Motivo de Divórcio

“Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de escortação, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada comete adultério”

Mateus 19:9.

Os fariseus vieram ao Senhor com uma questão séria a respeito do divórcio: Era-lhes ou não lícito divorciar da mulher por qualquer motivo? Em vez de apenas responder a pergunta, o Senhor lhes chamou a atenção para um aspecto mais interior do casamento e que eles não conheciam: “Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez. E disse: Portanto deixará o homem pai e mãe, e se unirá à sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim, não são mais dois, mas uma só carne. Portanto o que Deus ajuntou não o separe o homem”.
Estas palavras do Senhor dão uma resposta bastante clara, ao ponto de não restar dúvida alguma em nossas mentes a respeito da seriedade com que o casamento deve ser encarado. Ao ouvirem essa resposta, os discípulos compreenderam o rigor da instrução Divina e por isso se queixaram: “Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar. Ele porém lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas a quem foi concedido”.
A verdade é que o casamento é uma união espiritual e foi instituída desde o início pelo Criador. Há aspectos interiores envolvidos num relacionamento humano íntimo entre o masculino e o feminino que tornam esse relacionamento distinto de qualquer outro e superior ao que há entre os seres irracionais. A união que faz os dois serem uma só carne, prevista e provida por Deus na criação, envolve a união de almas e mentes, razão pela qual a conjunção e a separação não se refere apenas às coisas físicas, mas, principalmente, às interiores que pertencem ao espírito.
Quando criou o ser humano dotado de dois gêneros, masculino e feminino, o Senhor tinha como propósito fazer com que, pela conjunção voluntária e recíproca, ambos representassem, em conjunto, o Divino Amor e a Divina Sabedoria do Criador, fazendo dos dois uma imagem e semelhança real do casamento Divino de Bem e Verdade que há em Deus.
O casamento nas terras, quando está dentro das leis da ordem, é o meio pelo qual o Senhor dá início à obra de construir nos dois seres de sexos opostos essa representação do casamento espiritual de Bem e Verdade, fazendo depois que essa imagem e semelhança se aprofunde e se aperfeiçoe pela eternidade. Ao entrar nessa conjunção e nesse aperfeiçoamento, o masculino e o feminino podem encontrar sua realização como criaturas humanas e, em conseqüência disso, vêm a desfrutar de alegrias e felicidades indescritíveis pela infinidade dos tempos. As afeições e idéias se potencializam, frutificam e multiplicam incessantemente, capacitando cada um a desempenhar cada vez mais plenamente os usos de sua vocação particular.
É certo que os estados de contentamento e realização não são alcançados na curto espaço de tempo da vida terrena, mas é na atitude de cada um aqui, durante esta vida,  que as bases desses bens são lançadas para toda a eternidade. É por isso que, como aprendemos nas Doutrinas Celestes, o amor conjugal é o fundamental de todos os amores.
O propósito da criação pressupõe que o ser humano venha a ser uma imagem de casamento na menor forma, seja entre o homem e sua esposa, seja entre seu interno e seu externo, ou sua mente espiritual e sua mente natural, e assim por diante. É preciso que haja em todas essas instâncias uma junção perfeita e equilibrada de dois aspectos que, sendo separados, vêm a se completar pela progressão espiritual.
Os meios pelos quais essa conjunção se efetua e depois progride são variadíssimos, mas se resumem basicamente num princípio: afastar-se dos males como pecados contra Deus. Quando se abstém do mal por causa da religião, por uma noção de que o mal é nocivo a um uso ou ao seu semelhante, a pessoa está também se abstendo do mal por causa de Deus. Dessa maneira ela se molda cada vez mais numa forma receptiva do amor de Deus. E no amor que Deus pode então insinuar existe a afeição pelo conjugal, por uma união sólida e verdadeira com alguém do sexo oposto num casamento espiritual.
A união é sempre recíproca. Na união que se efetua entre aspectos distintos há sempre há uma transferência de qualidades ou virtudes. O aspecto espiritual da mente dá vida e luz ao aspecto natural, e este dá firmeza e sustentação ao espiritual. O marido recebe da esposa a elevação do amor, pois a mulher recebe do Senhor o amor conjugal que só é inspirado por Ele ao feminino. E a esposa recebe do marido o entendimento correspondente desse amor, o que se dá pela apropriação nos interiores do seu corpo da alma do marido que se encontra na semente. Assim, gradativamente, o marido se torna o entendimento da afeição da esposa e esta se torna afeição do entendimento do marido; um deseja querer e pensar como o outro e ambos sentem contentamento íntimo nessa complementação, conjunção e convívio.
