Os Quatro Cavaleiros

Sermão pelo Rev.Hugo Lj.Odhner

“E saiu outro cavalo, vermelho; e ao que estava assentado sobre ele foi dado que tirasse a paz da terra, e que se matassem uns aos outros;
e foi-lhe dada uma grande espada”


(Apocalipse 6:4)

Em sua visão, o apóstolo João viu o Cordeiro, no meio do trono celeste, abrir os sete selos do Livro. Esta abertura dos selos era um prelúdio do grande julgamento. Quando o Cordeiro abriu o primeiro selo, João viu sair um cavalo branco; seu cavaleiro tinha um arco; foi-lhe dada uma coroa e ele saiu para conquistar. Quando foi aberto o segundo selo, viu-se um cavalo vermelho que saiu para roubar a paz da terra. Abriu-se outro selo e apareceu um cavalo preto, e seu cavaleiro tinha uma balança na mão. Finalmente, tendo sido aberto o último selo, viu-se um cavalo pálido (ou amarelo) cujo cavaleiro era a Morte, e os infernos o seguiam; e foi-lhe dado poder sobre a quarta parte da terra, para matar com espada, e com fome, e com peste, e com as feras da terra.
Entendido literalmente, o texto do Apocalipse fala de uma guerra; uma guerra em que a cobiça insaciável do amor de dominar leva a destruição à terra e impõe um governo de terror. Essa catástrofe, para muitas pessoas, figura a destruição final que deverá supostamente acontecer no fim do mundo, um tempo de morte e angústia, como se acredita.
Mas o Apocalipse não faz profecia sobre eventos terrenos, nem sobre guerras políticas e humanas, ainda que as guerras no mundo sejam resultado do estado espiritual da humanidade, isto é, conseqüência da maldade humana e dos males da ambição do indivíduo. O assunto do Apocalipse é o julgamento Divino dos estados humanos. O cenário desse julgamento é o mundo espiritual, onde se reúnem todos os espíritos após a morte. Lá não existem as barreiras do espaço. E ainda que, do ponto de vista histórico, o auge desse julgamento tenha ocorrido durante o ano de 1757, as mesmas leis do juízo estão ainda sendo aplicadas ao espírito de cada pessoa, tanto antes como depois da morte.
As visões de João - nas quais os bons são perseguidos e protegidos, enquanto os maus a princípio triunfam e são finalmente vencidos - expõem em sua nudez todas as faces dos estados humanos quando são passados em revista diante do trono do juízo. Por todo o livro do Apocalipse, o leitor tem sempre ciência desse trono, com sua presença poderosa por trás de todos os eventos ali narrados. E para que o leitor não venha ter de Deus a idéia de um tirano, que arbitrariamente salva alguns e condena outros ao seu bel-prazer, mostra-se repetidamente que o julgamento foi feito mediante uma Lei, a Lei Divina. Essa Lei foi mostrada a João na forma de um livro, um registro inalterável da Lei Divina, que é a mesma para todas as eras.
Era um livro escrito por dentro e por fora, mas que a princípio estava selado. Como a Palavra de Deus, continha as normas da Sabedoria Divina. Ninguém podia lê-la até que o Cordeiro, que estava do meio do trono, abriu os seus selos. Pois o Senhor, e Ele só, “conhece os estados da vida de todos nos céus e nas terras, em cada particular e em cada geral”(AR 256).
A onisciência é um atributo da Ordem Divina que está inscrita na Palavra na terra e nos céus. Por isso a Palavra se chama o “Livro da Vida” do Cordeiro. Em seu sentido interno, agora revelado, se descrevem todos os modos possíveis de salvação, todas as maneiras possíveis de entrar na Ordem Divina que faz o céu. Abrir os selos do Livro significa, por conseguinte, examinar os estados da vida de todos os homens e espíritos, em relação ao seu entendimento da Palavra e, daí, em relação aos estados de suas vidas.
Os homens são inclinados a fazerem julgamento pelas aparências - pelos efeitos mais do que pelas causas. Quase ninguém sabe que a qualidade interior de todos os seus estados e atitudes depende do relacionamento que se tem com a palavra. Mas todo mundo pode ver que todo sucesso ou toda felicidade duradoura depende de se viver de acordo com as leis que regem o universo. Toda ambição que é contra o bem comum da sociedade ou os fins da providência Divina, sempre e inevitavelmente conduz à frustração e à infelicidade.
