Preocupação com o dia de amanhã

Sermão pelo Rev.Daniel W.Heinrichs

"Não andeis pois inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? (Porque todas estas coisas os gentios procuram). De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas; mas buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis pois pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuida de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal."


Mateus, 6:31-34.

 

O Senhor criou os homens para viverem pela eternidade num estado de suprema felicidade e íntimo contentamento. Este foi o Seu propósito na criação do homem. Segue-se daí que Ele faz tudo o que está em Seu poder -e Seu poder é infinito- para realizar esse fim. Por isso os Escritos afirmam que a operação da Divina Providência pela salvação do homem começa em seu nascimento e continua até o fim de sua vida terrena.  Devemos nos lembrar de que, para o Senhor, tudo está no tempo presente. Assim é que, desde o momento do nascimento da pessoa o Senhor vê o que o ela é, o que ela quer ser e, por isso, o que ela se tornará. Isto é, o Senhor prevê quais serão todos os estados da pessoa após a morte, e, por esse motivo, provê todas as necessidades dela, do nascimento ao fim de sua vida.

Por este ensinamento, fica claro que a menor das circunstâncias de nossas vidas está sob o constante cuidado e a orientação do Senhor. Foi o que Ele ensinou aos Seus discípulos, dizendo: "Não se vendem cinco passarinhos por dois ceitis? E nenhum deles está esquecido diante de Deus. E até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais pois; mais valeis vós do que muitos passarinhos" (Lucas 12:6,7). O Senhor não causa nem permite que aconteça um único incidente na vida de qualquer pessoa sem que isso contribua para promover o eterno bem-estar e a felicidade dessa pessoa. Quão mais felizes seriam as nossas vidas se conservássemos este ensinamento mais vivo em nossa mente! se acreditássemos nisso com profunda convicção. Quão diferente seria nossa perspectiva da vida! Seríamos mudados, deixando de lado a ansiedade, a preocupação, o nervosismo, os aborrecimentos individuais, e sendo pessoa felizes, ativas, úteis e contentes...

O Antigo Testamento, o Novo e os Escritos, nos fazem constantes exortações sobre o mal de se ter preocupação indevida pelo futuro ou ansiosa solicitude pelo dia de amanhã. Mas, apesar dessas repetidas admoestações, com muita freqüência nos vemos tomados pelos humores da ansiedade e da depressão. Talvez, se tivermos uma compreensão melhor da natureza da direção do Senhor, bem como dos efeitos danosos da preocupação indevida com o futuro, e também se soubermos como esses estados são produzidos, sejamos mais capazes de evitar esse mal. Refiro-me a isto como um mal, porque é o que de fato é. Preocupação, ansiedade e solicitude a respeito do futuro são coisas contrárias à ordem Divina, e tudo o que é contrário à ordem Divina é, em realidade, um mal.

A essa altura, convém explicar com mais clareza o que se entende por "estar ansioso pelo dia de amanhã". Se fôssemos tomar o texto literalmente, seríamos levados a crer que não devemos tomar qualquer iniciativa para prover as coisas necessárias da vida para nós mesmos e nossa família, mas apenas esperar pelo Senhor, sem esforço de nossa parte. Solicitude pelo dia de amanhã não se refere ã busca da necessidade da vida para si e sua família. São solícitos pelo futuro aqueles que não estão contentes com sua sorte; aqueles que não confiam no Senhor, mas em si próprios; aqueles que dão pouco valor às coisas do espírito, portanto às coisas celestes, mas dão muito valor às coisas do mundo, tais como os bens, a fama, a honra, a reputação e os vários prazeres e confortos. Nesses reina universalmente a solicitude pela coisas vindouras. "Ficam desgostos se não obtêm os objetos de seu desejo e sentem angústia pela perda deles; e não têm consolo, por causa do ódio que sentem contra o Divino... Tais são os que têm ansiedade pelo dia de amanhã" (AC 8478).

Aprendemos que o Senhor conduz diferentemente os bons e os maus. Por causa do fim, que é a eterna felicidade no céu, o Senhor não pode interferir na liberdade das pessoas para fazer o mal. Isto é, Ele não pode privá-los da capacidade de fazer o mal nem da oportunidade de fazê-lo. Se o Senhor fizesse isto, o homem não teria nenhum deleite; não seria livre para escolher a vida do céu. O bem lhe seria forçado, e por isso ele não sentiria prazer algum em fazer o bem. Assim, o propósito da criação seria destruído por Deus mesmo.