Quando refletimos que tudo isto está implícito no casamento, podemos compreender o erro dos fariseus, que pretendiam que fosse lícito e correto rejeitar a esposa por qualquer motivo.
De fato, conforme a lei mosaica, bastava ao judeu não ter mais ardor ou simpatia pela esposa, aborrecendo-se dela por qualquer razão, para se achar no direito de despedi-la. A lei prescrevia que, quando isso ocorresse, o marido lhe desse carta de divórcio, uma espécie de proteção para ela, para que não fosse tida como desertora do lar por sua vontade ou banida por alguma indignidade de sua parte.
Quando, pois, vieram a Jesus, os judeus ouviram a razão verdadeira pela qual Moisés lhes dera lei tão impiedosa: “Por causa da dureza dos vossos corações”. Porque o fato é que, na sábia permissão Divina, teria sido pior se eles tivessem sido simplesmente proibidos de se divorciarem; sem esse “direito”, os judeus, duros de coração como eram, sentir-se-iam espoliados e não quereriam entrar em convênio algum de casamento com a mulher, fazendo que logo toda a nação judaica se corrompesse pela excessiva prostituição e em relacionamentos imundos não muito diferentes dos de cães e outros animais, tornando-se um povo de bastardos. Portanto, a fim de evitar esse mal extremo, o Senhor permitiu, em último caso, o divórcio por qualquer motivo, um mal menor, mas que ainda possibilitava que as famílias fossem mantidas em alguma ordem e a instituição do casamento em algum respeito.
Essa natureza extremamente injusta e dominadora do homem judeu ainda estava viva nos discípulos, eles mesmos judeus, tanto é que, quando ouviram o Senhor dizer que não era, de fato, lícito divorciar-se por qualquer motivo, eles disseram: “Se é assim a condição do homem... não convém se casar”.  No entanto, a submissão à lei Divina não era coisa suportável por todos. Para aqueles fariseus, tanto se lhes fazia se o Senhor explicava ou não a questão do divórcio da maneira verdadeira: eles não aceitariam mesmo Suas palavras e continuariam agindo como melhor lhes parecesse. Mas aos discípulos, judeus com quem o Senhor estava para instaurar uma igreja nova, era feito agora o desafio: aceitar uma lei aparentemente inconveniente, que punha o homem preso, por assim dizer, em um mesmo pé de igualdade com sua mulher através de uma relação estável, com uma só esposa, não permitindo que a rejeitasse a não ser numa exceção apenas,  da gravidade da escortação.
É fácil compreender que o divórcio constitui uma ameaça para a realização do propósito Divino para o gênero humano através do casamento. Porquanto no divórcio por qualquer motivo o proprium do homem se sobrepõe a esse propósito de Deus, impede sua realização, ignora o bem do cônjuge e lesa a própria pessoa, porque a priva das bem-aventuranças que são prometidas ao indivíduo na outra vida e que só são alcançadas por meio do casamento. Quando repudia o seu cônjuge por qualquer motivo, o homem ou a mulher estão permitindo que o seu ego separe o que Deus ajuntou e quer ainda mais ajuntar. Por isso ele disse: “Não separe o homem o que Deus ajuntou”. É o proprium da pessoa que se interpõe no relacionamento conjugal e o ataca. É o proprium do indivíduo que faz o orgulho ferido de um que não querer admitir seus erros, suas falhas e fraquezas. É proprium que recusa-se a aceitar os mesmos erros no outro e perdoá-las. É proprium que guarda ressentimentos, que conserva antigas ofensas na memória com a expectativa de futura vingança. É o proprium que toma para si o melhor e privando o outro do que lhe é devido; é o proprium, enfim, que quer dominar e não servir, ganhar e não perder, impôr-se e não abrir mão de seus princípios e desejos. “Não separe o homem”, por conseguinte, é um apelo que o Senhor nos faz a que não permitamos que o nosso proprium entre no relacionamento, pois se o fizer é para separar e destruir.
É esta a razão fundamental pela qual o casamento se aperfeiçoa consoante a regeneração, porque a regeneração consiste exatamente na substituição de propria, um proprium infernal por um proprium celeste.
