Os primeiros serão os últimos e os últimos os primeiros

Sermão pelo Candidato Mauro S. de Pádua

"Mas ele, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço ofensa; não ajustaste tu comigo um dinheiro?  Toma o que é teu, e retira-te; eu quero dar a este último tanto como a ti.  Ou não me é licito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau ao teu olho porque eu sou bom?  Assim os últimos serão primeiros, e os primeiros últimos; porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos".


Mateus 20:13-16.

As vezes nós achamos que não fomos reconhecidos o suficiente por algo de bom que fizemos.  Ou nós achamos que nos saímos melhor do que uma outra pessoa em uma situação, embora esta outra pessoa tenha recebido o reconhecimento todo ou mais do que nós.
A parábola de nossa leitura esta manhã é um ótimo exemplo de uma situação como esta.  O pai de família sai cedo para contratar os trabalhadores para sua vinha.  Ele contratou trabalhadores em horas diferentes.  No fim do dia, na décima segunda hora ele diz ao seu mordomo: "Chama os trabalhadores, e paga-lhes a diária, começando pelos últimos até aos primeiros".
Todos os trabalhadores receberam um dinheiro cada um, mas quando os primeiros viram que eles também receberam um dinheiro como os outros, reclamaram com o pai de família.  Os trabalhadores que foram contratados primeiro achavam que deveriam ser pagos mais porque trabalharam mais.
É importante prestar atenção na resposta à reclamação.  O pai de família disse: "Amigo, não te faço ofensa; não ajustaste tu comigo um dinheiro?"  Isto mostra que havia um acordo entre os trabalhadores e o pai de família antes de eles começarem a trabalhar.  O pai de família não estava sendo injusto com os trabalhadores que foram contratados primeiro.  Assim ele diz: "Toma o que é teu e retira-te; eu quero dar a este último tanto como a ti."
Nesta parábola a vinha representa a Igreja espiritual que é comparada ao Reino do Céu.  O pai de família é o Senhor o Qual sai e convida pessoas para unirem-se à Sua Igreja.  A recompensa ou o pagamento é o Reino do Céu.
A princípio nós podemos pensar que o Senhor está sendo injusto.  Afinal de contas, os trabalhadores que foram contratados primeiro realmente trabalharam mais.  Mas se refletirmos cuidadosamente sobre esta passagem veremos que o problema não estava na atitude do pai de família, e sim, na atitude dos primeiros trabalhadores.  O Senhor deseja dar a todos a chance de entrar no céu.  Na verdade, esta é uma atitude de caridade da parte do Senhor.  Idealmente, os primeiros trabalhadores deveriam ter ficados contentes porque os últimos, embora tenham sido contratados por último, ainda tiveram a oportunidade de serem pagos de acordo com seu trabalho.  O pai de família não tirou dinheiro dos primeiros trabalhadores para dar aos últimos.  Ao invés disso, ele pagou aos trabalhadores o que foi justo; como ele mesmo disse: "Amigo, não te faço ofensa".
Assim podemos ver que não importa em que hora de nossas vidas o Senhor nos chame.  Nós podemos sempre, se cooperarmos com o Senhor, entrar no Reino do Céu.  Esta recompensa vem do Senhor e Ele deseja dá-la a todos nós, contanto que queiramos aceitar o acordo.  O Senhor não está fazendo ofensa alguma quando abre o Céu àqueles que trabalham para chegar lá.
Os trabalhadores que foram contratados primeiro acharam que mereciam mais porque trabalharam mais.  Quando lemos esta parábola podemos observar uma atitude de superioridade nos primeiros trabalhadores.  Parece que eles aceitaram o trabalho a fim de que mereçam o céu; por isso eles acharam que mereciam mais do que os outros.
As Doutrinas Celestes nos dizem que aqueles que põem mérito nos atos de sua vida não têm a fé da caridade.  Por isso eles acham que são melhores do que os outros e, conseqüentemente, merecem mais.  Assim, por causa do amor próprio, eles se separam do próximo destruindo o que é celestial, isto é, o amor mútuo que dá estabilidade ao Céu.
