A Infância Divina

Adaptação de sermão do Revmo.Bispo W.Pendleton

“Não sabeis que Me convém tratar dos negócios de Meu Pai?”


Lucas 2:49

O fato relatado no texto se passou quando o Senhor visitava Jerusalém, tendo doze anos. De acordo com as Escrituras, Maria e José tinha subido para a festa da Páscoa e levado consigo a criança. Ao voltarem, pensaram que o Menino estava na companhia dos parentes com quem viajavam, mas, ao fim de um dia, não o encontraram. Temerosos, voltaram a Jerusalém, e o acharam  “assentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os. E todos os que o ouviam admiravam a sua inteligência e respostas” (2:47).
As Escrituras quase não mencionam a infância de Jesus. Tudo o que sabemos é que Ele morou em Nazaré, em casa de Maria e José, e era sujeito a eles (2:51). Sobre a forma de sua educação, de como foi instruído, as Escrituras se calam. É dito, porém, que “o menino crescia, e se fortalecia em espírito, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele” (2:40).

   Pode parecer estranho a muitos hoje, mas o principal relato da infância do Senhor não se encontra no Novo Testamento, mas no Livro de Gênesis. É ali, na história de Abrahão, que são revelados os estados de preparação do Humano que o Senhor tomou. A começar com o chamado de Abrahão, que representa os estados de nascimento do Senhor, o sentido interno abre o caminho para um entendimento interior desses estados progressivos de avanço para o Divino.
A diferença entre o nascimento do Senhor e o de outras crianças foi, como se sabe, a concepção, pois Sua Alma era Divina, o Pai. Sua instrução foi também de uma forma especial, ao ponto de, aos doze anos, os doutores se impressionarem com a sua inteligência. Porque “nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” João 1:4. Nisto Ele diferia de qualquer outra criança, porque enquanto todo homem nasce como vasos receptivos de vida, o Senhor, quanto à alma que era o Pai, era a vida mesma (AC 1999). A sabedoria era inerente a alma, e por isso, ao nascer, o Senhor possuía previamente todas as verdades para a Sua instrução na infância, mas era somente quando Ele era instruído pela via externa que a Divina verdade se revelava ao Humano tomado. Foi por meio do conhecimento que o Senhor glorificou o Humano, porque sem conhecimentos como meios o Divino não poderia se revestir de um humano. Pois “é pelos conhecimentos que o homem se torna homem” (AC 1616), e foi pelos conhecimentos que o Senhor se tornou Homem Divino.
Como o conhecimento de uma coisa deve preceder a percepção dessa determinada coisa, era somente quando adquiria conhecimentos que o Senhor recebia a percepção proveniente do Divino. Todo influxo é conforme a recepção. E o Senhor só entrou na plena percepção de Sua própria Divindade quando os sucessivos graus de sua mente foram formados, isto é, os graus sensual, natural e racional. Assim foi que, durante a Sua infância, a percepção do Senhor acerca do Divino era relativamente obscura (AC 2514). Mas uma coisa é certa, que era uma criança como nenhuma outra. “Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens”.
Agora podemos compreender a preocupação de Maria e José ao voltarem a Jerusalém. Não era pelo fato de que ele era ainda uma criança, mas também porque, pelos eventos transcorridos em seu nascimento, eles sabiam que aquela era uma criança especialíssima, uma criança destinada, nas palavras de Simeão, a ser posta para a queda e para a elevação de muitos em Israel (2:34). Não sabiam o que essas palavras traduziam, mas temiam que algo acontecesse aquela criança. Por isso, quando a encontraram,  Maria a repreendeu, dizendo: “Filho, porque fizeste assim para conosco? Eis que teu pai e eu ansiosos te procurávamos. E ele lhes disse: Porque é que me procuráveis? Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu pai?”
