Elizabeth e Maria

Um Sermão pelo Revmo. Bispo Louis B. King

 

E aconteceu que, ao ouvir Elizabeth a saudação de Maria,
a criancinha saltou no seu ventre, e Isabel foi cheia do Espírito Santo”


(Lucas 1: 41)

Estas duas mulheres, Elizabeth e Maria, tiveram um papel fundamental no milagre do Advento do Senhor. Elizabeth era a esposa idosa de Zacarias, sacerdote da casa e linhagem de Arão, sumo sacerdote de Israel. Maria era uma moça da casa de David, uma descendente direta do rei guerreiro. Descendentes, respectivamente, uma da casa sacerdotal e outra da casa real. Uma já bastante idosa, a outra na flor da juventude, elas representavam duas espécies sucessivas e indispensáveis de afeição da verdade, sem a qual o Senhor não pode efetuar regeneração do homem.
Que afeições vitais serão essas? Como se relacionam entre si e se relacionam com a fertilidade?
Elizabeth representa a afeição da verdade que visa ao bem. Maria representa a afeição da verdade pelo bem, mas após o bem genuíno ter sido implantado no homem pelo Senhor.
Elizabeth é aquele amor paciente da verdade que é uma dádiva das relíquias e que inspira o homem da igreja a empregar os ensinamentos da Palavra no combate aos males como pecados contra Deus, em usar essas verdades para desempenhar usos positivos para com o próximo, porque essa é a vida da caridade que o Senhor designou. A religião deve ser matéria da vida e a vida da religião é fazer o bem. A afeição da verdade que conduz ao bem é a predomina no homem antes da regeneração e enquanto o Senhor o está regenerando.
Por outro lado, Maria representa uma afeição mais avançada da verdade, a afeição que procede do bem ou é produzida pelo bem. É essa afeição mais avançada da verdade, proveniente do bem, que governa a vida do homem regenerado e se torna o meio vivo pelo qual o Senhor entra e habita nele. A afeição da verdade  proveniente do bem, quando finalmente é adquirida, capacita o bem a ver e usar a verdade de uma nova maneira. As verdades mesmas não mudam: o homem é que as aplica de modo mais sábio. As verdades serão sempre as mesmas, os mesmos guias familiares da vida da religião que ele sempre seguiu e a que se compeliu a obedecer. Porém, após longos anos constrangendo-se de consciência a sentir, pensar, falar e agir de acordo com a verdade do Senhor, após longos anos de consciente emprego da verdade por causa do bem, o Senhor implanta no homem o bem genuíno.
É uma inversão espiritual que acontece em sua mente e que é base de uma nova vontade que lhe é dada. Então o homem começa a experimentar uma nova afeição da verdade, da qual ele tem a percepção inabalável de que a verdade é inequivocamente veraz porque o Senhor o disse, porque o Senhor está nela e porque ele mesmo agora vê e ama a vida do uso que somente a verdade possibilita.
A afeição da verdade proveniente do bem, que conduz o homem ao prazer no emprego da verdade para ordenar sua vida interior e sua utilidade para com os outros, governa o homem regenerado e, por isso, é representada pela linhagem real da casa de Israel. Maria, que representa essa afeição mais avançada da verdade, a saber, a verdade do bem, como se disse, era, por conseguinte, da casa de David. Era jovem, virgem e fértil. Assim é essa afeição da verdade: espontânea, inocente e frutífera.
Deve-se notar, porém, que o nome Maria é derivada do mesmo nome hebraico Míriam, que quer dizer “amargura”. E assim é afeição da verdade do bem: embora seja um amor novo proveniente do Senhor, tem em seu passado um longo de caminho de combates e amargas experiências da vida espiritual. [A Afeição da verdade do bem só é possível após terem sido vencidas inúmeras tentações espirituais].
E aqui vemos novamente alguma coisa da representação do parentesco entre Maria e Elizabete. A afeição da verdade que Elizabete representa vem antes e é mais antiga que a afeição da verdade representada por Maria. Por isso Elizabete era mais velha e foi mencionada primeiro no Evangelho. Ela pode ser assemelhada a uma parenta antiga, Ana, a quem Deus deu Samuel, e a Sarah, de quem nasceu Isaque. Tanto Elizabeth quanto Sarah eram bastante idosas quando tiverem o único filho. E nessas três mulheres, Elizabeth, Sarah e Ana nós vemos representado o anseio pelo bem na vida. O profundo desgosto que elas sentiam por não terem filhos é índice de que o bem da vida, ou seja, a vida celeste, não é alcançada pelo homem mesmo, por seu próprio esforço apenas, mas é concedida pelo Senhor.  A nova vida espiritual acontece quando o homem reconhece sua própria incapacidade e passa a confiar somente no Senhor. Assim Ana teve Samuel, Sarah teve Isaque e Elizabeth teve João, o batista, que foi uma voz no deserto exortando para a necessidade do arrependimento e batizando a todos em preparação da vinda do Senhor.
O Senhor conduz o homem através de afeições. O Senhor vai mudando, com o decorrer do tempo, as afeições da pessoa. Daí é que a afeição da verdade a que ele se constrangia obedecer dá lugar, finalmente, à afeição da verdade proveniente do Senhor. As etapas a serem cumpridas são a prolongada progressão de penitência, reforma e regeneração. Assim, existe no começo uma direção: da verdade para o bem. Mas depois a progressão se inverte: do bem para a verdade, mas agora uma verdade mais elevada, pois que procede do bem.