A exceção única em que o divórcio é permitido - e isto podemos ver claramente pela letra mesma da Palavra - é quando um dos cônjuges comete adultério. Mas, na realidade, o vocábulo adultério não designa corretamente a lei de exceção. Neste versículo, na língua grega original, o termo que é citado aqui é “escortação”, isto é, a prostituição ou devassidão. Este é o único motivo aceito pela doutrina da Palavra para haver divórcio, porque a escortação ou devassidão atenta contra o casamento e mesmo o destrói. Há outras razões, citadas na obra “Amor Conjugal” que são considerados motivos justos para separação de corpos e de casas, mas não são motivos de divórcio. Há casos em que uma das partes pode entender ser conveniente a separação até o ponto do fim da convivência, mas, segundo as leis espirituais do casamento, continuará havendo o relacionamento de marido e mulher entre ambos, se não houve o caso da escortação, a única exceção prevista nestas leis.  Neste caso, é lícito para o cônjuge que é inocente divorciar-se e, se desejar, contrair um novo casamento, podendo esse casamento ser reconhecido e abençoado pela Igreja.
No entanto, não devemos confundir o que é lícito com o que é obrigatório. Pois mesmo nos casos em que um dos cônjuges venha a quebrar a aliança por uma atitude devassa, ainda assim caberá à outra parte decidir se pretende ou não divorciar-se. Na prática, o que observamos é que, muitas vezes, o cônjuge que é vítima de infidelidade prefere, por várias razões, perdoar o erro do outro e tentar refazer o relacionamento com a mesma pessoa, pois ama o casamento como instituição e ama também o faltoso, a despeito da infidelidade deste. Isto é verdade especialmente em relação à mulher, que é levada a essa atitude pelo influxo de amor conjugal que o Senhor lhe inspira. Mas esta é uma decisão que só a pessoa que está envolvida pode fazer.
Quando, porém, o motivo de possível divórcio legítimo não foi é devassidão ou escortação em si, mas um ato isolado de adultério ou cobiça do qual a pessoa se arrepende com sinceridade e do qual depois realmente se afasta pela penitência, não há, segundo a mesma lei da Palavra, ainda assim, motivo justo de divórcio. Um mal assim, não confirmado pelo entendimento, não é ainda o que destrói o casamento, pois o que realmente o destrói, sim, é a continuada e reiterada ação adultera, a imoralidade ou lascívia consentida ou de propósito confirmado, em que o entendimento desculpa e consente, porque isto é diametralmente oposto ao amor verdadeiramente conjugal.
Se o mero ato isolado do adultério fosse já o motivo de que se trata aqui, para que houvesse legítimo divórcio, não haveria mais casamento algum na face da terra, uma vez que o adultério não é só o ato físico, a ação premeditada, mas o desejo mesmo e até o simples pensamento pela cobiça, como o Senhor disse: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela” (Mateus 5:27,28). Foi por isso que, ao trazerem diante de Jesus a mulher apanhada em flagrante adultério, para que fosse condenada, o Senhor fez ver aos fariseus ali presentes que nenhum homem ou mulher há que, diante de Deus, não tenha também seus pecado e esteja sujeito ou sujeita à mesma condenação.
Na Nova Igreja, temos a consciência de que o proprium do homem é infernal, e é por isso que buscamos, por meio da elevação do entendimento e da penitência dos males, receber do Senhor uma vontade nova, celeste, e Ele no-la dá por meio da vitória nas tentações. Quando nos afastamos do mal do adultério como pecado contra Deus, afastando do pensamento as insinuações e fantasias infernais e da vontade os desejos diabólicos, o Senhor pode, aos poucos, insinuar em nós esse novo proprium, que ama o que é santo, o que é Divino e o que está dentro da ordem, como lemos na obra Doutrina de Vida:
“Quanto mais alguém foge dos adultérios de todo gênero como pecados, mais ama a castidade. Por cometer adultério, no sexto preceito do Decálogo, entende-se, no sentido natural, não só cometer escortação, mas também fazer obscenidades, dizer lascívias e pensar indecências; porém, no sentido espiritual, por cometer adultério entende-se adulterar os bens da Palavra e, no sentido supremo, entende-se negar o Divino do Senhor e profanar a Palavra: são esses os adultérios de todo gênero... o adultério é um mal tão grande que pode ser chamado diabólico mesmo, porque aquele que está no adultério natural está também no espiritual e vice-versa. ... A lascívia do adultério e a castidade do casamento são dois opostos; eis porque quanto mais alguém foge de um, mais está dentro do outro” (74, 75).
