Fe na Vontade
Ou
A Vontade De Crer

Sermão pelo Revmo.Bispo Willard D.Pendleton

"Havia em Jerusalém um homem cujo nome era Simeão, e este homem era justo e temente a Deus, esperando a consolação de Israel, e o Espírito Santo estava sobre ele. E fora-lhe revelado pelo Espírito Santo que ele não morreria antes de ter visto o Cristo do Senhor"

Lucas 2:25,26.

No Israel antigo, todo primogênito masculino era consagrado ao Senhor. Por ordem Divina, esse era separado de todos os outros na comemoração do dia em que JEHOVAH passou sobre o Egito matando os primogênitos dos egípcios mas poupando os primogênitos dos hebreus. Desde então pertencia ao Senhor o primogênito tanto de homens quanto de animais. Mas enquanto se oferecia o animal em sacrifício, o filho homem devia ser resgatado (ou trocado) pela oferta de um cordeiro; ou, se os pais fossem pobres, por um par de rolinhas ou pombinhos.
Assim, quando se completaram os dias de Sua purificação, a Criança foi levada por Maria e José, de Belém da Judéia para Jerusalém, onde A apresentaram no templo, segundo o costume da lei.  As Escrituras notam, porém, que ao templo também veio, naquela hora, um homem chamado Simeão a quem tinha se revelado que ele não morreria antes de ver Aquele que seria o Salvador de Israel.
Não sabemos quem foi Simeão. Tudo o que se diz a seu respeito é que ele era justo e temente a Deus, e, como é evidente pelo texto, pertencia aos restantes do povo que ainda esperavam o Messias prometido de quem os profetas haviam falado. No entanto, o que sabemos a respeito de Simeão não se limita ao breve relato histórico. Nós o conhecemos através de sua representação. Para entender essa representação, temos de voltar àquele outro Simeão, que é citado no Antigo Testamento, a saber, o segundo filho de Jacó e Leia. Ao tratar dos doze filhos de Jacó, os Escritos nos possibilitam entender o Simeão de nosso texto.
Neste contexto, nota-se que Rúben foi o filho primogênito de Jacó. Os Escritos dizem que Rúben representa a fé no entendimento, ao passo que Simeão, o segundo filho nascido, representa a fé na vontade. A razão disso é que a fé no entendimento é a primeira no tempo, pois o conhecimento de uma determinada coisa deve sempre proceder a percepção ou afeição por essa coisa.
Deve-se observar aqui que o nome Rubem é derivado do verbo hebraico "ver", e como "ver" tem relação com o entendimento, segue que Rubem tem relação com o reconhecimento intelectual da verdade. Já o nome Simeão deriva do verbo hebraico "ouvir", e como ouvir implica em obediência, Simeão passa, no sentido espiritual, a ser um termo que se relata à disposição de ser dirigido pelo Senhor.
O que se acha envolvido aqui é o seguinte: a não ser que, em seu coração, o homem queira ser dirigido pelo Senhor, mais cedo ou mais tarde ele acabará rejeitando aquelas primeiras verdades da revelação que são os fundamentos da fé. Porque a fé no entendimento, por mais convincente que possa ser por um ponto de vista puramente intelectual, não tem raízes na vida; isto é, nas afeições do amor, e por isso é incapaz de sustentar o homem quando ele se vê afligido pelas dúvidas. Neste sentido, os Escritos afirmam que a fé no entendimento, representada por Rubem, "deve ser introduzida na vontade para que aí receba a vida, porque a verdade não vive pelo conhecer, mas pelo querer" (AC 3870); porque aquilo que se recebe na vontade permanece, mas o que não se quer será posto de lado com o passar do tempo. Assim, na bênção de seus filhos, Jacó se referiu a Rubem como "inconstante como a água" (Gên.49:15).
É, então, para aqueles que querem crer em Deus que os Escritos são endereçados. Aquele que diz que a experiência é a única fonte da verdade não pode ser convencido; nem o pode aquele que subordina as verdades da revelação ao orgulho da própria inteligência. A menos que o homem dê crédito à possibilidade de uma afirmação autorizada da verdade, a menos que queira reconhecer as limitações da razão humana, a menos que seja capaz de perceber que as Escrituras são alguma coisa a mais do que um documento histórico, isto é, a menos que em sua vontade seja afirmativo quanto a fé, os Escritos não tem nenhuma argumentação para ele. Como a criança Divina, cuja presença não foi percebida a não ser por uns poucos, a recém-nascida doutrina da verdade espiritual não pode ser revelada exceto para aqueles que têm a fé na vontade.
