Respeito ao Profeta

Sermão pelo Bispo Elmo C.Acton

"Então subiu dali a Betel; e, subindo ele pelo caminho, uns rapazes pequenos saíram da cidade, e zombavam dele, e diziam-lhe: Sobe, calvo; sobe, calvo! E, virando-se ele para trás, os viu, e os amaldiçoou no nome do Senhor.
Então duas ursas saíram do bosque,
e despedaçaram quarenta e dois daqueles pequenos"


(II Reis 2:23,24).

Nos tempos antigos, o profeta não só representava o povo, mas também sua voz era a voz do Senhor para o povo. O anjo de JEHOVAH freqüentemente falava através do profeta e suas palavras começavam com a seguinte frase: "Assim diz o Senhor". Não havia uma Palavra escrita naqueles dias e as ordens Divinas eram comunicadas ao povo através do profeta. A comunhão entre os anjos e os homens, ou a conjunção entre o céu e a igreja, repousava nele e em seus ensinamentos. A falta de respeito e a difamação para com o profeta eram, num sentido bem real, dirigidas contra o Senhor e a Sua Palavra. Porque a igreja se firmava ou caía com a autoridade do profeta.
A Igreja Israelita era um representativo de igreja, e o influxo e a recepção da vida espiritual desde o céu dependia do desempenho reverente e fiel dos atos de culto e das práticas dos preceitos morais da vida que representavam as realidades espirituais interiores. Naquela igreja, a comunicação com o céu não dependia do estado interno daqueles que desempenhavam tais atos, mas da reverência externa e da santidade com que esses atos eram desempenhados. Por esta razão, nós não podemos julgar corretamente os eventos descritos no Antigo Testamento à luz dos padrões da igreja de hoje.
Desde a vinda do Senhor a igreja é interna, e os atos representativos não têm poder algum separados dos estados interiores das pessoas que os praticam. Agora, a comunicação entre o céu e a igreja é estabelecida na Palavra escrita de Deus, na qual estão reveladas as verdades essenciais da vida para todos os que as recebem e aplicam à vida. Hoje, a recepção da vida espiritual se baseia na obediência aos mandamentos Divinos, não somente em palavras e atos, mas também na vontade e no pensamento. Porque numa igreja interna os rituais do culto e da vida recebem sua qualidade dos estados dos seus praticantes.
Esta é a condição com os adultos da igreja de hoje. Com as crianças, porém, é diferente. Elas estão num estado semelhante ao da igreja representativa, e os representativos externos para elas são ainda da maior importância. Visto que elas ainda não têm um interno propriamente seu, a vida espiritual só pode ser preservada nelas através do respeito e da obediência às formas externas do culto e da vida. Se quisermos prepará-las para a recepção da vida interna espiritual quando elas crescerem, devemos insistir para que respeitem o Livro da Palavra, a pessoa do ministro e do professor, os adultos em geral e os idosos. O mesmo respeito deve ser requerido em relação às formas de culto e às práticas morais da igreja e da sociedade em que elas vivem. Se elas se acostumarem a desprezar a autoridade e o valor dessas pessoas e instituições, sua vida espiritual será dissipada pelas paixões e apetites naturais. Aqui está a aplicação moral do evento de nosso texto.
É mais fácil entender essa aplicação quando examinamos o sentido original das palavras hebraicas "k'tanim na'arim" traduzidas na versão protuguesa "rapazes pequenos". A palavra hebraica "na'ar" foi usada em relação a Isaque quando ele tinha vinte anos e a José quando tinha trinta. Portanto, não teriam sido realmente criancinhas que foram despedaçadas pelos ursos. Esta explicação não satisfaz a aparente crueldade do castigo descrito em nosso texto - que só pode ser compreendido corretamente à luz do poder dos representativos na igreja daqueles tempos. No entanto, isto nos capacita a tirar um ensinamento moral mais claro e mais conciso, aplicável a todas às idades.
O profeta de Israel era destacado de todos os outros homens; era facilmente reconhecido por suas vestes e sua aparência. Uma marca essencial dessa função era o uso de cabelos longos e um cinto de couro em volta dos lombos. Chamá-lo de "calvo" era mostrar completo desrespeito pelo seu uso como um profeta. Se  aos jovens de Israel fosse permitido difamar assim o profeta, a nação seria destruída. Por isso, quando os rapazes cometeram essa blasfêmia, a maldição que lançaram sobre Eliseu retornou sobre eles; tinham desprezado a Palavra do Senhor, pelo que foram destruídos pelas duas ursas. O Senhor disse: "Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o Seu nome em vão".
Assim acontece com a igreja e com a sociedade em todas as épocas. Se aos jovens for permitido desprezar e desrespeitar os símbolos externos do culto e da moralidade que contêm e expressam os valores imutáveis da igreja e da sociedade, uma outra, sem a sua essência, serão destruídas.
