O Chamado a Abrão

Sermão pelo Revmo. Bispo Peter M. Buss

"Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei".


(Gênesis 12:1).

"Sai do lugar onde estás; deixa-me te mostrar um lugar novo". Este é o chamado do Senhor a todo ser humano. Deixa o teu lugar de conforto, e te darei conforto como nunca sonhaste. Deixa os compromissos que hoje tens com teus próprios prazeres e projetos, e te darei a verdadeira felicidade. Deixa a convicção de que este mundo é tudo, e te farei ver o Meu céu.
O Senhor nos chama de muitas maneiras. Este versículo nos fala de como Ele nos chama através de nossas próprias almas. Abrão, o primeiro patriarca, o pai da nação israelita, representa o íntimo de nossa alma, o pai de todas as coisas em nós. Através desta alma, o Senhor nos chama, dizendo:  "Deixa a tua terra" - o lugar de teus prazeres corporais. "Deixa teu berço" - sua gênese de experiências sensuais. "Deixa a casa de teu pai" - a hereditariedade de teus ancestrais. Vem para "uma terra que eu te mostrarei... E te abençoarei."
O que é essa alma, através da qual o Senhor nos chama?  Os Escritos para a Nova igreja nos diz que é uma porta especial e secreta em todo ser humano pela qual o Senhor pode entrar. É um lugar sagrado, nosso ser intimo, que não pode ser pervertido, onde Ele pode morar conosco. Dali, ele envia silentes mensagens às nossas mentes e corpos. Tem sua própria habitação - vive no céu das almas, o mais próximo do Senhor mesmo, além de qualquer perversão que a terra ou o inferno possam induzir.
É a alma que cria o corpo. Com total sabedoria, ela molda cada parte do corpo, trazendo ao mundo uma vida nova, perfeita, a menos que alguma doença interfira. Assim diz o salmista: Pois possuíste os meus rins; cobriste-me no ventre de minha mãe. Eu te louvarei, porque de um modo assombroso, e tão maravilhoso fui feito; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem. (Salmo 139:13,14).
De que é feita a alma? Os Escritos nos dizem que é feita puramente de amores e verdades.  Lá no íntimo de nosso ser, somos dotados de todo amor e de toda sabedoria que formos capazes de receber pela eternidade. A alma não é infinita. Ela tem limites, mas nem eu nem você jamais os conheceremos, ainda que vivamos para sempre.
Nós imaginamos que aprendemos de fora, por meio dos sentidos. Achamos que nossos sentimentos de amor são o resultado de encontrar alguém, ou de ter uma experiência. Mas esta é apenas a reação. Quando uma idéia se nos apresenta, é alma que reconhece a verdade que essa idéia nos dá a compreender. Quando amamos alguém, é a emanação de amor procedente da alma, harmonizando-se com a emanação de amor provindo da outra pessoa, que nos faz sentir seu calor. O amor começa de dentro.
A mensagem nesta manhã é que assa parte íntima de nós nunca cessa de nos chamar. "Deixa a tua terra" - a terra de interesse próprio, a terra que temos a tendência de moldar ao nosso bel-prazer.  Deixa o lugar de teu nascimento - a tendência de desfrutar os prazeres corporais só pelo prazer de desfrutá-los. Deixa a casa de tua parentela - o desejo de exercer poder e influência sobre os outros, porque nascemos egoístas. Vem para a terra que o Senhor te fará ver. "Venha o Teu reino".
Ela nunca cessa de chamar: "Eis que não tosquenejará nem dormirá o guarda de Israel." (Salmo 121:4). Se sobes a uma rocha junto ao mar e, vendo o oceano abaixo, és tocado pela beleza, é a tua alma que sente a maravilha da criação de Deus. Se ouves uma bela sinfonia, é essa parte íntima de ti que se regozija com a harmonia do som, a expressão de profundos anseios. Quando sentes um profundo desejo de realizar algo bom na vida, ou quando lês sobre um ato abnegada coragem e teus olhos lacrimejam, é a tua alma que te chama, dizendo: "Essas coisas são parte da terra do Senhor. Aprende com elas, e guia-te".
Há, pois, um instinto criativo dentro de toda alma humana. O poeta inglês disse muito bem: "Talvez nessas esquecidas tumba jazem algum coração um dia cheio de fogo celestial;  mãos que podem ter tocado o cetro do império..." Ele estava falando do povo simples da Inglaterra que talvez tivesse dentro de si poderes além de nossa imaginação. Mas isto é verdadeiro em relação a todos nós. A música de Mozart, as pinturas de Rembrandt, a poesia de Keats: há alguma coisa em cada um de nós que é simplesmente magnífica. Esses notáveis seres humanos foram de algum modo capazes de atingir a força criativa que jaz dentro da alma humana. Para a maioria de nós, pessoas comuns, esse nível de talento só será alcançado no outro mundo. Mas está presente em nós.