O mundo conhece bastante a respeito das leis físicas da natureza, mas tem somente uma vaga idéia das leis espirituais, as leis da caridade e da fé, as leis do governo Divino que contêm o segredo da felicidade espiritual e os arcanos da alma.
Essas leis podem ser aprendidas pela Revelação Divina, revelação essa que é como se desconhecida mesmo nas terras cristãs onde se lêem o Antigo e o Novo Testamentos. Aí o livro continua selado, selado pela interpretação errônea de faldas doutrinas, selado pelas ambições, selado pelo orgulho da própria erudição e selado porque é se teimam em compreendê-lo numa luz meramente natural.
Mas no Segundo Advento o Senhor revelou de novo as leis espirituais do juízo. Os Escritos esclarecem o modo como o Senhor governa o homem através do mundo espiritual; como o céu pode ser conjungido com a raça humana por meio da Palavra, através da Igreja onde a palavra está.
O juízo ou julgamento é, na realidade, ordenar as sociedades no mundo espiritual. É uma obra Divina que sucede quando a luz do céu é lançada sobre os estados dos espíritos para que eles sejam vistos tais como realmente são.
Essa parte do julgamento se chama “exame”. Não pode ser efetuado pela prudência nem pela pesquisa humanas, tampouco pelo auto-conhecimento, mas somente pela luz do céu lançada pela Palavra. Por isso lemos: “A luz em que os anjos estão os anjos que procedem deste terra procede do Senhor por meio da Palavra. Daí, como de um centro, a luz se difunde na circunferência em toda direção. Assim, aos ... gentios que estão fora da igreja” (AE 351).
É por essa difusão da luz celeste que a verdade pode ser vista, que os julgamentos podem ser efetuados mesmo na terra; porque a luz mental pelo qual os homens têm entendimento procede das sociedades de espíritos com os quais os homens estão associados.
Cada membro da Igreja deve pois compreender que  todos os seus estados - todas as suas afeições, esforços, esperanças e temores - serão um dia julgados de acordo com o entendimento que ele tem da Palavra, ou de acordo com sua vontade de ou aceitar ou perverter as verdades da palavra. Isto é o que está envolvido na visão do cavalo branco e seu cavaleiro.
O cavalo é um antigo símbolo da inteligência; e como este é branco, simboliza o entendimento da verdade. O cavalo branco do Apocalipse tipifica, portanto, um entendimento correto e claro da verdade e do bem ensinados da palavra. Seu cavaleiro tinha um arco porque o arco significa a doutrina da caridade e da fé com que se defende e se combate o mal. Foi-lhe dado uma coroa e ele saiu para conquistar, porque é pelo verdadeiro entendimento da verdade que se alcança vitória nas tentações.
Mas nós lemos que, quando o segundo selo foi aberto, saiu um cavalo vermelho e ao seu cavaleiro foi dado tirar a paz da terra. O caso é que, quando a luz do céu brilha a partir da Palavra aberta, todos os estados do entendimento humano são expostos num contraste marcante. O cavalo vermelho descreve que os estados em que algumas paixões egoísticas têm distorcido nosso entendimento, de sorte que a Palavra não é mais vista quanto ao bem que ela ensina. Esta é a origem, com cada indivíduo, daqueles estados de tribulação em que não se pode perceber o bem da igreja; a mente é levada a um conflito em que as verdades começam a perecer, uma a uma, diante da espada de alguma falsidade confirmada.
Mas o cavalo preto exerce um efeito ainda mais devastador nas mentes dos indivíduos, porque representa a ignorância deliberada em relação à Palavra e o desprezo pela instrução espiritual. Nessa condição está o indivíduo que mede e pesa a Palavra de Deus com os parâmetros das opiniões humanas e temporais. Como o cavaleiro do cavalo preto, a mente desse indivíduo porta uma balança e com ela ele vai pesando as verdades da Palavra. Comparando-as com os princípios da cegueira humana; um estado típico de indiferença espiritual que dá um valor irrisório às riquezas espirituais da Verdade Divina, desprezo pelo que é realmente bom e verdadeiro, como o cavaleiro clamava: Uma medida de trigo por um centavo, e três medidas de cevada por um centavo”. Mas, na Providência do Senhor, essa atitude de desprezo também acarreta a cegueira para com a santidade interior da Palavra. É como se o querubim que guarda as riquezas encerradas no sentido espiritual e celeste da Palavra clamasse: “Não danifiques o azeite e o vinho”.