Esse caminho duplo foi representado naquela visão que Jacó teve, de uma escada cujo topo atingia os céus e pela qual os anjos desciam e subiam. Os anjos subindo são símbolos da verdade e sua afeição que progride para o Senhor e Sua suprema bondade. Os anjos descendo simbolizam a verdade e sua afeição vindo Senhor para pôr em ordem a vida do homem entro do bem do amor. A este respeito, lemos nos Escritos: “Quando o Senhor renova o homem, Ele primeiro o instrui nas verdades da fé, pois sem as verdades da fé o homem não sabe o que é o Senhor, o céu e o inferno, nem mesmo que eles existem; e ainda menos sabe as inúmeras coisas relativas ao Senhor, ao Seu reino no céu e ao Seu reina na terra, isto é, a igreja; nem sabe quais e de que natureza são as coisas opostas a esses, que se referem ao inferno... Depois de ter sido instruído nas verdades da fé, o homem é gradativamente conduzido pelo Senhor a querer a verdade, e também a querer praticá-la. Essa verdade se chama bem da verdade, porque o bem da verdade é a verdade na vontade ou no ato; e se chama bem da verdade porque a verdade, que era da doutrina, torna-se da vida. Finalmente, quando o homem sente prazer em querer o bem e em fazer o bem pela vontade, não mais se chama bem da verdade, mas bem, porque então ele está regenerado, e não mais quer e faz o bem da verdade, mas a verdade proveniente do bem” (AC 4539). E também: “O homem espiritual, quando está sendo regenerado, avança da doutrina da verdade para o bem da vida. Mas quando está no bem da vida, a ordem é invertida, e pelo bem ele visa... às coisas doutrinais da verdade” (AC 3332).
O nome “Elizabeth” quer dizer “aliança de Deus”. O nome de seu marido, Zacarias, quer dizer “lembrança de JEHOVAH”. Realmente, a aliança de Deus, da qual Ele perpetuamente Se lembra, é isto, que, por uma afeição da verdade, o homem deixe que o Senhor o conduza, pela Palavra, ao bem da vida; então ele estará verdadeiramente preparado para receber a vinda do Senhor.
Sobre Elizabeth e Zacarias, lemos que eram ambos justos diante de Deus, andando em todos os seus mandamentos e ordenanças (Lucas 1:6). Assim devemos ser, fiéis em nossa resposta à aliança do Senhor, lembrando-nos de ler a sua Palavra com afeição, para que sejamos preparados para a vinda do Senhor em nossas vidas. Assim como historicamente João Batista nasceu de Zacarias e Elizabeth e preparou o caminho do Senhor, também possa a plenitude da Palavra, como afirmação literal da verdade, nascer em nosso entendimento, sair para fora, em nossas vidas, e preparar-nos para a vinda de nosso Senhor e Salvador.
Mas essa vinda do Senhor só realmente acontece quando a Palavra, quanto ao seu sentido espiritual ou sua doutrina Divina, entra no coração e no entendimento. Esse novo nascimento do Senhor ou Sua segunda vinda para o homem se efetua através de uma afeição nova, a afeição da verdade do bem, representada por Maria.
De fato, é o amor pelas verdades interiores da Palavra, pois estas é que revelam o Divino Amor na forma humana, fazendo possível o culto do Deus visível. É uma visão clara e uma percepção interior da realidade do Divino Humano na Palavra que só existe com o bem genuíno que o Senhor implanta na vida do homem.
Historicamente, o anjo Gabriel apareceu ao velho Zacarias no templo, em Jerusalém, e seis meses depois à virgem Maria em Nazaré. A Zacarias foi anunciado pelo anjo que Elizabeth conceberia e daria à luz um filho que se chamaria pelo nome de João.
A Maria, o anjo anunciou que ela conceberia e daria à luz um filho, e chamaria Seu nome Jesus. “Gabriel” quer dizer “Deus é herói” ou “o poder e a força de Deus”. Como uma personificação de uma sociedade angélica que esperava a vinda do Senhor com alegria, e tinha seu prazer em ensinar, da Palavra, sobre o Divino Humano do Senhor como Filho de Deus, Gabriel era um nome bem adequado. Porque o “poder” significado no nome de Gabriel era o mesmo Divino amor que cobriria Maria com Sua sombra, quando o  “Espírito Santo” ou Divina verdade, como semente encarnada, viesse sobre ela. “E Maria disse: Eis aqui a serva do Senhor, cumpra-se em Mim segundo a Tua Palavra” (Lucas 1:38).
Gabriel anunciou a concepção de João e de Jesus. O poder do Divino amor nos céus, representado pelo nome de Gabriel, estava presente nesses momentos admiráveis da vida das duas mulheres. Reconheçamos, então, com alegria e contentamento, que o Divino amor é a única fonte das afeições que elas, Maria e Elizabeth, representam: a afeição da verdade pelo bem e a afeição da verdade proveniente do bem. E cada ano, quando relembrarmos dos papéis desempenhados por Elizabeth e Maria na história Divina do advento do Senhor, oremos para que exista em nós as afeições da verdade que elas representam e cultivemos a esperança de que essas afeições sejam frutíferas em nossa regeneração. “E aconteceu que, ao ouvir Elizabeth a saudação de Maria, a criancinha saltou no seu ventre, e Isabel foi cheia do Espírito Santo; e exclamou com grande voz, e disse: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre... E Maria disse: Minha alma engrandece ao Senhor, e meu espírito se regozija em Deus, meu Salvador” (Lucas 1:39-42,46,47).

Amém.

Lições: Lucas 1:5-25. Lucas 1:26-45. AC 3882 (partes).