TODA PALAVRA OCIOSA

Sermão pelo Rev. Elmo C. Acton

"...De toda palavra ociosa que os homens disserem
hão de dar conta no dia do juízo".


Mateus, 12:36.

O assunto geral do décimo segundo capítulo é a relação entre o homem externo e o homem interno, e a necessidade de trazê-los em correspondência.  O interno e o externo aos quais os Escritos se referem são o interno e o externo do espírito do homem, ou seja, de sua mente. Palavras e atos são apenas efeitos procedentes do espírito, e por isso sempre tiram sua qualidade do interno e do externo da vontade e do entendimento do homem.
Existe a ordem verdadeira num homem quando há perfeita correspondência entre o interno e o externo; quando a vontade interna está no amor ao Senhor e ao próximo e seu entendimento é formado pelas verdades que apoiam esses amores. Estas coisas influem na vontade externa e criam nela o amor de desempenhar o bem da vontade interna, e no entendimento externo a afeição das verdades pelas quais o bem pode realmente existir, e finalmente se manifestam em palavras e obras.
Onde não houver essa correspondência há algum grau de profanação. O grau mais profundo de profanação é quando o homem interno está nos amores de si e do mundo e seu pensamento maquina os meios de atingir seus fins, ao passo que o homem externo aparenta estar no amor ao Senhor e ao próximo, do que resulta uma vida apenas externamente piedosa e obras de caridade apenas na aparência.
Dessa maneira o bem e o mal ficam tão misturados que não podem ser separados sem destruição da vida do homem, e finalmente a pessoa já não pode sequer reconhecer sua própria hipocrisia. Por essa vida habitual de bem externo e de profissão das verdades da Palavra, a pessoa tem consigo algo que continuamente a condena - seu próprio inferno. Este estado, no que concerne à regeneração do homem, é o pecado contra o Espírito Santo, que não pode ser perdoado. Foi por isso que, imediatamente depois de ensinar a respeito deste pecado, o Senhor advertiu: "Ou fazei a árvore boa, e o seu fruto bom, ou fazei a árvore má, e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore". A árvore é a vontade e o entendimento internos, e o fruto é a vontade e o entendimento externos incluindo os atos do corpo e as palavras da boca.
Se não presta atenção em seus pensamentos e sua vontade e não os examina, o homem não é consciente dessas distinções, e não pode conhecê-las a não ser à luz da verdade da Revelação. Por isso o Senhor admoesta o homem a ter cuidado: "...Eu vos digo que de toda palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado". E os Escritos ensinam que é do homem sábio conhecer os fins pelos quais age.
O homem tem muita facilidade de acreditar que suas palavras vãs e seus pequenos atos fora da ordem são de pouca importância e podem ser renunciados facilmente quando ele se propuser a isso. Mas não é assim. Aquilo que o homem faz como hábito, especialmente por longo período, só é tirado com muita dificuldade e muitas vezes com tormento interno.
A seguinte experiência no mundo espiritual deverá servir de exortação para nós. Está no Diário Espiritual (4056): "Havia um certo espírito, de boa disposição, que, quando via alguma coisa desagradável ou vergonhosa, era estimulado por outros espíritos, e dizia que aquilo que ele estava vendo era mais feio e mais abominável que o diabo. Era uma maneira de falar, consistindo em nomear o diabo, que tinha se tornado um hábito nele. Os espíritos com os quais ele estava associado ficavam indignados de que ele usasse tão freqüentemente essa forma de expressão, pelo que ele de fato se restringia por algum tempo, mas ainda continuava a falar daquela maneira. Por isso ele foi posto numa espécie de véu, como num saco, onde sofreu ansiedade. Quando foi liberto, veio a mim e eu percebi a ansiedade e o terror que tinha sofrido; falou-me que, quando estivera no véu, estivera no desespero de nunca mais ser liberto".
Os Escritos ensinam ainda que "a separação das idéias santas e profanas, quando elas foram conjuntas, não pode ser efetuada senão por meio de tormentos tão infernais que, se o homem soubesse, teria cuidado de evitar a profanação tanto quanto evita o próprio inferno" (AC 301).
"De toda palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo". Palavra ociosa ou frívola é uma palavra vã, de nenhum valor ou uso, uma palavra que procede do pensamento do externo sem ter correspondência com sua vontade e pensamento internos. Tem o mesmo sentido do vocábulo "vão", no segundo Mandamento: "Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão".
O oposto a isto são as palavras na oração: "Santificado seja o Teu nome". Os nomes do Senhor são cheios de sentido; revelam Suas qualidades e nunca devem ser usados inutilmente ou em expressões vãs. Pois "quanto mais alguém não profana o nome de Deus... mais ama as coisas santas da Palavra e da igreja, porquanto essas são os nomes de Deus..." (AE 949).
A pessoa que usa os nomes de Deus de forma vazia e leviana e se desculpa dizendo que é apenas uma expressão, essa leva consigo sua própria acusação, se é uma pessoa que reconhece o Senhor e professa desejo de amá-Lo. Sua profissão do amor é que a acusa. Porque o homem não pode profanar algo que ama sem sentir dentro de si a dor e a angústia da consciência. Se não tem esses sentimentos, pode saber que não tem amor e por isso nenhuma consciência.
