O JOIO NO MEIO DO TRIGO

Um sermão pelo Reverendo Hugo Lj. Odhner

 

"E os servos do pai de família, indo ter com ele, disseram-lhe: Senhor, não semeaste tu no teu campo boa semente?
Por que tem então o joio? E ele lhes disse:
Um inimigo é quem fez isso".


Mateus 13:27;28

 

            O Senhor comparou o mundo a um campo, e Ele próprio a um semeador. A boa semente eram os filhos do reino de Deus. Mas Ele falou do diabo como um inimigo que, enquanto os homens dormiam, semeou o joio no meio do trigo. O joio - disse o Senhor - eram os filhos do mal. Na consumação do século vem a ceifa, o juízo, quando os anjos irão colher o bom trigo nos celeiros do céu, e lançar o joio no fogo da destruição.

            A parábola é útil para mostrar que, neste mundo, homens bons e maus se juntam numa obra comum, e que é somente após a morte que pode haver uma definitiva separação entre maus e bons. E os Escritos acrescentam que até no mundo dos espíritos houve uma demora para a execução do juízo sobre os maus, até o fim de uma igreja.

            O ponto a destacar nesta parábola é a ordem do senhor aos seus servos, quando estes se ofereceram para arrancar o joio que crescia junto com o trigo. "Não - ele disse - para que ao colher o joio não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até a ceifa".

            Era uma decisão sábia. Porque a espécie de joio mencionada na parábola era o "darnel", uma gramínea que se parece muito com o trigo antes que as suas espigas apareçam. Mas depois, quando as sementes duras e negras do darnel começam a se formar, até uma criança é capaz de distingui-lo do trigo. "Pelos seus frutos os conhecereis". Todavia, mesmo então não é bom erradicar essa erva daninha, senão com muito cuidado. Porque suas raízes são emaranhadas e, embora mais superficiais, ao serem arrancadas poderiam lesar as raízes mais fundas porém mais tenras do trigo (DE 1436). Assim, é melhor esperar a época da ceifa.

            O ser humano não gosta de esperar. Quando faz planos, concebe uma ambição ou uma necessidade, ele quer imediatos resultados. Em sua cegueira ansiosa para se ver livre de um mal que o ameaça, ele pode às vezes destruir um bem que lhe é essencial. E sua reforma não tem êxito. Ele se esquece de ir ao Senhor em oração e perguntar se já é chegado o tempo de ceifar o joio que ele vê em seu jardim ou no do próximo.

            O ser humano caminha por estradas em que os anjos têm receio de caminhar. Seu desejo é mudar todas as coisas. Ele vê injustiças, vê misérias, vê imaturidade, ineficiência e vê males. E, sendo apenas homem, vê apenas as condições superficiais e não o interior das coisas. Nada sabe a respeito das raízes tenras do trigo; com pés desastrados, pisa por cima das plantas que brotam, e arranca esta ou aquela erva que vê. É assim que o homem natural enxerga os males nos outros, julga a atitude de um má e a de outro boa. A presunção do homem é que todas as coisas estejam dentro de certos eixos que ele determina. Quer que os outros se adaptem às suas idéias acerca do que é certo e errado, e muitas vezes condena as ações dos outros sem nada saber das intenções.

            Mas a parábola mostra que, se quisermos ser servos do Senhor, devemos agir pelo princípio de deixar o julgamento para Ele. Só o Senhor pode distinguir o real do fantasioso. Há muitas espécies de joio que podem ser facilmente reconhecidas em qualquer estágio de seu crescimento. Não devemos hesitar em combater esses males. O julgamento deles já está feito, a qualquer época. A sociedade pode e deve se proteger contra crimes abertos e criminosos de caráter reconhecido. Após a morte, os que se confirmaram abertamente nos males são logo enviados para seus lugares no inferno. Mas o joio que cresce no meio do trigo é de uma espécie diferente ao ponto de imitar o bom trigo. É como uma pessoa cuja maldade é dissimulada. E aí temos o julgamento que não nos é permitido fazer. Nós só podemos julgar os atos e palavras de um indivíduo. Por seus atos e suas palavras podemos estimar o seu valor e o seu uso na sociedade. Mas o interno da pessoa, suas intenções íntimas, isto só pode ser julgado pelo Senhor ou pelos anjos semeadores que Ele indicar. Só eles podem separar o joio do trigo.

            É explicado na parábola que o campo é o "mundo". Todavia, num sentido mais restrito, o campo significa a igreja, porque é aí, na terra escolhida e preparada, que o Senhor semeia Seu trigo. O que Ele semeia é a verdade da fé, para fazer com que a terra produza frutos de caridade e boas obras. A semeadura em solo bom se faz sempre que há instrução da Palavra e ela é recebida por aqueles que a lêem ou ouvem. No entanto, quando a mente está dirigida para aplicar o julgamento da Palavra somente nas faltas e nos defeitos dos outros, surge a oportunidade para o inimigo semear outra espécie de semente.