Existe, então, o poder de amar. O casamento do bem e do vero é implantado na alma humana, dizem-nos os Escritos. Bem no nosso íntimo existe uma parte de nós que nunca deixará de amar os outros, não importa o que façamos. Nunca deixará de querer ajudar aos outros. Bem abaixo, em nossas mentes, podemos destruir esse impulso, mas a alma continua nos chamando para o reino do amor. Assim também o amor conjugial, entre um homem e uma mulher, é implantando na alma. Quando um casal se apaixona, estão sendo chamados pelo Senhor. "Deixa tua terra - deixa de pensar em ti somente. Deixa o lugar de teu nascimento  - deixa de querer prazer somente para teu próprio benefício. Apega-te ao teu cônjuge. "Portanto deixará o homem pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne" (Mateus 19:5).
E após o casamento ter durado por vários anos, e após terem eles feito com suas mentes e corpos o que suas almas os prepararam para fazer, então, a Palavra diz, suas almas se ligam numa união indissolúvel. Uma aliança de eternidade: "Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem". (Mt. 19:6). Esta é a promessa: o que Deus ajunta, o homem não pode separar.
Com todos os amores e amizades humanos, a alma reconhece semelhanças e inspira benevolências, e cada um desses impulsos é o chamado a Abrão. "Vem para uma terra que eu te mostrarei", uma terra de caridade, que será tua bem-aventurança.
O que acontece quando ignoramos este chamado? Podemos silenciar seu apelo, aniqüilá-lo com o clamor de sentimentos egoísticos? Apenas durante algum tempo. A tragédia do mal e do egoísmo é dupla: primeiro, o mal não é uma fonte de permanente prazer. Os infernos não protegem àqueles que lhes obedecem. Eles cuidam destes por algum tempo, assegurando-se de que estão satisfeitos, até que eles estejam sob seu domínio, e então os desprezam.
Além disso, quando fazemos alguma coisa egoísta ou errada, a parte íntima de nós não pode deixar de discordar dessa escolha! Cada vez que a pessoa faz algo errado, sua alma lamenta. Ela sente a desavença entre o que ela anseia e o que está acontecendo abaixo, na mente e no corpo. E prontamente clama. "Não faças isso", ela diz. "Não será bom para ti. Não te irá fazer feliz!".
É por isso que o Salmista diz: "Para onde irei de Teu espírito, ou onde me esconderei de tua presença? Se faço minha cama no inferno, eis, Tu ali estás!". Não podemos escapar do Senhor porque Ele está em nosso ser mais íntimo. Ele está presente através de nossas almas em nossas almas mesmas.
Por um breve momento podemos excluí-Lo. Podemos nos persuadir de que o que estamos fazendo é bom. Mas na quietude da noite a alma nos lembra da verdade. "Se disser: Decerto que as trevas me encobrirão, então a noite será luz à roda de mim". Podemos tentar fugir de nossas consciências, calar o apelo externo da igreja ou dos amigos. "Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá".
A alma humana é quem desmancha o prazer do mal. Esta é a razão secreta por que uma pessoa ruim não é feliz; por que uma pessoa que busca e mesmo alcança riqueza a qualquer custo não é satisfeita com ela; e por que os tiranos querem sempre mais poder. O antigo filósofo judeu compreendeu isto e escreveu: "O mal esfriará com aqueles que nele gloriam". Antes de ser chamado pelo Senhor, Swedenborg também entendeu isto, e disse que, quando as pessoas escolhem o mal, a alma, do íntimo, envia mensagem de exortação e acabará tornando os prazeres do mal em enfado.
Assim o chamado a Abrão nos alcança mesmo quando tentamos abafá-lo. É certo que nos alcança, porque o Senhor não quer que escolhamos o inferno. Ele não quer que busquemos no mal a satisfação verdadeira. Ele quer que voltemos. E mantém uma vigília atenta e misericordiosa através nosso íntimo ser, fazendo-nos sentir a futilidade do que estamos buscando. "Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei". Então serás abençoado. 
O que acontece quando atendemos ao chamado? Então, os Escritos nos dizem, a alma pode instantaneamente operar através da mente e do corpo para fazer o que almeja fazer. Ela nos ensina, fazendo-nos ver aquilo que devemos fazer (este é assunto para um outro sermão). Ela nos cura. E concede de sua harmonia a todas as coisas que estão abaixo.
Qual é, então, a mensagem dos ensinamentos sobre o chamado da alma humana? É a promessa veraz de que em cada um de nós existe o potencial de uma bondade além da expressão. Aos olhos de Deus, ninguém, nesta terra, é menor do que outro. Cada um tem poder imensurável dentro de si, esperando ser expresso. Ninguém nesta terra está fora do alcance do auxílio. Essa voz insiste, de dentro, chamando e dizendo: "Deixa a tua terra. Vem para a Minha terra".
E a cada versículo da santa Palavra do Senhor, a alma humana dá seu alegre consentimento. Ela responde, reconhece a verdade eterna que há ali, e nos inspira e segui-lo.
Podemos nós acreditar nesse poder dentro de nós, e saber que temos a escolha, seja para combater para sempre as coisas que escolhemos, seja para operar seus milagres em nossas mentes, formando todo o nosso ser conforme a imagem de nosso Senhor? "Eu te louvarei, porque de um modo assombroso, e tão maravilhoso fui feito; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem".

