Perseguição por causa da justiça

 

“Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça,
porque deles é o reino dos céus”


(Mateus 5:10)

Ninguém, nem coisa alguma, no universo está livre de sofrer perseguição. Não existe substância ou forma que não esteja sujeitas às forças da dissolução. O sucesso é ameaçado pelo fracasso, a alegria pela dor, a liberdade pela escravidão, a paz pela guerra, o nascimento pela morte. Os infernos perseguem e assaltam as mentes descuidadas por meio do egoísmo e do amor do mundo, que trazem a morte espiritual.
Mas, na Providência do Senhor, a perseguição pode se tornar bênção. A planta perece e morre, mas provê a existência de um solo novo e fértil. A ameaça da escravidão e da guerra faz surgir a determinação pela liberdade. A perseguição do fracasso traz humildade e novo começo. A perseguição da dor pode quebrantar o espírito humano e fazê-lo apto a receber consolo interior que seria desconhecido de outro modo. A perseguição da tentação pode ser o meio de se edificar o caráter espiritual. “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” -
Existe um uso na perseguição. Esse uso é evidente na história dos primeiros tempos da Igreja Cristã. Enquanto ela sofreu as mais amargas experiências, resistindo aos inimigos que buscavam desacreditar seus ensinamentos, em outras palavras, enquanto foi perseguida, a Igreja cristã cresceu forte em doutrina e em vida. Seus seguidores viviam a vida ensinada na Igreja e isto levou muitos e muitos deles ao martírio. E ficou evidente, sem sombra de dúvida, que não havia força física capaz de destruir aquela Igreja.
As primeiras heresias que assaltaram o cristianismo foram ataques vindos de fora, dos judeus e dos gentios, inimigos da nova religião. Longe de desencorajá-los, essa perseguição cruel estimulava os cristãos a defenderem sua doutrina e a terem um modo de vida diferente do do mundo. Debaixo de perseguição, eles depositavam toda a confiança de seus corações em sua crença. Adoravam o único Deus, o Senhor Jesus Cristo, observavam Seus mandamentos como verdadeiros discípulos e enfrentavam a falsidade com a verdade, considerando o mal e o pecado como reais inimigos, mais perigosos que a própria morte.
Enquanto havia intimidação de fora da igreja, havia a integridade lá dentro. Mas um dia a perseguição cessou. A sobrevivência não era mais um desafio para eles, pois ninguém questionava mais seu modo de viver e de crer. E a Igreja se estabeleceu firmemente nos externos... e perdeu o ânimo com que enfrentava a falsidade e o mal. Em paz com relação aos inimigos externos, a Igreja, todavia, entregou-se à heresia e à cobiça pelo poder que a contaminavam pelos internos.
Toda igreja, em seu começo, está entre uns poucos, separada. Compõe-se daqueles cujas convicções são firmes e cujas vidas são inteiramente dedicadas a ela. Mas quando a igreja cresce e conquista a vitória do reconhecimento externo, ela tende a perder seu sentido de dependência do Senhor, de constante dependência de Sua Palavra para guiá-la, fortalecê-la e dar-lhe direção. Então a complacência e a indiferença começam a tomar o lugar da dúvida e do combate. As doutrinas se tornam complexas e a vida é marcada pela satisfação própria.
Quando eram forçados a se curvarem diante de ídolos pagãos, os cristãos primitivos resistiam a tal profanação, rejeitando a adoração a outros deuses, e por isso muitos foram martirizados. Mas os que vieram depois, no período de após a perseguição, não tiveram nenhum problema de consciência em adotarem a crença em três deus do credo atanasiano e passaram a prestar homenagem e veneração a santos e mortos. Os cristãos primitivos detestavam o culto a César, recusando-se a ajoelharem diante de um homem finito - entretanto, os seus sucessores vieram a adorar Cristo como homem apenas; eles adotaram prontamente a heresia ariana que negava a divindade do Senhor. O culto perdeu seu significado, transformando-se em formalidades rituais, e a preocupação com as coisas eternas deram lugar à busca das coisas materiais.
Após três séculos de perseguição, o cristianismo tornou-se a religião comum do mundo civilizado e imediatamente surgiram as heresias. Estabeleceu-se o poder em Roma e a religião passou a ser um meio de se obter vantagens terrenas e pessoais. A Igreja não podia mais ver seus perseguidores, porque eles estavam atacando de dentro. Pois o inimigo real da Igreja é o inferno. As reais perseguições vêm dos amores de si e do mundo, e o mundo odeia a justiça e perpetuamente se esforça para destruí-la. Se a Igreja não estiver preparada para enfrentar as perseguições espirituais, que nos atacam de dentro, certamente deve morrer.
Sendo assim, desde cedo precisamos, na Nova Igreja, estar preparados para a perseguição e para as bênçãos que ela nos pode trazer. Tal preparação começa quando a criança, pelo ensinamentos dos pais, começa a ver e a controlar seus amores e objetivos mundanos. A partir de uma educação sensata e correta, a criança aprende a reconhecer a influência dos espíritos maus que os dirige a causar dano aos outros. Os pais que dão  liberdade exagerada aos filhos, que ignoram a conduta de egoísmo e de inclinação às cobiças, estão negligenciando a responsabilidade essencial que têm de conduzi-los. E assim causam enorme dano à base de uma vida cristã neles. Somente aqueles que disciplinam seus filhos pelas verdades é que os conduzem ao Senhor.