Daí se torna aparente que o Simeão de nosso texto pertencia a um pequeno grupo de remanescentes em Israel. Por isso, Simeão representa as afeições inocentes dos primeiros estados. É a essas afeições primitivas do bem e das verdades que os Escritos chamam de "relíquias", que duram até à vinda do Senhor. E se não fossem esses remanescentes da inocência que o Senhor proveu, ninguém poderia ter a fé na vontade, porque o Senhor não pode habitar no homem a não ser naquilo que é d'Ele, do Senhor, com o homem, isto é, a inocência.
Assim, a recepção da doutrina Divina, em todos os estados, depende da vontade de crer. Esta é a razão porque hoje somos incumbidos a trabalhar por uma educação da Nova Igreja. Porque na infância e na adolescência -antes que a mente do indivíduo se torne calculista- a Palavra é recebida com deleite. Não é como a mente adulta, que experimentou da árvore do conhecimento do bem e do mal que cresce no meio do jardim; a criança ainda não se ocupa com raciocínios pelas aparências de ter vida por si. Para a criança, a idéia de Deus é boa, e nisto a criança é mais sábia do que o erudito de hoje, como dizem os Escritos. Porque Deus é bom, e todo o bem que está com o homem procede do Senhor. Não vem do homem mesmo. Este é o começo e é o fim de toda sabedoria, e a fonte e a lógica da fé.
Mas quantos hoje realmente crêem nessas coisas? Quando atribui o bem a si mesmo e insiste que o bem é tudo aquilo que lhe é bom, o homem perverte o bem que está nele, bem que veio do Senhor. Esta é a origem do mal. Pois tudo o que é bom no homem faz parte da inocência, isto é, da vontade de ser dirigido pelo Senhor por meio da Palavra. Donde é que na infância e na adolescência, enquanto está ainda na inocência, o homem é mantido no bem pelo Senhor. Em sua vontade de ser instruído, no deleite que sente na Palavra, a criança é responsiva às verdades da fé que abrem o caminho para o bem da vida. E, o que é mais, esse deleite, ainda que às vezes embotado pelos cuidados e ansiedades do mundo, permanece com o homem durante o tempo em que houver nele algum desejo qualquer de ser conduzido pelo Senhor.
Não se deve subestimar o poder das relíquias. Quando o homem se afasta da primitiva inocência da infância, essas ternas afeições do bem e da verdade são removidas pelo Senhor para os interiores da mente, onde ficarão latentes durante anos. Com uma solicitude que excede toda a compreensão humana, o Senhor as preserva de todos os males aos quais o homem se inclina, menos o pecado mortal (e imperdoável) da auto-justificação. A respeito desse mal as Escrituras dizem que "não será perdoado... nem neste século nem no futuro" (Mat.12:32). A razão de ser este um pecado imperdoável é que aquele que desculpa o mal em si próprio se torna incapaz de fazer penitência, e por isso incapaz de se voltar para o Senhor. Daí o ensinamento dos Escritos de que todos os males a que o homem se inclina, nenhum é tão letal quanto a auto-justificação (isto é, o atitude de se considerar puro e bom aos seus próprios olhos). Os Escritos chamam a isto de engano interior; pois aquele que pratica a auto-justificação destrói em si todo vestígio de inocência, isto é, toda relíquia de bem e verdade (AC 9013, 9014).
