Um sermão pelo Revmo.Bispo George de Charms

"Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade.

Marcos 9:24


O Senhor tinha estado no monte da transfiguração com Pedro, Tiago e João. Quando desceram do monte, encontraram os outros discípulos cercados por uma grande multidão e por algum escribas que disputavam com eles. Quando o Senhor lhes perguntou a causa da disputa, um da multidão, respondendo, disse: Mestre, trouxe-te o meu filho, que tem um espírito mudo; e este, onde quer que o apanha, despedaça-o, e ele escuma, e range os dentes, e vai-se secando; e eu disse aos Teus discípulos que o expulsassem, e não puderam". O Senhor, "respondendo-lhes, disse: Ó geração incrédula! até quando estarei convosco? até quando vos sofrerei ainda? Trazei-mo." Trouxeram a criança ao Senhor, e o pai disse: "Se Tu podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós, e ajuda-nos. E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer; tudo é possível ao que crê. E logo o pai do menino, clamando, com lágrimas, disse: Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade".
A fé é realmente o primeiro requisito para a salvação do homem. Os Evangelhos dão amplo testemunho disso. Repetidas vezes se diz que Senhor podia fazer milagres somente para aqueles que criam nEle. Assim também aqui: o Senhor disse ao pai do menino endemoninhado que Lhe pediu ajuda: Se tu podes crer; tudo é possível ao que crê".
Entretanto, este ensinamento tem sido mal interpretado. Muitos imaginam que o Senhor requer do homem uma fé cega em algo que não se pode entender. Não é assim. A confiança cega conduz apenas à estagnação mental e espiritual; extingue a pesquisa, embota o julgamento racional e prende a mente na fé que já se acha enraizada, seja ela verdadeira ou falsa.
Em sua essência, a fé é a visão espiritual, não a cegueira. Assim como o olho é o órgão criado para perceber os objetos da natureza, a mente do homem é o órgão criado para ver a verdade. Na capacidade de ver a verdade está a diferença fundamental entre os seres humanos e os animais. Em todas as coisas que lhe chegam aos sentidos, o homem, ao contrário dos animais, tem uma vaga percepção de alguma coisa além, algo que deve existir adiante do horizonte da visão atual e que apela irresistivelmente à indagação. Essa visão interior é a origem da fé. É um sentimento espontâneo e inenarrável, o segredo do que se chama curiosidade. Em virtude dessa capacidade, o homem percebe que alguma coisa deve existir e que ele deve conhecer o que essa coisa é; ele percebe que é verdadeira, muito antes de ser preparado para entender como e por quê ela é verdadeira. Isto não é fé cega, mas uma fé vidente. É a espécie de fé que é mencionada em nosso texto. Porque o pai do menino não somente clamou: "Eu creio, Senhor", mas também acrescentou uma urgente súplica: "ajuda a minha incredulidade".
A fé que vê é um pre-requisito de todo progresso, tanto em relação às coisas  naturais quanto em relação às espirituais. Durante séculos o homem supôs que as operações da natureza fossem misteriosas e inteiramente imprevisíveis. Considerava as ações da natureza como atos arbitrários de um Deus de caprichos que não pode ser concebido sob nenhuma lei. E como o homem não via possibilidade de entender os segredos da natureza, não tinha nenhum incentivo para investigá-los. Aceitava cegamente o que a igreja ditava a respeito deles. A sugestão de alguma idéia que fosse contrária a esses ditados da igreja era coisa herética e mesmo blasfema. Só quando o homem começou a compreender que deve existir uma ordem estabelecida na criação foi que resolveu questionar os dogmas tradicionais da religião. Só quando o homem percebeu que o universo deve ser governado por leis estáveis que podem ser descobertas e gradativamente entendidas foi que se abriu o caminho para as impressionantes realizações científicas de nossa era. Então foi que nasceu, não a fé cega, mas a fé que enxerga, fé que tornou possível o desenvolvimento ilimitado da civilização humana. Não pode haver nenhum avanço no campo da medicina a não ser que o homem acredite que existe cura para a doença e busque essa cura através de uma pesquisa diligente. Não pode haver nenhuma invenção a não ser que o homem preveja a possibilidade de criá-la, e creia que de uma partícula insubstancial da imaginação pode ser realmente produzida alguma coisa de valor. Isto implica numa fé em que as matérias e as forças necessárias para a produção realmente existem, e, ainda que não estejam visíveis a princípio, podem ser descobertas e organizadas de uma maneira tal que um mero conceito da mente se torne uma realidade.
