O Vale da Sombra

Sermão pelo Rev.Karl.R.Alden

"Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum,
porque Tu estás comigo; Tua vara e Teu cajado me consolam"


(Salmo, 23:4).

A vida tem seus altos e baixos. Não podemos estar sempre no alto das montanhas. Algumas vezes sentimo-nos tão seguros e confiantes que é como se andássemos em lugares elevados e tranqüilos, por cima de todos os problemas, com a terra aos nossos pés. Mas outras vezes, sentindo o peso das lutas e dificuldades, caímos, e é como se andássemos pelo "vale da sombra da morte". A vida tem esse contraste, como a sístole e a diástole do coração, o alto e o baixo das marés, o dia e a noite, o verão e o inverno, a atividade e o repouso. É como um rio cujas águas ora passam por corredeiras revoltas, ora se espalham com uma face tranqüila.
Este Salmo de Davi nos fala dessas alternações e nos assegura de que Senhor nos guia a águas tranqüilas, mas, quando tivermos de passar também passar pelo vale da sombra da morte, Ele estará conosco. "O Senhor é o meu pastor, nada me faltará; deitar-me faz em verdes pastos". Esta parte do Salmo fala do Senhor na terceira pessoa - Ele. Usamos falar na terceira pessoa quando a pessoa a que nos referimos está distante. Assim é no Salmo. No tempo dos "verdes pastos" e das "águas tranqüilas" o salmista fala: Ele. É suficiente saber que Ele o guiará e o fará deitar em repouso.
Quando porém chega o momento de atravessar a escuridão, quando a jornada da vida passa por lugares baixos, vales escuros, desejamos que nosso Salvador Jesus Cristo esteja bem perto. E assim é que, quando o salmista fala do vale da sombra da morte, deixa de se referir ao Senhor na terceira pessoa e emprega agora a segunda pessoa "Tu", "tu estás comigo", mais íntimo, mais perto. "Tua vara e Teu cajado me consolam". Os Escritos nos ensinam que "Orar é falar com Deus". E se falamos com Ele quando nossa alma está em tribulação, Ele está perto para ouvir a nossa voz.
O homem é um ser espiritual; o homem real é a alma, que está no íntimo. É a alma ou espírito que dirige o corpo, que sofre a fadiga da tentação; e é a alma ou espírito, mais do que o corpo, que necessita de descanso.
Mas, o que é o vale da sombra da morte? Podemos saber a resposta pelo oposto, o topo da montanha. O topo da montanha representa a inspiração mais elevada, a mente elevada à visão mais clara de Deus. Foi no alto da montanha que o Senhor Se transfigurou diante dos discípulos. No alto do Monte Sinai Moisés recebeu os Dez Mandamentos. No alto do Monte Tabor o Senhor proferiu o "Sermão da Montanha". Como as montanhas representam, no bom sentido, verdades profundas e puras, por isso lemos em outro Salmo: "Elevo os meus olhos para os montes, de onde me vem o socorro. Meu socorro vem do Senhor que fez o céu e a terra" (121:1).
Mas as montanhas também têm um significado negativo: podem ser o orgulho que exalta o homem, a seus próprios olhos, a uma posição acima de seu próximo. Foi no alto da montanha que Satan ofereceu a Jesus todos os reinos do mundo, se Ele o adorasse. Encontramos os dois sentidos de uma montanha num mesmo versículo das Escrituras quando Golias, o gigante filisteu, desafiava a Israel: os filisteus ficavam numa montanha, de um lado, e Israel em outra montanha, de outro lado, "e havia um vale entre eles" (I Sam.17:3).
Sem vales não haveria montanhas, e sem as montanhas não haveria vales. Uns dependem dos outros. E isto nos leva a considerar que também os vales têm um bom e um mau sentido.
Notemos que as regiões mais férteis do mundo geralmente ficam nos vales. As montanhas altas são, em geral, estéreis. Mas temos também de notar que tudo aquilo que faz o vale ser fértil desce da montanha. As fontes refrescantes deixam suas águas fluir das montanhas para regar os vales. O terreno aluvial que desce das encostas deposita-se na terra para formar o humo que dá a fertilidade do vale.
