O Problema do Sofrimento

 

Um sermão pelo Rev.W.Cairns Henderson

"Nem ele pecou nem seus pais;
mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus"


João 9:3

No pensamento judaico, a doença era o efeito e o castigo do pecado. Com efeito, todo desastre, toda aflição e toda enfermidade eram um resultado direto de alguma transgressão, e o sofrimento conseqüente daí era causado pela mão vingadora de Deus. O caso do homem que nascera cego era pois um problema para os discípulos. Aquela deficiência seria a conseqüência de um pecado que certamente devia existir. A única questão era: de quem seria o pecado -dele ou de seus pais. Teria ele -como alguns achavam- cometido pecado ainda no ventre? Ou, sendo incapaz de pecar antes de nascer, estaria ele pagando a pena pela iniqüidade de seus pais? as a resposta do Senhor veio lhes tirar a mente da acusação de culpa e voltá-las para a contemplação de Sua Divina Providência: "Nem ele pecou nem seus pai; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus".
Logicamente, o Senhor não queria com isso dizer que o homem ou os pais não tivessem pecados. Também não negou que existe uma relação entre o sofrimento e o pecado. Os discípulos queriam relacionar a deformidade do homem com uma transgressão determinada, mas o Senhor mostrou que tal ralação simplesmente não existia.
A cegueira daquele homem tinha uma outra causa. E o seu sofrimento tinha sido permitido para que a misericórdia e o poder Divinos se manifestassem em sua cura, para que, através desse milagre, muitos que acreditavam no Senhor, naquela época e depois, pudessem reconhecê-Lo e adorá-Lo. Era este o único e verdadeiro propósito da cegueira daquele mendigo; para isto a Divina Providência tinha um objetivo.
Mas, essa teoria da doença como um castigo continuaria a existir no pensamento cristão até bem depois da Idade Média. Até hoje, mesmo quando as doenças individuais não são consideradas tanto como resultados de transgressões pessoais, os desastres e as calamidades são tidos como castigos Divinos infligidos sobre comunidades inteiras.
Mesmo o homem moderno ainda não deixou esta idéia de castigo. Quando alguma doença ou algum mal físico o atinge ou atinge aos seus entes queridos, há sempre alguém que se queixa, dizendo: "O que eu fiz de errado para merecer esse castigo?" E a tendência é que a pessoa passe a procurar a culpa direta em si mesma ou algum bode-expiatório em quem lançá-la.
E mesmo quando a doença física não é tão associada com o pecado e o castigo, a idéia ainda prevalece com relação à doença mental. Pois há alguns que supõem que a doença mental ocorre porque na vida do indivíduo afetado deve ter existido alguma desordem espiritual pela qual ele foi pessoalmente responsável, seja por ação ou por omissão. Todavia, as palavras do Senhor aos discípulos ainda se fazem ouvir, esclarecidas agora pela verdade interior dos Escritos.
Existe uma relação de causa e efeito. A doença e o sofrimento são os resultados do pecado. Aprendemos nas Doutrinas Celestes que toda causa real está no mundo espiritual, e que o mal é a causa real da doença. Se o homem não tivesse originado o mal, não existiria a doença física nem mental, tampouco e o sofrimento e a morte que ela traz. (...)
Entretanto, não podemos daí dizer que nossa doença seja um sinal de que há aquele mal específico em nós mesmos. Bem como não podemos tirar conclusões quanto aos estados dos outros a partir das correspondências das doenças físicas e mentais que possam ter. Se um determinado tipo de maldade deixasse de ser cometido na terra, é possível que a doença correspondente a essa maldade também desaparecesse. No entanto, isto não quer dizer que aqueles que sofrem tal doença estão  naquela maldade correspondente, nem que males específicos de que a pessoa se apropriou sejam as causas de suas doenças. Não podemos estabelecer ligações entre um pecado pessoal e a causa imediata do sofrimento do indivíduo, porque nem todo sofrimento é efeito de transgressão.
As doenças são os efeitos últimos, são os sinais, da fraqueza geral e da corrupção da raça humana como um todo. Gerações incontáveis de mal hereditário resultaram, no plano último que é a natureza, numa multiplicação de bactérias, vírus e outras pestes; resultaram em modos de vida que tornam a pessoa hoje peculiarmente suscetível de desordens corporais; resultaram em esforços e tensões que sujeitam o indivíduo a indisposições mentais. Assim, vê-se que as doenças existem entre os homens a partir de causas secundárias -que estão na natureza, e isto não tem referência aos seus estados espirituais. Embora exista um elo entre os males da humanidade e os sofrimentos da humanidade, esse melo não pode ser determinado por nós em exemplos específicos.
Se o mal não tivesse entrado no mundo, e se o homem não tivesse herdado e acumulado os seus efeitos, não haveria sofrimento algum. as há sofrimentos que não são causados por males individuais. Há outras causas possíveis; e se a pessoa se habitua a fazer uma interpretação sinistra de seus sofrimentos, buscando causas em si mesma, isto pode levá-la a uma auto-tortura desnecessária ou a uma injusta acusação de si e dos outros.
O pecado realmente gera a pena como conseqüência, e algumas dessas penas podem ser físicas. Mas, quer seja assim, quer não, o castigo do pecado e o sofrimento decorrente daí são inerentes ao pecado mesmo; não são impostos por Deus como uma punição por alguém ter agido contra a vontade Divina. A punição em si é uma coisa má, e portanto não pode vir do Senhor, mas do homem, do abuso da liberdade de escolha sem a qual o bem não seria uma virtude. O mal não pode se mudar em bem, mas é controlado e permitido pelo Senhor a fim de que possa dar a surgir a condição para que exista um propósito bom. E o mal chamado castigo é permitido pelo Senhor -o Único que pode permitir sem desejar- apenas para que "a obras de Deus se manifestem" -para que o amor e a misericórdia Divinos possam se manifestar. E esse amor e essa misericórdia se manifestam quando o Senhor abranda os males dos que rejeitam o bem, e conduz ao bem aqueles que querem ser libertos de seus males.
As doenças físicas cessam com a morte do corpo. Na outra vida, os que são mentalmente enfermos recuperam a sanidade, pois não era o espírito que estava enfermo. Mas o que deve merecer maior reflexão são as doenças espirituais, as que podem viciar, devastar, deformar e incapacitar a mente como forma de uso, ou privar a alma de alguma função vital- são os males da vida que fazem o homem despreparado para o reino de Deus. O homem natural pode ter relutância em admitir que deve assumir as conseqüências de seus males deliberados; não compreende que, se o Senhor os permite, Ele também está, ao mesmo tempo, misericordiosamente livrando o homem de uma sorte pior. Mas o homem espiritual se regozija por o Senhor lhe ter concedido ser liberto de seus males através dos sofrimentos da tentação.
Mas não são os nossos males e o que eles acarretam a questão real; o âmago da questão se mostra quando consideramos as conseqüências que os pecados dos outr