            Todo membro da igreja tem em si um campo que pode se tornar um solo fértil para a semente Divina. Quem recebe essa semente é "aquele que ouve a Palavra e a entende". O campo é a sua "mente natural", uma miniatura do mundo, seu microcosmo, que é moldado primeiro pela hereditariedade e depois pela educação e pela convivência. A disciplina que é incutida nos primeiros anos ajuda muito a preparar esse campo, mas o cultivo real tem início com a regeneração, que deve começar antes que desapareçam a disciplina forçada e a influência dos pais. Porque cada homem deve preparar o seu próprio campo. Ele próprio deve reconhecer as pedras e os arbustos de erva daninha que atrapalham a cultivação espiritual do solo. Ninguém mais pode conhecer as dificuldades que lhe cercam a mente. Ele deve, pois, conhecer a si mesmo, resistir às suas fraquezas e males quando emergirem, e evitá-los como pecados contra Deus.

            A Bíblia compara a penitência dos males à tarefa de cuidar de um jardim e de podar uma árvore. Os males precisam ser arrancados e podados. Esta é nossa obra na vinha do Senhor. É isto, também, que se entende pelas palavras do Senhor, quando disse que os campos "estão brancos, prontos para a ceifa". Há muitos males esperando julgamento, contanto que tenhamos olhos para ver e zelo para trabalhar. Mas o lado positivo da comparação é também importante. Faz-se a poda da planta por causa dos frutos - os usos frutíferos que cada estado novo traz consigo, o aumento de bênçãos na vida, as generosas antevisões do céu, que vêm na forma de uma paz interna e como deleite e alegria na luz da Palavra, e na confiança na Providência do Senhor. São estados que contrabalançam as tormentas e as ansiedades da vida natural. Estados que, ao trazerem seus frutos aos outros, são os propósitos verdadeiros de todo labor espiritual. O objetivo interior do homem regenerado, quando renuncia os males, não é o de se aperfeiçoar ou de desfrutar bênçãos ainda maiores no céu, mas, sim, de se livrar de faltas que o impedem de servir melhor ao Senhor e aos outros; só assim ele pode produzir frutos com maior abundância.

            Quando formos tentados a condenar uma ação de um irmão, reflitamos primeiro que aquela pessoa pode bem ter errado num esforço de fazer aquilo que ela pensava ser o melhor para todos. Não podemos conhecer o estado espiritual dos outros. Mas, quanto a nós mesmos, o afastamento de nossos próprios males exige uma contínua vigilância dos motivos segundo os quais agimos ou pensamos. (...) Devemos limpar nosso jardim e nossa seara, lavrar a terra e podar nossas vinhas. No trabalho da seara é que receberemos nutrimento espiritual.

            No sentido espiritual, o trigo corresponde a um bem mais interior do que os outros grãos. Acredita-se que o trigo foi o primeiro grão a ser usado e empregado pelo homem, para sua nutrição. Representa o bem espiritual, o bem verdadeiramente humano, que vem como um produto da regeneração ou da civilização espiritual. Não estamos nos referindo ao bem natural qual os que o homem tem em comum com os animais, mas o bem espiritual, bem que nasce quando o Divino Semeador semeia as verdades de Sua revelação  no coração dos homens, corações que compreendem e obedecem.

            "Trigo" significa estados genuínos de bem espiritual - o bem da verdade que nós chamamos caridade - nos interiores da mente natural (AC 7605, 9995). Mais especificamente, o trigo representa os estados característicos de bem que pertencem à Nova Igreja (VRC 804). Esse bem espiritual é indestrutível, porquanto suas raízes são profundas. A firmeza de uma caridade verdadeira não se abala com as tentações do mundo ou da carne, nem com o joio que os infernos implantam no natural do homem. Os que estão no bem espiritual não são medidos com as medidas do mundo. Não se persuadem com as sutilezas de argumentos mundanos nem são seduzidos por estranhos apelos. Pois o joio, "o darnel" não consegue penetrar profundamente as raízes como faz o trigo. Superficialmente, o joio pode roubar a vitalidade da haste do trigo, mas não pode impedi-lo de frutificar. Quanto mais desfavorável for a condição do solo na superfície, mais profundamente o trigo lança suas raízes.

            E assim acontece com o campo do trigo espiritual no homem que está sendo regenerado. Enquanto o homem não vigia, os males e as falsidades são insinuados pelos infernos. A presença destes é indesejável, mas servirão para estimulá-lo a redobrar esforços a fim de elevar o nível de sua vida espiritual.

            Nos primeiros estágios da regeneração, o homem combate contra males relativamente externos, males que ele prontamente reconhece e que são removidos pela auto-compulsão. E, em sua satisfação moral, pode lhe parecer que dali para frente não terá mais batalhas a travar, nenhum mal a combater. Mas assim que ele obtém alguma instrução, alguma coisa de sabedoria, vê que os males que aparentemente tinha conquistado retornaram para o tentar de outras formas, muito mais sutis. Porque os "males que o homem permite em seu espírito e não tem como pecados" lhes são apropriados ainda que ele não os cometa (DP 278,81). E quando vê o darnel crescendo, ele clama, como os servos da parábola: "Senhor, não semeaste tu no teu campo boa semente? Por que então tem joio?".