Sempre que o jovem é levado por um desejo de inovar e por esse desejo se rebela contra os padrões já estabelecidos pelos pais e adultos, o resultado é a desordem e o caos. Isto não quer dizer que se espera dos jovens uma obediência servil e inquestionável à tradição e aos costumes; nem que devam seguir cegamente as formas externas que expressam os genuínos valores internos. Mas que dizer, sim, que as mudanças devem ser feitas a partir da verdade, por um desejo de estabelecer formas externas que venham expressar mais perfeitamente os valores essenciais e duráveis, e não mudar por mudar, simplesmente, nem por desejo de se impor uma vontade própria.
O jovem deve examinar e questionar as formas externas de culto e de vida que ele recebeu das gerações anteriores. Dessa maneira, ele pode adquirir e tornar propriamente seus os valores internos daquelas formas, e pode deixar de lado as formas externas que já tiveram sua utilidade e que não são mais necessárias ou adequadas para expressar os valores permanentes. Mas se ele se rebelar contra todas as formas externas de culto e boa conduta na vida, acaba destruindo a alma juntamente com o corpo. Por isso, a letra da Palavra ensina em toda parte a obediência e o respeito aos pais, bem como a consideração para com os idosos.
O cabelo representa o sentido natural da Palavra ou, em geral, a letra da revelação. No sentido íntimo ou celestial, o cabelo representa o Humano do Senhor no qual Ele se apresenta na Igreja. Sansão, cuja força estava no cabelo, representa o poder do homem contra a falsidade e o mal. O homem tem poder contra a falsidade quando presta obediência à verdade da letra da Palavra. O nazireu, cuja característica principal era não cortar o cabelo, tinham a mesma significação. E Eliseu era nazireu, assim como todos os profetas. Zombar do profeta, chamando-o de calvo, representava, portanto, negar a letra da Palavra, ou seja, dizer que ela não faz sentido nem se presta ao entendimento do homem.
Hoje, ainda, as pessoas zombam do profeta, chamando-o de calvo, quando negam que existe alguma revelação Divina ou quando negam que a Palavra tenham autoridade e poder Divinos. E também quando dizem que a letra da Palavra não se aplica à vida do homem de hoje. Dizer que as histórias da letra da Palavra são apenas lendas ou mitos inventados pelo homem é querer destruir sua Divindade e seu poder. Por essas falsidades, o homem destrói toda possibilidade de adquirir vida espiritual para si por meio da Palavra, pois se afasta do único canal em que o Divino Vero pode ser comunicado a ele. Sem a autoridade de uma revelação Divina, o homem fica à mercê dos caprichos e das fantasias de seus amores sensuais e suas cobiças, sendo a sua vida espiritual consumida pelas paixões e apetites, que são representados aqui pelas duas ursas, ou seja, as falsidades e males do proprium do homem.
Os cabelos representam a letra da Palavra, como foi dito. A razão vem do fato de os cabelos serem os últimos revestimentos do corpo do homem, e a letra da Palavra é o último revestimento da Divina Verdade. Também se pode comparar a letra da Revelação a um cálice com precioso vinho. Se o cálice é quebrado, o vinho se perde. Ou, ainda, como a pele e os ossos que revestem e sustentam com vida todo o corpo; tirá-los do corpo é destruir inteiramente a vida do homem.
Eliseu foi alvo da zombaria dos rapazes ou meninos quando viajava de Jericó para Betel. Essa jornada representa o estado em que o homem está se esforçando por aplicar a doutrina à sua vida, pois Betel é o interior da terra cujo limite é Jericó. Os rapazes que se levantaram para zombar de Eliseu representam os incipientes males e falsidades dos amores egoísticos do homem, que insinuam o pensamento de que as verdades não têm nenhuma relação com a vida prática, de que são ideais impraticáveis, ou de que, para se viver no mundo, é necessário adotar os padrões do mundo, e não se pode levar em conta os princípios espirituais nas matérias práticas da vida.
Esses males e falsidades em seu começo insinuam no pensamento a idéia de que o bem e a verdade da Palavra podem ter alguma aplicação para o homem interno, mas que só são aplicáveis na outra vida. Esses males, representados pelos rapazes que duas vezes caçoaram do profeta: "Sobre, calvo; sobe, calvo!", representando que o homem assim destrói ambos, o bem e a verdade da Palavra.
As "duas ursas" que saíram do bosque representam as cobiças e deleites do proprium que devoram e despedaçam toda vida espiritual e consomem os bens e verdades do homem interno.
Devemos examinar a qualidade de nossa vida espiritual, saber como ela se aplica no natural, na conduta e nas matérias práticas de nossa vida diárias, em nossas palavras e atos. Quando o interno está bem firmado no externo, ele está em sua plenitude, em sua santidade e em sua força.
As verdades da Palavra são eminentemente práticas, e a fala de nossa boca e os atos de nossas mãos devem ser ordenados pela Palavra, pois somente assim as verdades se tornam reais e se manifestam em bens do uso. Como disse o salmista: "Que as palavras da minha boca e a meditação do meu coração sejam agradáveis a Ti, ó Senhor, minha força e meu Redentor".

Amém.


Lições: Levíticos 19:23-37; II Reis 2:16-25. AE 66.