Esta é a atitude daqueles que desejam ser primeiros mas se tornam últimos.  A pessoa que está na verdadeira caridade não se preocupa se ela é a primeira ou a última; ao contrário, ela está contente com sua sorte, e, ficará contente quando vir outras pessoas recebendo a recompensa do Senhor.  Pois "a caridade verdadeira e a fé verdadeira são isentas de todo mérito, pois o prazer da caridade é o bem mesmo, e o prazer da fé é a verdade mesma; é por isso que os que estão nesta caridade e nesta fé sabem o que é o bem não meritório, mas os que não estão na caridade e na fé não o sabem. (NJDC 153).
Para ajudar-nos a entender o que os trabalhos não meritórios são, pensemos nas coisas boas que fazemos em liberdade simplesmente porque queremos, isto é, nós vemos que são coisas boas e não queremos nada em retorno.  Por exemplo, quando damos presentes de Natal para fazer felizes aqueles que amamos.  Ou trabalhos de caridade.  Nós vemos o uso e amamos o que fazemos por causa deste uso.  Isto nos dá uma idéia do que é a vida no Céu.  Os anjos acreditam que todo mérito pertence ao Senhor porque de si mesmos eles não podem fazer bem algum, pois todo bem vem do Senhor, como nos dizem as Doutrinas Celestes: "Aqueles que acreditam pelo Senhor não atribuem nada da verdade e do bem a si mesmos, muito menos acreditam que merecem através da verdade e do bem consigo ... Há duas coisas que são removidas daqueles que entram no Céu, a saber, o proprium, a confiança derivada deste, e o mérito próprio ou justiça própria; e eles se revestem com um proprium celeste... e com o mérito e a justiça do Senhor; e à proporção que eles se revestem destes, à mesma proporção eles entram interiormente no Céu". (AC 4007)
Assim, a alegria de servir o Senhor e a outros é a recompensa para aqueles que estão na caridade verdadeira.  Aqueles que estão na caridade verdadeira sabem que só o Senhor pode merecer qualquer coisa, pois ninguém pode receber crédito por qualquer bem se ele põe mérito nesse bem.  Este conceito é expresso de uma maneira muito bonita na décima primeira hora quando o pai de família "encontrou outros que estavam ociosos, e perguntou-lhes: Por que estais ociosos todo o dia?  Disseram-lhe eles: Porque ninguém nos contratou.  Disse-lhes ele: Ide vós também para a vinha, e recebereis o que for justo."  Aqui podemos ver que estes trabalhadores estavam muito dispostos a trabalhar na vinha e confiaram na decisão justa daquele que os contratou.  Isto mostra uma confiança no Senhor e uma disposição para trabalhar para o Reino do Céu ou a Igreja do Senhor.
Embora os últimos trabalhadores tenham trabalhado menos, o motivo por trás de suas ações fez a diferença.  Eles não aceitaram o trabalho por causa de mérito, mas porque eles queriam ser úteis.  O amor ao uso foi o motivo de suas ações.  Por isso não havia a necessidade de um acordo entre estes trabalhadores e o pai de família.
Os anjos têm o mesmo tipo de atitude.  Pois aqueles que fazem o que é bom somente por causa de seus benefícios no mundo, não podem ser consociados com os anjos porque o fim deles é o mundo, isto é, riquezas e eminência, e não o Céu, isto é, a bem-aventurança e alegria das almas.  O fim é que determina as ações e dá as suas qualidades." (AC 8002:4).  Assim, as nossas intenções determinam a qualidade de nossas ações, e isto é algo que não podemos esconder do Senhor.  Logo notamos que quando os primeiros trabalhadores reclamaram, tinham em mente eles mesmos e não o próximo.  Embora achassem que mereciam mais, o Senhor viu além das aparências e os pagou justamente.