A mesma lei de progressos se aplica às coisas da religião. Por que era impossível que o Senhor curasse as doenças dos que não criam nEle? O Senhor não veio ao mundo especialmente para curar doenças físicas, mas para curar a mente e o espírito do homem. Veio reprovar os amores egoísticos dos homens e corrigir as suas idéias erradas sobre Deus e sobre a vida da religião. Mas essas coisas o Senhor só podia fazer naqueles que queriam aprender dEle. O coxo, o mudo, o surdo e o cego que vieram pedir Sua ajuda o fizeram porque perceberam em Seus milagres um poder diferente e em Suas palavras uma sabedoria profunda que prometia algo de grande valor em suas vidas. Perceberam, abaixo da superfície das palavras de Jesus e além da aparência externa de Seus atos, alguma coisa que vivificava a esperança com que tinham sonhado. Eles não podiam definir claramente o que seria isso, mas sabiam que era algo real e que podia ser alcançado. Esta era uma fé viva, fé de visão, pela qual o Senhor era capas de ensiná-los e conduzi-los a um conceito inteiramente novo de Deus, do mundo e do sentido interior da vida humana. Isto, porque eles estavam desejosos de ouvir e prontos para aprender.
Os escribas e fariseus, ao contrário, apegaram-se a uma fé cega nas idéias tradicionais de sua religião, na idéia errônea do que seria o Messias quando viesse e o que faria por eles. Jesus Cristo não se encaixava com essa imagem que eles criaram do Messias; mas eles acreditaram que aquela era a imagem correta e se orgulhavam de seus conhecimento e inteligência superiores. Por isso, quando o Senhor disse : "Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem sejam cegos. Aqueles dos fariseus, que estavam com ele, ouvindo isto, disseram-Lhe: Também nós somos cegos? Disse-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis: Vemos; por isso o vosso pecado permanece" (João 9:39-41).
Quem está perfeitamente satisfeito com suas próprias idéias e as considera como verdades definitivas, fecha sua mente para a percepção inata de alguma coisa além que é o único incentivo para a busca de mais conhecimento. Por causa disso, esse indivíduos deixa de aprender qualquer coisa nova ou diferente, não porque não é capaz, mas porque não quer. Em conseqüência, sofre de cegueira espiritual a tal ponto, que mesmo o poder e a misericórdia infinita do Senhor nada podem fazer para curá-lo.
Os conceitos que por muito tempo bloquearam o caminho para o progresso, a compreensão e a aplicação das leis da natureza, ainda impedem o homem alcançar uma percepção cada vez maior da verdade espiritual. O que faltava durante a Idade Média era compreender que há uma ordem estabelecida na natureza e uma lei estável que governa todas as coisas no universo material. De semelhante modo, a característica dominante no pensamento cristão moderno é a dúvida, o suspeita e mesmo a negação de que no reino espiritual existe uma ordem universal, uma lei que a tudo governa. Acreditam que no campo das coisa espirituais nenhum conhecimento seguro é possível. Com relação à existência de Deus, de um mundo espiritual e da alguma continuação da vida além do túmulo, ou melhor, com relação a qualquer coisa que transcenda o testemunho físico dos sentidos, tudo o que existe é, como acreditam, especulação humana, sem provas. Daí concluem que as coisas espirituais, se existem, são misteriosas e desconhecidas. Em conseqüência, os homens ou se apegam cegamente aos conceitos arcaicos da religião ou os rejeitam inteiramente e os substituem por idéias materialistas baseadas somente no testemunho da experiência dos sentidos.
Entretanto, desde tempos imemoriais o homem tem percebido dentro de si um ditame, uma intuição em sua alma, que lhe diz que deve existir um Deus; que alguma coisa deve existir além dos limites do mundo material; alguma coisa que toda a humanidade experimenta como amor e reconhece como justiça, honra e retidão. Estas coisas são vitais, as coisas mais preciosas na vida humana.