            E a resposta vem: "Um inimigo é quem fez isso". (...) O homem em si mesmo é um mero vaso, um vaso pervertido em que os infernos continuamente lançam sua semente; de sua vontade hereditária o homem é somente uma massa de cobiças da qual não pode de si mesmo se livrar. Compete ao homem evitar os males que se manifestam nos externos de seu pensamento e suplicar ao Senhor que purifique os internos que estão além do controle e alcance do homem (DP 118). Para cada mal que o homem combate em seu pensamento consciente, o Senhor combaterá e vencerá inumeráveis cobiças nos interiores desse homem. O Senhor desvia o homem das sociedades de maus espíritos que insinuam tais males e, no lugar deles, ajunta bons espíritos ou anjos através dos quais as raízes do pensamento do homem podem penetrar cada vez mais profundamente no céu.

            "Basta a cada dia o seu próprio mal". Á noite não se trabalha na seara, mas à luz do dia. O homem não conhece as ramificações das inclinações de seu coração; por isso, não pode combater todos os males de uma só vez, mas progride, um após o outro, afastando os erros que o Senhor lhes concede ver, e deixando nas mãos Divinas o governo das profundezas desconhecidas de seu coração. Mas o dever do homem é claro e simples: ele deve limpar seu jardim, cultivar a terra e podar a vinha. (...)

            Mesmo no homem que está sendo regenerado existem males escondidos e ainda desconhecidos, nas áreas inexploradas de seu ser. Tais males não podem ser julgados nem extraídos pelo homem, ainda que sejam vagamente revelados quando afloram nas imperfeições, nos erros e nas paixões que o desanimam. Mas o Senhor o tranqüiliza: "Deixai crescer ambos até a ceifa", e então enviará os ceifeiros.

            A mente humana está numa estação frutífera perpétua. Lá sempre há algum campo pronto para a ceifa. Mas os males interiores, tais como os que o inimigo semeia enquanto o homem dorme, isto é, enquanto está inconsciente, desprevenido dos perigos espirituais, tais males não podem ser repelidos por qualquer processo humano ou por auxílio de qualquer outro homem. É o Senhor quem remove. Mas o homem tem um papel definido nisso. O Senhor disse a respeito do trigo e do joio: "Deixai crescer ambos juntos". Cuidado para não ferir o trigo; quanto mais este crescer, menor perigo haverá. Mas se o trigo morre, tudo está perdido.

            Aqui vemos uma lei da Divina Providência. Se a pessoa se identifica com os males de sua hereditariedade, ou com o joio que é semeado em seu próprio, então a separação desse joio e do trigo será tão difícil quanto a separação de partes de seu ser. Mas se o homem cresse (como é a verdade) que todo mal e toda falsidade procedem do inferno e que todo bem e toda verdade procedem do Senhor, então "ele não se apropriaria do bem e o faria meritório, nem se apropriaria do mal e se tornaria culpado dele" (DP 320). "Por que tem então joio?", perguntaríamos em nossa preocupação com os males que ainda víssemos em nós. E a resposta do Senhor seria: "Um inimigo é quem fez isso".

            O joio, o "darnel" é planta de raiz muito embaraçada, assim como as falsidades dos males, e por isso, durante algum tempo, o homem terá muita dificuldade para removê-lo.

            O trigo do espírito é o bem da verdade, o bem espiritual que cresce pelo cultivo do espírito. Precisa de luz do sol que é a Palavra do Senhor; precisa da chuva do influxo das esferas angélicas; precisa do calor da terra da igreja para crescer. A mente em processo de regeneração precisa da assistência constante das verdades espirituais. Esta é a razão pela qual o Senhor instituiu o dia do sabá, o repouso da mente, para se deixar de lado as ocupações mundanas e dedicar-se a instrução espiritual. O cuidado pela alma não pode ser negligenciado, para que as bênçãos do Senhor estejam sobre as obras de nossas mãos.
É nessa esfera de iluminação celeste que os estados espirituais poderão gradativamente amadurecer até que chegue o tempo da ceifa; então o joio será separado de nosso espírito como coisas que ofendem, enquanto o trigo será ajuntado nos celeiros eternos.

            Assim foi na consumação da primeira era cristã. E assim será na ressurreição para a vida eterna. É um sinal da paciência do Senhor. Porque a tolerância para com o mal é unicamente por causa da proteção do bem.

            "Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será a consumação deste século. Mandará o Filho do homem os Seus anjos, e eles colherão do Seu reino tudo o que causa escândalo, e os que cometem iniquidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes. Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça".

Amém.

 

Is. 5:1-7
Mt 13:10-17, 24-43
DP 102,320