Espiritualmente falando, o vale é a mente natural, ricamente provida de ideais que descem dos sentidos espiritual e celeste da Palavra. É aí a terra em que as altas ambições devem se desenvolver, porque, se as verdades mais elevadas não estiverem enraizadas no solo de nossa mente natural, então nossa fé será, na melhor das hipóteses, uma fé isolada, pois os Escritos declaram que "toda religião pertence à vida, e a vida da religião é fazer o bem". Assim, as sementes inspiradas pelos nossos ideais mais elevados crescem em nossa mente natural e constroem um caráter de virtude e nobreza.
Mas suponhamos que essa montanha para a qual elevamos os olhos seja a montanha do amor de si. Suponhamos que em seu topo haja altares da idolatria de nossa própria personalidade. Então, as fontes que descerem de uma tal montanha serão águas poluídas, correntes de raciocínios errôneos, falsos ideais, mentiras e enganos, torrentes de desculpas e indulgência para com o mal; tudo isso será a base em que pode nascer males que destroem o coração humano. Não será um vale frutífero, mas o próprio "vale da sombra da morte".
Golias, que representava o supremo amor de si e o esforço de triunfar pela fé só, ficava no alto de uma montanha, representando a exaltação de tudo o que é mal. Do outro lado estava David, na montanha que representava os ideais da verdadeira religião. David era destemido porque, pelo poder do Senhor, ele já tinha vencido um leão e uma ursa; e estava convicto de que aquele filisteu acabaria como um daqueles animais, uma vez que ousava desafiar os exércitos do Deus vivo.
Mas havia o vale entre eles. E aquele vale recebia em seu solo tanto do que vinha da montanha de Golias quanto o que vinha da montanha de Davi, duas correntes distintas. Para enfrentar Golias, Davi teve de atravessar o vale. Naquele momento, ele estava realmente andando pelo "vale da sombra da morte". Notemos bem o que ele fez: ao chegar a um riacho no fundo do vale, ele escolheu cinco pequenas pedras, o símbolo da Divina Verdade. Eram seixos, pedras arredondadas por terem rolado anos e anos nas águas do riacho. Eram como essas verdades que temos em nossa mente e nas quais pensamos com freqüência e as examinamos sempre de um lado e de outro até que as compreendemos muito bem. Quando a verdade chega a esse ponto, de ser familiar ao nosso entendimento e à nossa fé, elas são poderosas para vencer os mais terríveis inimigos - o pecado e a morte.
A leitura usual do Salmo 23 pode nos dar a idéia de que o "vale da sombra da morte" se refere àquelas trágicas ocasiões em nossa vida quando temos de nos despedir de um ente querido. Todavia, um estudo mais profundo nos mostrará que a Palavra de Deus não se refere à morte natural como um evento trágico ou triste. A morte é o meio que Deus escolheu para nos introduzir em nossa morada definitiva. A única coisa que temos de deixar para trás é esse grosseiro corpo material que nos serve de vestimenta do espírito enquanto estivermos aqui. Pela morte somos libertos de toda dor, de toda doença e de todo sofrimento. Passamos a desfrutar de uma liberdade que antes existia apenas em nossa mente. Podemos num momento estar presente com todos aqueles a quem amamos. Podemos compartilhar da sabedoria de milhares de anjos à nossa volta. Podemos gozar de uma visão mental sete vezes mais brilhante do que a luz mais clara deste mundo. O fim do corpo, na verdade, nada mais é do que início de uma vida mais plena e mais real.
