Obediência

Sermão pelo Rev. W. Cairns Henderson

"Fala, porque o Teu servo ouve"


 (I Sam.3:10).

As primeiras palavras registradas de Samuel ao Senhor simbolizam o que viria a ser toda a sua vida, pois ele personificava a virtude da obediência. Desde aquele momento em que ele, menino, assim respondeu ao Senhor, bem como a sua relutância em constituir um rei para Israel, até ao tempo em que repreendeu a Saul nestes termos: "O obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender melhor do que a gordura de carneiros" (15:22), Samuel sempre sujeitou seus sentimentos pessoas, suas inclinações e seus desejos à vontade revelada do Senhor.
Este fato é muito significativo espiritualmente. Samuel, dedicado ao Senhor desde a infância para o ofício sacerdotal, faz a divisão, na história de Israel, entre o período dos juízes e o período dos reis; ele é o intermediário e o herdeiro da lei, instrumento através do qual a monarquia foi instituída naquela nação.
Aqui podemos ver a série trina da lei, da obediência e da organização. Primeiro a lei é dada em forma da revelação da Divina verdade; depois ela é recebida pelo homem e obedecida; e então o reino do Senhor, uma organização de governo e usos divinos, é estabelecido na mente. E neste processo, que é universal, a obediência é meio através do qual se inicia a organização. Este é o caso em relação a Igreja em geral e dentro de cada um.
Os Escritos falam muito a respeito da obediência e definem seus limites. A obediência em si, eles dizem, não regenera. Aqueles que fazem o bem só porque assim foi prescrito pelo Senhor não estão ainda num estado de regeneração, embora possam ser reformados e possam vir a ser regenerados na outra vida, contanto que não atribuam a si nenhum mérito pelo bem que tiverem feito. Cumprir os mandamentos por obediência é a vida da fé; a vida da caridade é cumprir os preceitos do Senhor por afeição.
A obediência pertence à vontade, naturalmente, mas vontade de praticar a verdade do mandamento, e isto envolve uma certa afeição. No entanto, é uma afeição natural, não espiritual, porque provém do homem natural é relativamente fria. Além disso, o estado de obediência apenas é um estado de servidão. Os que estão nessa obediência são como servos, porque não agem ainda de coração, e por isso não são realmente livres, uma vez que toda liberdade vem da vontade.
Por isso é que lemos que, aqueles que adoram ao Senhor e fazem o bem apenas por obediência pertencem à igreja externa. Eles, de fato, pertencem à Igreja e podem estar no estado da reforma, mas não são ainda da igreja interna enquanto não receberem uma afeição espiritual.
Aqueles que ficam sempre nesse estado de mera obediência são aperfeiçoados nessa obediência na outra vida, mas nunca poderão entrar num estado de bem real. De acordo com a afeição que têm, estão, por assim dizer, apenas no limiar dos céus, ou seja, o céu espiritual-natural, ou o primeiro céu. Os que ali estão acham-se num semelhante bem, de agirem pelo entendimento e não pela vontade regenerada.
Sendo assim, a obediência não pode ser considerada como um fim em si mesmo. Ela deve ser o meio, deve ser o primeiro estado, sem o qual não pode haver regeneração. Quando refletimos que o primeiro céu é a base sobre a qual os outros repousam, concluímos que a obediência da fé é a base de todas as virtudes espirituais e celestes. Se não aprendemos a obedecer, não podemos ser salvos.
O que é, então, a obediência, segundo os Escritos? É o estado no qual a pessoa se submete aos mandamentos Divinos mesmo quando ainda não os ama. Um estado em que a pessoa se compele a fazer o que deve ser feito, de acordo com a verdade da fé, ainda que ela não sinta nenhum amor ou nenhum prazer no que está fazendo; ainda que tenha pouca afeição pelo próximo, compele-se a fazer o que é realmente bom ao próximo. Esse estado é considerado um estado natural. Mas como a regeneração é o processo no qual o homem, de natural, torna-se espiritual, ele só pode começar assim, do começo, desse estado natural. O Senhor lhe dará o poder para obedecer, sem o que, a regeneração seria impossível.
Portanto, o estado da obediência deve vir primeiro. Antes que o membro da igreja receba uma vontade nova do Senhor, ele deve fazer a verdade de seu entendimento, obedecendo o que a verdade lhe ordena, pois o entendimento é o único caminho para o amor. No começo, a pessoa não tem nenhuma afeição espiritual genuína, e só pode agir pelo natural. E visto que o amor de si e do mundo só pode ser removido pelas verdades, ele só pode praticar as verdades pela obediência e não por algum amor, que ele realmente não o tem. Uma vez, porém, que ele combate os males e gradualmente os vence, seu prazer vai sendo mudado; o que era amor e prazer do mal vai-se tornando desprazer, até se tornar aversão; ao mesmo tempo, o Senhor implanta prazer e afeição pelo bem, gradualmente, até implantar o amor. Então, e só então, é que o homem faz o bem pelo amor, pois está no estado regenerado.