Amém.

Lições: Gênesis 12:1-9; Salmos 139:1-16; AC 1999.

 

AC 1999:
"O interno de uma pessoa é o que a faz humana e a distingue dos animais. É por meio desse interno que ela vive após a morte e para sempre, e por meio deste o Senhor pode elevá-la para entre os anjos. É a forma anterior ou primeira pela qual se torna e se é forma humana, e é por meio deste interno que o Senhor Se une à humanidade. O céu mesmo que é mais próximo do Senhor consiste desses internos humanos, mas estando acima até do céu angélico íntimo, esses internos pertencem, por isso, ao Senhor mesmo. Desta maneira toda a raça humana está diretamente presente sob os olhos do Senhor.
[4] Esses aspectos interiores da pessoa não possuem vida alguma em si mesmos, mas são formas recipientes da vida do Senhor. Na medida em que alguém está sob a influência do mal, tanto do seu mal quanto do hereditário, ele está, por assim dizer, separado de seu interno que é do Senhor e reside com o Senhor, e assim separado do Senhor. Porque, embora esse interno humano seja ligado à pessoa e não possa ser separado dele, todavia, na medida em que ele se afasta do Senhor, separa-se, de certa maneira, desse interno (ver 1594). Mas essa separação não é um completo rompimento do interno humano, pois se assim fosse, a pessoa não poderia mais viver após a morte. Mas é uma falta de harmonia e concordância com este na parte de suas capacidades que estão abaixo, isto é, de seu homem racional e externo. Enquanto essa desarmonia e discordância estiverem presente, não há conjunção, mas enquanto estiverem ausentes, a pessoa se conjunge ao Senhor por meio do interno, o que é alcançado na medida em que é movida pelo amor e pela caridade, pois amor e caridade efetuam a conjunção.