A mesma coisa se aplica à profanação de histórias e nomes da Palavra, que são o nome do Senhor num sentido eminente. A Palavra é santa e cheia de sentido, e em seus íntimos ela é o Senhor mesmo, e nada da Palavra pode ser mencionado de forma frívola ou leviana. Os Escritos dizem: "O primeiro gênero de profanação é cometido por aqueles que fazem troça com a Palavra e sobre a Palavra, ou com os Divinos da Igreja e sobre estes Divinos. Isto acontece a alguns pelo mau hábito de tomar os nomes ou locuções da Palavra e misturá-los a conversas pouco decentes, e por vezes obscenas, o que não pode deixar de estar associado a um certo desprezo pela Palavra, quando entretanto a Palavra em todas e cada uma das coisas é Divina e santa" (DP 231). O resultado (desse hábito) é que "tão logo surge alguma idéia daquilo que é santo e verdadeiro, o que é profano e falso se ajunta"...(AC 582).
Estas admoestações se aplicam especialmente aos membros da igreja, pois o fato é que "a Divina verdade não pode ser profanada a não ser por aqueles que antes a reconheceram". Porque somente esses "têm continuamente em si mesmos aquilo que os condena, assim seu próprio inferno..." (AC 3398)
A palavra frívola da qual o homem terá de dar conta no dia do juízo, e as palavras e obras pelas quais ele será justificado ou condenado são coisas interiores que só podem ser julgadas pelo Senhor, pois só Ele conhece o coração do homem. Não se pode julgar uma pessoa pelas suas palavras e obras, mas somos aconselhados a examinar e julgar a qualidade de nossas próprias palavras e obras. Vistas de dentro, as palavras verdadeiras e as boas obras de uma pessoa má não são verdadeiras nem boas, e se pudéssemos enxergar os maus amores dos quais elas procedem, veríamos que tais palavras e obras são como o mal mesmo em sua expressão e forma. Por isso o ensinamento aparentemente contraditório de que as boas obras de um homem mau não são realmente boas obras.
Realmente é assustador pensar que teremos de dar conta, após a morte, de toda palavra inútil e de todo ato leviano. Mas este fato é atenuado pelo ensinamento de que o Senhor é misericordioso em Seu julgamento. Como, por exemplo, no que está revelado, que após a morte ninguém é jamais punido ou sofre por aquilo que fez no mundo, mas somente por aquilo que continua fazendo no mundo espiritual. O juízo não é uma pesagem do bem contra as más palavras e obras que o homem praticou na vida passada, mas sim dos amores e pensamentos interiores pelos quais ele fez tais obras e falou tais palavras e continua a fazê-lo.
As palavras que o homem falou e as obras que fez levianamente e das quais se arrependeu e deixou de lado não são mais parte de sua vida; e, embora não tenham sido erradicadas de seu ser, foram, porém, removidas, e o homem não é mais chamado a prestar conta delas. Como Ezequiel diz: "De todos os seus pecados com que pecou não se fará memória contra ele" (33:16). Aliás, a nova vontade que é implantada no homem se chama Manassés, nome que quer dizer "esquecimento". Se, no mundo, através da penitência, da reforma e da regeneração, o homem adquiriu o começo de uma nova vontade, então, nela estará o esquecimento das más palavras e obras do passado, e ele não será acusado ou condenado por causa delas.
O juízo após a morte não é uma enumeração das palavras e obras da vida do homem na terra, ou uma acusação e condenação dele por causa de suas obras. É uma manifestação gradual dos amores e intenções interiores que constituíam e ainda constituem a vida do homem. Esses amores interiores são levados gradualmente para o exterior e tomam formas correspondentes, de sorte que os interiores do homem se manifestam em obras e palavras externas correspondentes.
É verdade que tudo aquilo que, desde a infância, o homem pensou, disse e fez, tanto de bom quanto de mau, mesmo os últimos da vida, permanecem e podem ser evocados. Todavia, em relação a este fato, "o Senhor exerce Sua providência e quando o homem entra na outra vida, se ele viveu no bem do amor e da caridade, o Senhor então separa os seus males e, por aquilo que é bom, Ele eleva o homem ao céu. Mas se o homem viveu nos males, isto é, nas coisas contrárias ao amor e à caridade, o Senhor então separa dele aquilo que é bom, e os males do homem o arrastam para o inferno" (AC 2256).
Em geral, isto se efetua pela gradual remoção das coisas da memória externa até que essa memória fique inteiramente passiva. Então a memória interna se torna ativa, mas somente naqueles amores e intenções que são correspondentes aos interiores. Mesmo assim, todas as coisas da memória podem ainda ser trazidas de volta, sempre que necessário. Por exemplo, quando um espírito mau nega os seus males e tenta enganar os outros pela piedade externa; nesse caso, não somente seus maus feitos são trazidos de volta e expostos à luz pelo avivamento de sua memória, como também os pensamentos que ele teve quando os praticou e as afeições e amores que o moveram naqueles atos.
Uma das bênçãos da perda do uso da memória externa é que os maus espíritos não poderão mais acusar e condenar o homem por causa de males passados. Enquanto ainda vivemos neste mundo, os espíritos maus podem enumerar, por assim dizer, nossos males passados, prender nossas mentes naqueles males e acusar-nos por causa deles, fato que nos leva a severas tentações. Após a morte, porém, eles não podem mais fazê-lo, porque nossa memória externa ficou como que adormecida e somente as coisas que tenham correspondência com os amores interiores poderão ser trazidas à luz. Isto é uma bênção também para a pessoa má, porque suas boas palavras e obras externas não poderão mais vir à sua mente para perturbá-la e acusá-la de um estado profano de bem e mal.
Então, devemos ter muito cuidado, examinando sempre nossas palavras e nossos atos, lutando para fazer com que eles sejam formas externas adequadas do amor ao Senhor e ao próximo. Deste modo a árvore será boa e o seu fruto bom, pois "o homem bom tira boas coisas do seu bom tesouro, e o homem mau do mau tesouro do seu coração tira coisas más". Com muito fervor, oremos para que o Senhor estabeleça um atalaia diante de nossa boca, e guarde as portas de nossos lábios.

Amém.


Lições: Ezequiel 33:7-20
Mateus 12:22-27        Céu e Inferno 472