Na realidade, é melhor que as verdades internas da Palavra sejam desconhecidas e ignoradas, ou até que sejam logo negadas e rejeitadas como coisas vulgares do que profanadas. Sim, é melhor que venha o cavalo pálido, cujo cavaleiro é a Morte e acompanhado dos infernos. Porque a morte espiritual vem quando se fecha por inteiro a mente para se não entender a Palavra. E como é que o entendimento é assim fechado? Só por uma coisa: pelos males. Quando os males são aceitos sem resistência; quando se pensa neles sem freio e sem pudor; quando são feitos conscientemente. Os males assim permitidos fecham cada vez os interiores da mente para o céu. É quando o mal não é mais evitado como pecado contra Deus. O mal é que destrói a percepção do bem e da verdade. Quando esses estados se tornam comuns, os bens da vida espiritual perecem pela falsidade da doutrina, pelos males da vida, pelos amores do proprium e pelas cobiças da carne. E é  como João escreveu: um quarto da terra foi morto com a espada, a fome, a peste e as feras da terra.
Um membro da Nova Igreja não pode se contentar somente em conhecer as verdades das Doutrinas Celestes - em que seu entendimento seja como o cavalo branco, preparado para as vitórias espirituais. Na realidade, os estados redimidos em nossa mente são poucos no começo, tão poucos que podem ser facilmente subjugados pelas esferas devastadores dos outros três cavaleiros.
É verdade que, se o cavalo branco e seu cavaleiro acharam lugar na mente de um homem, e ele estabeleceu em sua mente, como por si mesmo, um plano de princípios ou conduta a que chamamos consciência, então esse homem está interiormente em condições de ser vitorioso sobre os infernos. Porque então existe uma conjunção de bem e verdade dentro dele e, nessa conjunção, a presença protetora do Senhor. A ele o Senhor diz: “Paz vos deixo. Minha paz vos dou. Não como o mundo a dá, eu vo-la dou. ... No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; Eu venci o mundo” (João 14:27,16,33).
Um ataque que vem de fora perturba menos do que um parece vir de dentro. O fato de aqueles três últimos cavaleiros do Apocalipse estarem cavalgando pelo mundo civilizado à nossa volta é menos aterrorizante do que senti-los presentes em nossos pensamentos, figurando uma parte de nosso próprio caráter. Este é o poder fatal dos infernos, operando por dentro e fazendo o homem cair por suas próprias fraquezas. O homem de fé não pode se sentir conquistador e vitorioso enquanto aqueles três medonhos cavaleiros estiverem ameaçando por dentro a segurança espiritual.
Mas quando o homem se examina, buscando fazer seu próprio julgamento, para remover os estados infernais e ordenar os estados celestes em sua mente, um outro selo do livro está sendo aberto no livro do juízo; e ele pode ver os estados que são ainda capazes de serem regenerados e salvos dentro dele, assim como João viu as almas dos mártires debaixo do altar, clamando: “Até quando, Senhor?”
Quando a infestação completa seu curso de perturbação, e a pessoa se mantém fiel, suportando a luta por causa de sua convicção acerca da Lei Divina, então o juízo ocorre no mundo mental do indivíduo. A ordem antiga passa. Os poderes infernais que perturbaram a alma são finalmente demovidos de seus altos lugares, fugindo da presença do Cordeiro na vida da pessoa.
Este, então, é o ensinamento do Apocalipse, a lição dos quatro cavaleiros: o estado definitivo dos homens e espíritos tem origem ou na recepção das verdades da Palavra ou na deliberada rejeição às leis de misericórdia que a Palavra oferece. Todos os estados amadurecerão até o juízo, sejam receptivos ou resistentes à ordem revelada da vida espiritual que provê a liberdade e a iluminação nas quais Deus pode habitar com os homens.

Amém.

Daniel 7:1-16; Apocalipse 6. AE 369 [AR 305].