A nós, que desejamos fazer parte da Igreja espiritual do Senhor, a lei Divina nos é dada de modo claro e irrefutável; somos nós aqueles a quem foi dado receber estas coisas, como o Senhor disse, pois aceitamos livremente sobre nós o jugo suave de Jesus como nos foi oferecido nas leis espirituais e eternas das Doutrinas Celestes do Sentido Espiritual da Palavra. Nós é que temos consciência de que, embora sejamos maus e pecadores, temos a nosso favor a misericórdia Divina que nos capacita, pela transformação de nossas mentes, a nos elevarmos acima dos influxos infernais que atuam incessantemente em nossa vontade natural e irregenerada, e assim recebermos o poder de cumprir a lei do Senhor em nossos atos, palavras e intenções.
O preço dessa elevação é a constante vigilância contra as formas sutis com que os infernos procuram insinuar os prazeres das cobiças, pois eles sabem que, pela indulgência para com os pensamentos impuros, as palavras torpes, brincadeiras de duplo sentido com apelo à indecência, a mente humana pode ser amortecida e gradativamente ser levada à permissividade, à aceitação e finalmente à prática dos atos que devastam a santidade do casamento.
Quem crê na palavra do Senhor e a deseja receber como lei espiritual da sua vida, diante desta doutrina, não pode considerar o divórcio como alternativa viável, mas como um recurso extremo de reparação por um único motivo, o da escortação, que venha a destruir irreparavelmente o casamento. A não ser isso, continua a existir o laço interno do casamento. Para a nós, a resposta à pergunta dos fariseus é, pois: “Não, não nos é lícito repudiar o cônjuge por qualquer motivo”. Portanto, mesmo se houver separação de leito e de casa (e há vários motivos justos e de consciência, como lemos na obra “Amor Conjugal”) o casamento ainda existe, porque, pela união diante do altar, as almas começaram a se fundir em uma só. E porque são ainda casados, é por isso que, se após a separação se contrai relacionamento sexual com outras pessoas, comete-se o adultério, tanto um quanto o outro cônjuge, como também aquele ou aquela que entrar nessa relação.
De fato, não são todos os que podem receber estas coisas. Hoje, como os fariseus, muitos não podem recebê-las, pela dureza de seus corações. Todavia, não queiramos ser como os discípulos, que, por acharem árdua essa doutrina, pensaram ser preferível não se casar. Porque no casamento o Senhor promete e de fato concede bênçãos e deleites que não se descobrem em nenhum outro aspecto da vida humana, especialmente na vida eterna. É por isso que, aqueles que no mundo amaram o casamento e não tiveram oportunidade de encontrar a pessoa com quem podem se realizar nessa promessa, o Senhor provê o casamento na outra vida.
Em vez de nos queixarmos da seriedade com que o casamento deve ser encarado, procuremos ter a atitude correta e saudável que nos prepara para o casamento e para continuarmos cada vez mais interiormente casados.
Os ministros da Igreja, professores, pais e avós devem instruir os adolescentes e jovens quanto ao caráter espiritual dos casamentos e a sua duração eterna.
Os casais devem vigiar constantemente para que o proprium de cada um não interfira nesse relacionamento, com seus amores nocivos que  certamente causam danos que poderão vir a ser irreparáveis. É por isso que ambos os cônjuges precisam se voltar para o Senhor, buscar livre e espontaneamente da Palavra e da doutrina da Igreja a instrução espiritual para as suas vidas e aplicá-las em sua regeneração, porque regeneração e casamento são dois processos que andam lado a lado, e um depende intrinsecamente do outro.
Os adolescentes e jovens devem se voltar antes de tudo para o Senhor, pedindo a Ele que oriente na escolha do acertada; que os namorados e noivos se conheçam bem antes de contraírem o compromisso; que se preparem convenientemente pelos esponsais, através da elevação das mentes e união dos espíritos antes da união definitiva de seus corpos; que se preservem mutuamente pelo respeito à virgindade como estado o propício para a implantação do amor verdadeiramente conjugal; e que, sobretudo, visem o casamento como uma união feliz que, pela misericórdia do Senhor vai ser continuada e aperfeiçoada por toda a eternidade.

Amém.

Lições: Mateus 19 (p). Am.Con. 255, 426