que nos habilite a substituir os males por boas obras, devemos iniciar firmemente uma vida de completo arrependimento, dedicada aos usos prescritos nas leis da ordem Divina.

                        Se nos voltarmos humilde e contritamente para o Senhor e reconhecermos Sua misericórdia, Ele nos guiará pelos caminhos que levam ao céu, fará com que sejamos transformados em seres espirituais regenerados e nos acolherá em Seu Reino.

                        Assim, tal como fez o filho pródigo, digamos, na confissão de nossa culpa: “Levantar-me-ei e irei ter com meu Pai e Lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de Ti; já não sou digno de ser chamado Teu filho” (Texto). E o Senhor responderá: “Acaso tenho Eu prazer na morte do perverso? Não desejo antes que ele se converta de seu caminho e viva? Portanto, convertei-vos e vivei”. (Ezequiel 18;23 e 32).

Amém.

Lições : Ezequiel 18;20 a 32
              Lucas 15;11 a 34
              NJDC 159 a 165

Adaptação de J. Lopes Figueredo

 

 

NJDC 159 a 165

PENITÊNCIA E REMISSÃO DOS PECADOS

 

159.     Aquele que quer ser salvo deve confessar seus pecados e fazer penitência.

160.     Confessar os pecados é conhecer os males, declarar-se culpado, e, por causa desses males, condenar-se. Fazer isso diante de Deus é confessar os pecados.

161.     Fazer penitência é, depois de ter assim confessado os pecados e ter pedido com uma oração humilde a remissão deles, renunciar a eles e levar uma vida nova, segundo os preceitos da caridade e da fé.

162.     Aquele que somente de uma maneira geral reconhece que é pecador e se declara culpado dos males sem se examinar, isto é, sem perceber seus pecados, esse faz uma confissão mas não uma confissão de penitência; como não conhece os seus males, continua vivendo como antes.

163.     Aquele que vive a vida da caridade e da fé faz penitência cada dia; reflete sobre os males que estão nele, reconhece-os, guarda-se contra eles e suplica ao Senhor para lhe dar socorro. Com efeito, o homem cai continuamente por si mesmo, mas é continuamente levantado pelo Senhor e conduzido para o bem; tal é o estado daqueles que estão no bem. Aqueles, ao contrário, que estão no mal continuamente, e são também continuamente levantados pelo Senhor, são paralisados a fim de não cairem em males mais graves, para os quais tendem por si mesmos com todas as suas forças.

164.     ... Aqueles que não examinam os males de seu pensamento e de sua vontade não podem fazer penitência, pois continuam pensando e querendo como antes e quere os males é fazê-los.

165.     ... Os pecados se ligam ao homem ainda que ele creia que foram remidos, e não são afastados senão por uma vida segundo os preceitos da verdadeira fé. Quanto mais ele vive segundo esses preceitos, tanto mais os pecados são afastados, e quanto mais são afastados, tanto mais são remidos.