A educação cristã prepara a mente infantil para a perseguição do mal e do falso quando estabelece nela o ideal de defender o que é justo, não importam as conseqüências. Alguns dizem que os pais que exercem tal controle e tal disciplina sobre seus filhos os estão alienando, ou o que a disciplina rígida provoca traumas. Mas não é assim. De fato, a verdade é bem o contrário. É nos lares em que não existe ideal nem culto da vida espiritual que se vê mais rejeição à base paterna. Pois quando pais e filhos estão juntos num ideal da religião e se esforçam para viver a vida da religião, cria-se um laço interior de afeição e respeito que fica cada vez mais forte entre eles. Quando a verdade é mostrada para que se reconheça o erro, ela mesma, a verdade, dá oportunidade de mudança. O mal e a falsidade são reconhecidos como reais inimigos.
A perseguição espiritual existe quando enfrentamos luta por defendermos no mundo os ideais da vida eterna. É o que se chama tentação espiritual. No homem da Igreja, as tentações são “combates entre o mal que está nele e procede do inferno, e o bem que está nele e procede do Senhor” (AC 8959). É verdade que os assaltos parecem vir de fora, de pessoas, dos meios de comunicação, de leituras etc., mas é essencial que reconheçamos que a luta real é interna. Realmente, é um ataque infernal à vida espiritual que está nascendo ou se edificando dentro de nós. O que vemos de fora é, na realidade, o agente dos infernos que, pelo mal e pela falsidade, lutam por demolir toda vida espiritual que se está implantando em nossa consciência. O ataque dos infernos é, realmente, à verdade, ao Senhor, que é a Verdade mesma. E o Senhor disse: “Se o mundo vos aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, me aborreceu a Mim. Se vós fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas, porque não sois do mundo, antes Eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos aborrece. Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo mais do que o seu Senhor. Se a Mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós...” (João 15:18-20).
Quando enfrentamos os combates de tentação, sentimo-nos incapazes de lutar, desvalidos e fracos, sem argumento com que nos defender dos ataques do mal e do falso. Por isso é essencial que nos voltemos para o Poder que está acima de nós. É impossível lutar contra os infernos, pois a natureza do próprio humano é inclinado para os infernos. Mas, pelo Senhor, o homem pode enfrentar os maus amores infernais e triunfar, porque o Senhor triunfou. Então, precisamos de um estandarte, um lema sob o qual lutar. Este estandarte ou lema é a Palavra do Senhor. Pela divina Revelação, podemos ver o mal espiritual que nos afronta e resistir a ele. Quando nos voltamos para o Senhor em Sua Palavra, Ele pode nos dar um amor a partir do qual podemos combater os infernos, um amor novo, o amor à verdade, à justiça, à retidão, e por esse amor podemos permanecer inabaláveis diante de toda espécie de perseguição.
As perseguições da dúvida, da frustração, da cobiça e dos maus amores que infestam nossas mentes para nos desviar da vida verdadeira da religião podem ser transformadas pelo Senhor e se tornam meios de crescimento espiritual e bem-aventurança, contanto que saibamos resistir com coragem aos seus ataques. Quando combatemos essas coisas, quando as repelimos por ferirem os nossos princípios genuínos de verdadeiro cristianismo, então essas lutas se tornam meio de se moldar em nós um caráter espiritual cada vez mais firme, assim como o ouro e é depurado pelo calor do fogo.
Os Escritos da Nova Igreja nos ensinam que as tentações servem para “confirmar as verdades da fé, também para implantá-las  e insinuá-las na vontade, para que se tornem bens da caridade. Pois o combate pelas verdades da fé contra os males e falsidades; e como sua mente está então nas verdades, quando ele vence, ele se confirma neles e elas são implantadas nele; e também considera como inimigos e repele de si os males e falsidades que o têm atacado, Além disso, pelas tentações as concupiscências que são dos amores de si e do mundo são subjugadas e o homem se torna humilde. Assim ele é preparado para receber a vida do céu proveniente do Senhor, vida essa que é a nova vida, tal a que pertence ao homem regenerado” (AC 8966).
Nenhuma coisa é realmente nosso enquanto não nos apropriamos dessa coisa e a usamos em nossas vidas. Pelo uso, pela aplicação das verdades da religião às nossas vidas, essas verdades se tornam nossas. E pela luta e pelo esforço da regeneração para encarar a perseguição do mal e da falsidade acabamos dar um valor novo e diferente à verdade que antes residia apenas na memória. Pois quando a verdade é usada para dissipar a falsidade, ela é vista como um novo caminho, e quando a usamos para combater o mal, ela se torna viva em nós, se torna um bem, uma bênção do Senhor. Pois a verdade é que o Senhor mesmo é quem combate pelo homem que está em tentação, e Ele “combate por meio das verdades de Sua Palavra” (AR 185).  No tempo em que sofre perseguição, a pessoa se sente desamparada e como se o Senhor estivesse distante; mas a verdade é que Ele está ainda mais presente durante as tentações (AC 1947).
Quando a verdade é conhecida, o Senhor está presente na mente humana. Mas quando a verdade é trazida ao uso, aplicada à vida e posta adiante de nós para com ela enfrentarmos os infernos, o Senhor está ainda mais presente, ordenando a mente numa forma celeste que a tentação não pode abalar. Porque “aquele que é tentado no mundo não é tentado após a morte” (AR 185).
Quem combate os males nos externos abre uma via para que o Senhor dissipe os males nos internos. Quem é perseguido por causa da justiça, isto é, por causa da verdade, abre a sua mente para receber as bênçãos celestes que têm origem no Senhor.

Amém.

Textos: Lucas 21:5-28; AE 121.

Rev.David Simmons (adaptado)