Regeneração é uma progressão dos externos para os internos, das verdades da fé para os bens da caridade. Para que as verdades da fé, nas quais a pessoa se inicia, recebam a vida espiritual, elas devem entrar na vontade, assim como a semente precisa ser plantada no seio da terra para gerar a planta. A verdade não é viva enquanto permanece no entendimento.
A obediência às coisas da fé é, pois, a primeira coisa da regeneração. Seu propósito é reformar o entendimento humano e prepará-lo para o segundo estado, que é a regeneração mesma. Os deleites e as afeições espirituais só vêm mais tarde, e a obediência é a única maneira pela qual eles se tornam reais. A obediência da fé é o exercício da auto-disciplina. Se a pessoa persiste nesse exercício, seu entendimento é aberto pelo Senhor e assim se faz capaz de receber novas verdades, e a pessoa entra numa condição em que não se diz mais que ela obedece, mas sim que ela concorda com os mandamentos e ama fazê-los na vida.
Os Escritos ensinam que o bem da obediência no primeiro céu é a base para os céus mais altos, como se disse, da mesma forma que a obediência às leis civis e morais é a base para a obediência à lei Divina na mente e na vida da pessoa. O civil e o moral são bases e receptáculos para o espiritual. Quando a pessoa aprende as leis civis e vive de acordo com elas, sua mente racional é aberta quanto ao primeiro grau. Quando aprende as leis morais e assim vive, a mente se abre quanto ao segundo grau. E, semelhantemente, quando aprende as leis espirituais e as obedece, sua mente se abre quanto ao terceiro grau. Embora a obediência civil e a integridade moral não façam, por si sós, com que o homem seja espiritual, elas sejam requisitos para que o homem se torne espiritual, pois são planos e bases, como também receptáculos, para a vida espiritual. Por essas razões, a Nova Igreja dá importância às leis civis e morais por razões que estão muito além da paz e da ordem ou da prosperidade do país.
Já que a reverência à lei Divina tem seu fundamento no respeito à lei moral e civil, a Igreja se preocupa com a atitude da sociedade em relação à observância da lei. Para grande parte dos cidadãos, a desobediência às leis civis é uma coisa aceitável; as pessoas põem seus próprios conceitos e juízos acima da lei. No plano moral, costuma-se condenar os esforços pela moralidade com a desculpa da liberdade. Para muitos, o que importa é a satisfação de seus prazeres e amores em qualquer situação, acima dos padrões de moralidade. Essas atitudes devem-nos causar preocupação, não somente pelo dano que causam à sociedade civil, mas também porque são prejudiciais às bases da obediência espiritual. Nossa preocupação deve ser com bem espiritual; não podemos deixar de lado as questões sociais, mas sempre devemos tem em vista as conseqüências espirituais de nossos atos.
A obediência civil e moral são os planos da vida espiritual, como foi dito. Por isso, a obediência deve ser ensinada e seguida antes que haja afeição espiritual genuína e para que essa afeição seja recebida. Por isso é que os membros da igreja devem zelar pela obediência civil e moral, porque, nesses tempos tão difíceis para a fé, é possível que, para muitos homens e mulheres de hoje, a obediência civil e a vida moral, além de uma fé simples em deus, consistem no único plano que eles têm de acesso para o Senhor.
Sem dúvida, pouca coisa podemos fazer em nossa comunidade em prol dessa obediência; mas, através de nossas palavras e atos, e também através de uma influência positiva, devemos apoiar a ordem e ser contra a desordem. Entretanto, em nossas próprias vidas, em nossas casas, escolas e igrejas, podemos fazer muito. Podemos ensinar às crianças e jovens o respeito às leis, e isto tanto por palavras quanto pelo exemplo. Eles devem saber que a obediência e a disciplina são os meios de todos os prazeres sãos e genuínos, pois a ordem, as responsabilidades e as obrigações que elas trazem são as bases de toda liberdade verdadeira. Eles devem aprender, por idéias construtivas, a real função da lei, para que a vejam não como regras restritivas e punitivas, mas como proteções para o bem da humanidade. Assim eles serão preparados e estarão mais bem dispostos para a receber a lei Divina quando chegarem à idade adulta.
Mas a coisa principal que devemos fazer é nossa própria obediência à lei Divina que o Senhor nos revelou em sua Palavra. Só a lei Divina pode estabelecer o reino do Senhor em nossas mentes, pode organizá-las sob Seu governo e para seus usos definidos.
O Senhor, na Palavra, está sempre nos fazendo um chamado, apelando a um estado de inocência que Ele implantou em nossos íntimos e que Ele mesmo reservou para Seu serviço. Pode ser que realmente ouçamos, pela primeira vez, o chamado do Senhor na Palavra quando aprendermos a responder, de coração, as palavras do menino Samuel: "Fala, porque o Teu servo ouve".

Amém.


Lições: I Samuel 3; Dout. Caridade 210:2