Por outro lado, Se ele abandonasse os maus e os deixasse entregues aos seus próprios artifícios, eles se destruiriam completamente por se entregarem às cobiças de seus males. Neste caso, o Senhor seria parcialmente responsável por aniqüilar os seus próprios fins Divinos. Por isso, somos ensinados que, conquanto o Senhor não prive o homem da liberdade e da oportunidade de fazer o mal, Ele entretanto promove o bem-estar eterno do homem ao permitir que ocorram somente as situações e oportunidades que possam se tornar em bem eterno para o homem. As oportunidades permitidas são de natureza tal que possam ser u meio de o Senhor tirar o homem do mal em que o homem está. Assim é que lemos: "Com os maus, o Senhor prevê ao permitir os males e ao afastá-los continuamente dos males" (DP 333).

Vemos daí que o Senhor dirige a pessoa má ao regular suas oportunidades de fazer o mal, de tal maneira que ela eventualmente possa, em liberdade, ser afastada dos males. Mas a pessoa boa o Senhor dirige ao bem de modo positivo e direto. A este respeito aprendemos que "os que se acham no curso da Providência são conduzidos o tempo todo para tudo o que é feliz, qualquer que seja a aparência dos meios; e estão no curso da Providência aqueles que põem sua confiança no Senhor e atribuem todas as coisas a Ele; e não estão no curso da Providência os que confiam em si próprios somente e atribuem todas as coisas a si... pois tiram a Providência do Divino e a reclamam para si mesmos. Mas cumpre saber que, quanto mais alguém estiver no curso da Providência, mais estará num estado de paz; e também que, quanto mais alguém estiver num estado de paz pelo bem da fé, mais estará na Divina Providência. Somente esses é que sabem e crêem que a Divina Providência do Senhor está em todas coisas, tanto em geral quanto em particular... e que a Divina Providência considera o que é eterno" (AC 8478).`

Reflitamos um momento sobre as implicações deste ensinamento. Os que estão no curso da Providência são o tempo todo conduzidos para o que é feliz, qualquer que seja a aparência dos meios; e estão no curso da Providência os que põem sua confiança no Senhor e atribuem todas as coisas a Ele. Aplicando este ensinamento em nossa vida diária, isto significa que, na medida em que reconhecemos o Senhor como a fonte de tudo o que é bom e verdadeiro, e confiamos nEle pelo fato de seguirmos a verdade que Ele nos revelou, não temos necessidade de estarmos ansiosos ou receiosos pelo futuro, porque o Senhor ordenará todas as coisas que nos acontecerem de modo a contribuirem para nossa felicidade, agora e no porvir.

O Senhor é bom e tudo o que é bom deriva dEle a sua fonte. Assim, a pessoa não pode fazer o bem por si mesma, mas somente pelo Senhor. Infelizmente, muitas vezes nos esquecemos de reconhecer esta verdade. Pensamos que podemos fazer o bem por nós mesmos. Quando esté é o caso, isto é, quanto tentamos fazer o bem por nós mesmos, sentenciamo-nos à decepção e à frustração. Há uma razão para isto. Quando reconhecemos que todo o bem procede do Senhor, buscamos ser conduzidos por Ele em tudo o que fazemos, ou seja, tentamos guiar as nossas atividades de acordo com princípios da verdade que o Senhor nos revelou. Nossos interiores são assim abertos para o influxo do céu, influxo esse que produz estados de felicidade e paz.

Se, contudo, tentamos fazer o bem por nós mesmos, então nossos interiores não se abrem a esse influxo. Por confiarmos em nós mesmos, ficamos inconscientemente nos batendo contra o futuro -um futuro com tantas coisas desconhecidas e imponderáveis que não podemos deixar de ficar ansiosos e solícitos. O bem que uma pessoa faz de si mesma e não do Senhor tem intimamente em si o mal, mesmo quando isto não parece. Conseqüentemente, quando confiamos em nós mesmos e assim agimos, continuamente atraímos o mal sobre nós, porquanto nossos interiores ficam abertos ao influxo de mal proveniente dos infernos. Por isso, mesmo se o resultado parece ser bom, ainda assim, visto que nesse bem está interiormente o mal, o resultado será, no fim, infeliz.