Não. A "morte" de que fala este Salmo é a chamada "segunda morte", a morte do pecado, e é dessa morte que as Escrituras falam com freqüência. Só para que tenhamos certeza disto, notemos que, ao avisar a Adão no jardim do Éden, Deus lhe disse: "No dia em que comeres (do fruto), certamente morrerás". Mas Adão comeu, e não morreu; ou antes, não morreu quanto ao corpo, mas morreu espiritualmente pelo pecado.
Notemos também que o Salmo não diz: "vale da morte", mas "vale da sombra da morte". É certo que o vale representa uma região em nossa mente que, de um lado, recebe os ideais de vida, e de outro lado, todo estímulo para o mal. Então, essa parte de nossa mente, esse vale, é a consciência ou o racional, nosso campo de batalha na regeneração.
Mas o que é, então, a sombra? Sombras são lançadas por objetos opacos que se colocam na frente da luz. Sabemos que o homem, por ser essencialmente espiritual, caminha numa região espiritual onde o mal age com obstinação para o destruir. O mal luta para se colocar sempre entre o homem e o "Sol da justiça", e se ele consegue isso, então lançará a sua "sombra da morte" no caminho por que o homem deve seguir. É contra essa sombra que precisamos nos acautelar, pois ela tira de nossa vista a pessoa de Deus, alvo de nossa devoção.
E então o Salmo diz: "Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque Tu estás comigo; Tua vara e Teu cajado me consolam". Ainda que os maus espíritos tenham relativo sucesso em lançar a sombra da morte sobre o caminho que devemos percorrer, ainda que as tentações da vida tirem, por um momento, nossa visão e nosso rumo, que deve ser sempre para frente, mesmo em meio à treva, ainda assim não precisamos ter receio. Por que? Porque "tua vara e teu cajado me consolam?"
O que são a "vara" e o "cajado"? As Doutrinas nos revelam que são a verdade Divina espiritual e a verdade Divina natural. Ou, em outras palavras, são o sentido espiritual e o sentido natural da Palavra.
Esses dois sentidos, então, nos consolam. A beleza da Palavra é que ela está sempre diante de nós. Nossa completa liberdade faz com que seja sempre possível recebermos instrução da Palavra. Suponhamos que as dúvidas assaltem nossa fé, por exemplo, a respeito do nascimento virgem do Senhor. Podemos ir à letra da Palavra e ali iremos encontrar a história de Maria e do que o anjo lhe disse. Podemos ler as palavras que o mesmo anjo disse a José: "Não temas receber Maria por tua esposa, pois o que nela foi gerado é do Espírito Santo". E podemos depois ir ao capítulo de VERDADEIRA RELIGIÃO CRISTÃ que trata da Trindade e lá, numa luz mais clara, veremos que há um só Deus em uma só Pessoa, o Senhor Jesus Cristo: "Eu e o Meu Pai somos um", "Aquele que vê a Mim vê o Pai".
Ou então, se somos atormentados por problemas no casamento, lembremo-nos de que a Palavra do Senhor é para nos orientar e nos confortar; e na obra AMOR CONJUGAL, encontraremos instrução clara para todos os estados possíveis no casamento. Ou talvez estejamos confusos, frustrados ou amedrontados pelas dificuldades da vida, ou ansiosos quanto à vida espiritual. Lembremo-nos, sempre de recorrer com confiança à letra da Palavra e às doutrinas, porque "Tua vara e Teu cajado" nos consolam.
Assim é a nossa vida: subindo montanhas e descendo vales. Mas o Senhor está conosco em qualquer situação, como estava diante do povo de Israel no deserto, de dia em forma de um pilar de nuvem, e de noite em forma de uma coluna de fogo. Do Monte Sinai, em meio a raios e trovões, Ele proferiu os Mandamentos, e são esses mesmos preceitos que, no vale, se tornam nossa vale e nosso cajado.
Portanto, façamos de Sua Palavra nosso apoio e nosso sustento. Procuremos viver de tal maneira que a vida espiritual esteja sempre em primeiro plano. Assim, podemos ter confiança de que Ele nos guiará com mão firme, e nos fará passar em segurança pelo "vale da sombra da morte".

Amém.


Lições: Salmo 23; D.Vida 86.
Adaptado por C.R.Nobre