Ao se dirigir a Maria, o Senhor falou com ela não como Sua mãe terrena, mas como a qualidade dessa afeição pela verdade que constituía Sua herança materna. Pela percepção Divina, foram-lhe revelados os estados do humano que tomara de Maria. Ali o Senhor percebeu um prazer de ter a verdade por causa de si mesmo e do mundo (AC 4593). Realmente, é de se admirar o que encontramos na Revelação a respeito dessa fase, ou seja, que no período da infância o Senhor se prendeu ao deleite com os conhecimentos, mas um deleite que não tinha outra finalidade senão apenas conhecer (AC 1484,1487). Todavia, o conhecimento não é um fim em si, nem a verdade o é. Se o deleite que a criança sente em saber não for dirigido para a verdade, e se esse deleite com a verdade não estiver orientado para o bem, tal conhecimento se tornará instrumento do mal.
Portanto, não era com Maria que o Senhor falava, mas com essa espécie de afeição que era própria da hereditariedade materna. Havia nele, como em outras crianças, a aparência de que a vida estava no próprio, nos deleites e nas afeições que se referem exclusivamente a si. Era por causa dessa aparência que o Senhor foi tentado quando em criança, pois os Escritos dizem que só Ele foi admitido em tentações ainda quando em criança.
A visita do Senhor a Jerusalém à idade de doze anos marcou o início de um novo estado, um estado de tentação proveniente da percepção de que os bens e verdades do humano de Maria eram somente bens e verdades aparentes, mas que dentro deles se escondiam males e falsidades. Isto é o que está representado no Gênesis pela separação de Abrão e Lá e pela guerra de quatro reis contra cinco. Por Quedorlaomer, rei de Elam, é representado o bem da infância, esses bens a cujo respeito os Escritos dizem que, “embora pareçam bens, não o são, visto que o mal hereditário os contamina”. Porque “o que é inerente vem do amor de si... (e) tudo o que é do amor de si... não é bom... mas deve ser chamado bem no estado da infância (AC 1667).
Por meio da instrução o Senhor se introduziu, como toda criança, no conhecimento do bem e do mal, mas somente por meio das tentações esses males que faziam parte da herança de Maria puderam ser removidos. Daí ser dito no Gênesis: “Doze anos eles serviram a Quedorlaomer, mas no décimo terceiro ano se rebelaram” (Gên 14:4). Por eles, aqui, em lugar dos reis, são entendidos as falsidades e males interiores alojados no frágil humano, e por Quedorlaomer e os reis que com ele estavam são significados esses bens e verdades aparentes que segura os males e falsidades e os mantêm sob sujeição na infância. Não foi, então, por uma mera coincidência que o número de anos em que os reis serviram é o mesmo citado em Lucas, da idade do Senhor quando Ele repreendeu a Maria no templo. Porque o décimo terceiro ano significa o começo das tentações do Senhor (AC 1668), quer dizer, o começo daquelas tentações que vieram da percepção da fraqueza da natureza humana de Maria.
Não se deve confundir essas tentações com outras, acontecidas mais cedo, das quais os Escritos algumas vezes falam. A distinção é que, enquanto na infância, nessas tentações anteriores, o Senhor combatia a partir dos bens e verdades aparentes, representados por Quedorlaomer, nessas que agora se iniciavam Ele passava a combater por bens e verdades genuínos, representados pelos servos de Abrão que livraram o homem externo do Senhor, representado por Ló, da ilusão de que tinha a vida por si. (AC 1707).
Portanto, o Senhor repreendia aquelas afeições humanas da verdade que nascem do prazer a verdade por razões do amor de si e do mundo. Por percepção Divina, o Senhor percebeu a qualidade desse deleite, e percebeu também que, a menos que se livrasse da ilusão desse prazer, isto é, da ilusão de que o bem e a verdade são inerentes do homem, ninguém poderia ser salvo. Por isso Ele repreendeu a Maria, dizendo: “Não sabeis que me convém tratar dos negócios de Meu Pai?”
Essas palavras marcam o fim do período de preparação, período em que o Senhor foi instruído como qualquer outra criança, embora muito mais rapidamente. Ao mesmo tempo, marcam o começo dos estados em que o Senhor gradativamente progrediu para a união com o Divino. É desses estados que os Escritos falam quando dizem: “Deve ser conhecido que o Senhor, gradual e continuamente, se separou daquilo que recebera de Sua mãe, até ao ponto de Não ser mais seu filho, mas o filho de Deus, não só quanto à concepção, mas quanto ao nascimento” (AC 2649). Daí é dito que Ele foi não só concebido, mas nasceu de JEHOVAH” (Ath.150). É por isso que o Senhor, quanto ao Seu Divino Humano, é chamado de Filho de Deus”.

Amém.

Gên. 14:1-16
Lucas 2:41-52
AC 1661