Os homens têm tido a sensação interior de que Deus deve governar este mundo da mente e do espírito, assim como Ele governa o mundo da matéria. Têm percebido que deve haver uma diferença entre o certo e o errado, entre o bem e o mal, e que isto não é invenção humana, mas vem de uma lei Divina e eterna. Além disso, perceberam que, se existe uma tal lei da vida espiritual que Deus requer do homem, Deus teve, também, de revelar essa lei, de fazê-la conhecida, de tal forma que os homens pudessem aprendê-la para viver de acordo com ela.
Essa vaga percepção de que essas coisas devem, de fato, existir, os homens receberam da Palavra de Deus. Porque sentiram, vindo do íntimo, uma fonte espiritual de entendimento e sabedoria que podem ser conhecidos e trazidos à luz. Esta é a fé viva na qual toda a religião se funda. Esta fé faz possível que o Senhor ensine os homens e os conduza, abrindo o caminho para um desenvolvimento ilimitado de conhecimento, inteligência e sabedoria espirituais. Faz parte da própria natureza da mente humana sentir, lá no íntimo, esse conteúdo interior da Palavra. Pois o homem foi criado para ver Deus, para amar a Deus e para ser conjunto com Ele por um vida de acordo com Sua Lei Divina.
Esta é a fé que hoje tem sido tão desafiada e negada. Em vez de se aproximarem  da Palavra para receber a instrução Divina, os homens se apegam cegamente às idéias e tradições, insistindo que estas são verdades inquestionáveis, assim como os fariseus fizeram no passado. Fecharam as suas mentes para qualquer coisa que esteja além dos conceitos com que se acostumaram, e por esse modo eliminaram qualquer possibilidade de receber instrução.
Os homens estão convencidos de que Deus, se existe, nunca comunica Sua vontade aos homens. Por isso, examinam as Escrituras não para descobrir verdades espirituais. (...) Usam a Bíblia para confirmar o ponto de vista de que as idéias da religião estão baseadas numa fé cega no desconhecido.
Por esta razão, a visão de Deus, do céu, da presença Divina que conduz e protege, que o Senhor concedeu aos discípulos que creram nEle durante Sua vida no mundo, essa visão tem sido apagada. Em conseqüência, a própria religião, a força vital nas vidas dos homens, ficou ameaçada de extinção.
Prevendo que isto iria acontecer, o Senhor prometeu que viria de novo para restaurar a fé verdadeira, a fé que vê. Esta promessa está agora cumprida. O Senhor vem em uma nova Revelação que desvenda o verdadeiro sentido interior de Sua Palavra. Ele vem como Deus agora visível como nunca antes, como o Senhor Jesus Cristo ressurrecto, que diz: "Eu sou Aquele que vive, e esteve morto; mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno" (Apoc.1:18).
Ele vem de um modo bem diferente do que homens tinham imaginado, para revolucionar todas as idéias do homem a respeito de Deus e da vida de religião. Neste aspecto, a Sua segunda vinda é semelhante à primeira. E todo aquele que dEle se aproximar com a mente aberta terá o selo de que Deus é verdadeiro. Irá aos poucos perceber nas Doutrinas Celestes da Nova Jerusalém a promessas de coisas admiráveis a serem descobertas. Será levado a reconhecer a lei Divina da vida, uma lei que não foi produzida pela imaginação humana, mas ordenada por Deus, lei que é dada a todos os homens e que dura para a eternidade.
Por meio desta revelação o Senhor vem com um poder infinito para curar as doenças espirituais dos homens e lhes conceder a vida eterna. Mas Ele nada pode fazer por aqueles que fecham suas mentes contra Sua Palavra e que insistem em manter suas próprias idéias como definitivas, por causa do orgulho e do engano de sua própria inteligência. Só os que a Ele se chegam com humildade, reconhecendo sua própria ignorância e sua necessidade de serem instruídos podem receber a verdade celeste que agora o Senhor oferece a todos os homens.
Somente esses podem crer. Somente esses têm aquilo a que o Senhor Se referiu quando disse: "Se tu podes crer; tudo é possível ao que crê." Somente esta é a fé viva que convida o Senhor para entrar na mente, no coração e na vida, para que ali Ele possa ensinar e conduzir. Esta espécie de fé é que foi representada pelo pai do menino, que clamou: "Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade".

Amém.


Lições: Marcos 9:14-29;  João 9:24-41; Doutrina da Fé 1-3,5.