As Doutrinas Celestes nos dizem que no começo de sua vida, antes de sua regeneração, o homem pode somente pensar em recompensa; mas isto muda quando ele está sendo regenerado; aí então ele se indigna quando outros pensam que ele ajuda o próximo por causa de recompensa. Pois ele sente prazer e alegria em dividir seus bens com outros e não em recompensa. (AC 8002:8).  Este ensinamento pode nos parecer deprimente, mas devemos nos lembrar de que o Senhor é um Senhor mesericordioso e que nos conhece bem.  Ele conhece os nossos estados e está constantemente nos dando oportunidades para progredirmos na nossa regeneração se nós escolhermos cooperar com Ele.
"O Reino dos Céus é semelhante a um homem, pai de família, que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para sua vinha." (Mat. 20:1) O pai de família contratou trabalhadores na terceira, sexta, nona e décima primeira horas.  E todos os trabalhadores receberam pagamentos iguais.  O que será que estas horas significam?  Qual é a mensagem do Senhor?  Assim lemos nas Doutrinas Celestes: "Estas 'horas' significam, neste mundo, tempos, mas no céu elas significam estados da vida, já que no Céu não há horas, porque o tempo lá não pode ser medido e dividido em dias e estes em horas como neste mundo.  Conseqüentemente, em vez de tempo, os anjos percebem os estados de vida daqueles que morrem como pessoas idosas, pessoas de meia idade, jovens ou crianças, as quais adquiriram para si mesmas vida espiritual.  `Trabalhar na vinha' significa adquirir vida espiritual por meio dos conhecimentos da verdade e do bem tirados da Palavra e aplicados aos usos da vida". (AE 194)
Aqui podemos ver uma progressão de estado.  A princípio, nós, de fato, acrescentamos mérito às nossas ações.  Mas, como vimos na nossa lição, o Senhor ainda nos dá a oportunidade de trabalhar em Sua Vinha.  É claro que nossa tentativa não será perfeita.  Mas o Senhor não espera que sejamos perfeitos, e sim que façamos o esforço no caminho da perfeição.
O número 4145:2 dos Arcanos ilustra esta progressão claramente.  Ali se diz que toda pessoa que está sendo regenerada, a princípio, é iniciada no bem intermediário a fim de que este bem sirva como ponte para introduzir bens e verdades genuínos. Mas, depois que este bem já serviu para este uso, é separado e a pessoa é levada ao bem que influi mais diretamente.  Por exemplo: temos aqueles que foram contratados primeiro e que acreditavam, a princípio, que o bem que eles pensam e fazem vem deles.  No entanto, eles ainda não sabem que bem nenhum pode se originar neles, mas somente no Senhor.  A não ser que nós a princípio, como os primeiros trabalhadores, acreditemos nisto, isto é, que o bem vem de nós, nunca faremos qualquer bem.
O Senhor sabe o que está se passando.  Através deste processo somos iniciados não somente na afeição de fazer o que é bom, mas também nos conhecimentos sobre o bem e o mérito.  Depois que isto acontece, começamos a pensar e a acreditar de uma forma diferente, isto é, começamos a pensar que o bem vem do Senhor, e que nós não merecemos qualquer coisa por causa deste bem.  Finalmente, quando estamos na afeição de querer e fazer o que é bom, rejeitamos o mérito próprio completamente, e, na análise final, até temos aversão a este mérito.  Então nos tornamos como aqueles que foram contratados por último; somos afetados pelo bem proveniente do bem.  Neste estado o Senhor está conosco em Sua plenitude e força.
À proporção que vivemos uma vida de caridade o Senhor remove o mérito do trabalho que fazemos.  Assim o milagre acontece, isto é, depois de estarmos no mal do mérito como os primeiros trabalhadores, agora o Senhor pode nos conduzir aos estados de regeneração.  Depois de termos nascido em males de todo o tipo, tornamo-nos trabalhadores na Vinha do Senhor.  Então escutaremos o Senhor dizer: "Ide vós também para a vinha, e recebereis o que for justo... Pois muitos são chamados, mas poucos escolhidos."

Amém.


Lições: Mateus 20:1-16
AC 2027