Somos informados de que há espíritos de um certo inferno que, quando têm oportunidade, injetam pensamentos inquietantes e perturbadores. Não somente os injetam, mas também procuram manter nossos pensamentos centrados no ponto da obsessão. Os Escritos dão exemplos do tipo de pensamento que convida a presença de tais espíritos, e devemos ter cuidado de observar esses exemplos, por que encontraremos neles as causas de nossos estados de descontentamento e ansiedade a respeito do futuro.

Esses espíritos são atraídos a nós quando nossos pensamentos se tornam grosseiros, como quando presos à matéria de dinheiro e contas; quando concentramos nossos pensamentos nas coisas que possuímos ou desejamos possuir; quando pensamos sobre os estados das mentes de outras pessas e seu caráter com a finalidade de procurar defeitos neles; quando pensamos que nossos esforços não são apreciados, ou que somos mal interpretados nas coisas que nos empenhamos a fazer; e quando refletimos sobre os infortúnios que nos têm sucedido. Em suma, nós atraímos esses espíritos por toda reflexão mórbida. E quando mais nos deixamos levar por esse tipo de pensamento, mais ficamos sob a influência desses espíritos, e mais forte se tornam suas cadeias.

Lemos que esses espíritos, se lhes é dada a permissão, podem ter tanto domínios sobre nós, que chegam a induzir fantasias, melancolia, delírios e até insanidade. Eles conseguem tal influência com algumas pessoas, que quando elas se entregam a esses pensamentos há pouco mencionados, ficam tão absorvidas por eles que os pensamentos não podem ser dispersos, mesmo quando se mudarem as circunstâncias. A presença desses espíritos, lemos, é freqüentemente acompanhada com dor no abdome e um espasmo ao redor do estômago, porque esses espíritos correspondem, no Máximo Homem, ao alimento mal digerido (Ver AC 6202 e DE 3624-3628).

Pessoas que se consomem pela ansiedade e o cuidado com o dia de amanhã; pessoa que têm adquirido uma disposição melancólica devido a excessiva introspecção, estão sob a influência daqueles espíritos. A questão é: Como podem se livrar dessa prisão? A cura consiste principalmente em se dedicarem, com energia e entusiasmo, a um uso ativo da vida, a servirem ao outros e conviver com eles nua esfera de caridade mútua. E sobretudo, confiando na soberana Divina Providência do Senhor.

A respeito dos que põem a sua confiança na Divina Providência do Senhor, lemos nos AC 8478: "Esses, não obstante terem cuidado pelo dia de amanhã, entretanto não o têm, porque não pensam no amanhã com solicitude, e ainda menos com ansiedade. Seu espírito está sereno, quer obtenham os objetos de seu desejo, quer não; e não sofrem com a perda deles, mas se contentam com sua sorte. Se ss enriquecem, não põem seus corações na riqueza; se são elevados às honras, não se consideram mais dignos do que os outros; se ficam pobres, não se entristecem... Eles sabem que, para os que confiam no Senhor, todas as coisas progridem para um estado feliz na eternidade, e tudo o que lhe acontece no tempo conduz sempre para ali." Amém.

 

Lições: Êxodo 16:1-6, 13-21; Lucas 12:13-32; AC 2493.

AC 2493:

"Tenho conversado com os anjos a respeito da memória das coisas passadas e, conseqüentemente, a ansiedade a respeito das coisas a vir. E tenho sido instruído que, quanto mais interiores e perfeitos forem os anjos, mesmo se preocupam com as coisas passadas, e ainda menos com as coisas a vir; e também que daí lhes vem a felicidade. Disseram que o Senhor lhes dá, a cada momento, o que pensar, e isto com bem-aventurança e felicidade, e assim os livra dos cuidados e das ansiedades. Também que isto foi entendido, no sentido interno, pelo maná sendo recebido diariamente do céu; e pelo pão de cada dia na oração do Senhor; e igualmente pela instrução de não ser solicito sobre o que se deve comer e beber, e com o que se vestir. Mas, embora os anjos não cuidarem das coisas passadas e não sejam solícitos sobre as coisas a vir, ele têm, no entanto, a mais perfeita lembrança das coisas passadas, e a mais perfeita vista mental sobre as coisas a vir. Porque em todo o seu presente estão o presente e o futuro. Assim, eles têm uma memória perfeitíssima, mais do que se pode imaginar e expressar".