Segue, por isso, que devemos procurar prover para nossos filhos um ambiente educacional em que as afeições pelas coisas boas e verdadeiras possam ser estimuladas e cultivadas. Porquanto a finalidade da educação é (desenvolver) o homem racional, e, como os Escritos observam "Quanto menos houver relíquias, menos pode o racional... ser iluminado... e se não fossem as relíquias no homem ele não seria um homem, mas muito mais vil do que um animal"(AC 530). É, então, nessas afeições do bem e da verdade que a humanidade do indivíduo especialmente reside. Que seja assim, é evidente pelo fato de que, de todas as formas criadas, só o homem pode ser afetado pelo bem e pela verdade. Quando, pois, se fala de relíquias, fala-se dessas afeições que diferenciam o homem do animal. Quanto a todas as outras afeições em que nasce, o homem é semelhante ao animal. Daí o ensinamento nos Escritos de que o homem, muito embora nascido natural, pode se tornar espiritual, ou seja, pode, se quiser, entrar com o entendimento e o deleite nas afeições pelo bem e pela verdade.
É, por conseguinte, entre os remanescentes de Israel, isto é, entre os estados em que há alguma coisa de inocência, que a doutrina Divina é recebida pelo homem. Com efeito, a inocência não é outra coisa senão a disposição e a vontade de ser dirigido pelo Senhor. Daí é que o Senhor Se revela na Palavra para aqueles que têm fá na vontade, porque é como a Palavra que o Senhor Se revela à visão do entendimento. É desse modo que Ele pode ser visto.
Mas por si mesmo o entendimento nada faz. A verdade que é vista e reconhecida tem de ser também ouvida, isto é, tem de passar para a vontade, senão não permanece. Por isso os Escritos falam muito sobre a afeição da verdade, mas observam que essa afeição não será genuína se não houver nela a inocência (AC 3183:2). A razão disto é que um reconhecimento puramente intelectual da verdade não sustenta a vida do espírito, e quando vem a tentação, esse reconhecimento logo se dissipa.
A origem de toda fé, por isso, se acha na vontade de crer, isto é, na vontade de crer que a Palavra do Senhor é verdadeira. Mas daí vem a questão? Por que o homem deve crer na Palavra? A resposta é: Porque ela é o bem. E, sobretudo, o que é a verdade senão uma forma que o bem toma quando se apresenta à vista do entendimento? Em si mesma, portanto, a verdade é o bem, e a prova da verdade é o bem ao qual ela testifica. Como o Senhor disse aos judeus: "Se Eu testifico de mim mesmo, o meu testemunho não é verdadeiro. Há outro que testifica de mim, e sei que o testemunho que ele dá de mim é verdadeiro" João 5:31,32. O Senhor falava do Pai, isto é, do bem que é a fonte de toda verdade.
Os Escritos foram dados para os que têm a fé na vontade, os que querem crer que a Palavra é verdadeira, porque percebem que ela é o bem. Como Simeão, percebem que esta Criança que é a doutrina recém-nascida da verdade espiritual não tem outra que se lhe assemelhe. Pois percebem que a doutrina Divina não nasce "da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus" (João 1:13), isto é, dAquele que em essência é o bem. Mas esta percepção não seria possível se não fosse o fato de que na infância e na adolescência o Senhor proveu aqueles estados que são receptivos da verdade da Palavra. Ainda que ocultos à investigação humana, e aparentemente remotas da vida diária, essas afeições de inocência servem como um plano na mente humana em que o Senhor pode morar com o homem; e, como os Escritos observam, constituem a fundação sem a qual o intelectual ou racional que é próprio do homem não poderia ser erigido (AC 5126).
Por esse intelectual ou racional próprio ao homem se entende a habilidade de perceber o que é bom e verdadeiro. Isto é que faz o homem ser homem. Este é o propósito da educação que se dá na Nova Igreja. Não pensemos, portanto, que a educação na Nova Igreja é apenas um processo meramente formal em que a pessoa é instruída nos conhecimentos de muitos gêneros. Antes, consideremos essa educação como um processo de humanização pelo qual se pode abrir um caminho para a percepção e o reconhecimento dAquele que em essência é bom e verdadeiro. E isto não é uma questão meramente do entendimento, mas depende da qualidade dos amores e afeições de cada um. Depende da vontade que se tem de ser dirigido pelo Senhor. É somente assim que o homem pode ter a inocência, e é nessa inocência que reside todo bem com o homem.

Amém.


Lucas 2:22-39; AC 560,56l.