A Dracma Perdida

“Ou qual a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma dracma, não acende a candeia, e varre a casa, e busca com diligência até a achar?”


Lucas 15:8

Nesta série de parábolas, a ovelha perdida, o filho pródigo e a dracma perdida, o Senhor nos fala de algo precioso que tinha sido perdido e foi achado. O que é comum nas três situações é o anseio de quem procura o que perdeu até que, encontrando-o, enche-se de alegria pela reconquista do que lhe é valioso. Assim foi com o pai do filho pródigo, com o pastor da ovelha extraviada e com a mulher que perdeu a dracma.
Já vimos, há algum tempo, a parábola da ovelha perdida. Hoje iremos refletir a respeito da segunda parábola, da dracma perdida.
A dracma era uma moeda de prata usada na Grécia.  A dracma é também traduzida como prata, porque tanto o dinheiro quanto a prata têm a mesma significação, a verdade. Assim, os Escritos nos mostram que “perder a dracma”, significa perder uma das verdades ou os conhecimentos da verdade.
Há várias situações em que se pode perder uma verdade. Perdemos a verdade quando, por exemplo, nos despojamos negligentemente de uma convicção que sabemos ser verdadeira e justa, e adotamos outra, falsa, em seu lugar. Ou quando abrimos mão de um princípio verdadeiro que era para nortear nossa vida, e agimos contra esse princípio. Ou, também, quando deixamos esmaecer a visão de um ideal bom, do qual nos desviamos por desânimo, falta de coragem ou falta de empenho.
Nesta parábola é a “mulher” que perde. A “mulher”, na Palavra, significa a afeição da verdade. Isto nos indica, portanto, um estado em que deixamos de ter afeição pelo que é genuinamente verdadeiro. Quando deixamos de ter afeição pela verdade, andamos errantes e acabamos adotando qualquer princípio que nos satisfaça, mesmo errôneo.
Embora a mulher seja citada aqui pelo que ela representa, a afeição da verdade, como foi dito, focalizaremos nossa reflexão na mulher em si mesma, ou antes, nas situações em que a mulher perde alguma coisa de valor espiritual em sua vida.
A mulher, tanto quanto o homem, está sujeita a perder muitos de seus valores reais, mas ela, especialmente, está mais sujeita do que o homem a situações e, portanto, a prejuízos e perdas, em razão das desvantagens que a nossa atual civilização lhe impõe, porque a raça humana privilegia o aspecto masculino em todas as áreas. Esta supremacia do masculino, com a óbvia inferiorização do feminino, vem desde a dispensação da Igreja Antiqüíssima.  Essa Igreja caiu, como se sabe, porque fez da fé a principal e desprezou a caridade. Caim, a fé, matou Abel, a caridade.
A fé, por ser pertinente ao entendimento, corresponde ao aspecto masculino do ser humano. A caridade tem a ver com a afeição, o aspecto feminino. Desde aqueles tempos, então, o conhecimento tornou-se mais importante do que o sentimento; a razão mais do que a emoção; a inteligência mais do que a bondade. Tornou-se louvável exibir inteligência, mas sinal de fraqueza expressar afeição. Esse conflito entre fé e caridade, com a conseqüente subjugação de uma pela outra, veio se repetindo também nas Igrejas que se sucederam no decorrer do tempo. Foi representada pela luta de Esaú e Jacó, na Igreja Judaica, a disputa sobre qual era o elemento salvífico, fé ou caridade, na Igreja Cristã.. A fé prevaleceu em todas as situações. E quando ela reina sozinha, a Igreja chega ao seu fim, porque a caridade ou o amor é a sua vida e a essência. A fé, só, separada da caridade e assim tida como único meio de salvação, causa, ao contrário, a degeneração espiritual da Igreja e da raça humana.
Como conseqüência inevitável de a dispensação religiosa, desde a antigüidade, ter valorizado a fé e desprezado a caridade, as civilizações antigas e modernas atribuem essa supremacia ao masculino, como se vê, em detrimento do feminino. Isto fez com que a Igreja Cristã cultivasse o lema inventado por Paulo, de que o marido é a cabeça da esposa. Fez com a mulher não tivesse seus direitos reconhecidos durante séculos, e ainda hoje faz com que ela tenha de lutar para ser reconhecida como ser humano integral, para mostrar que seu valor reside não somente no corpo, mas também na sua mente e espírito, tal qual o masculino.
Nesse ambiente de valores espirituais e civis tão distorcidos, a restauração da verdadeira Igreja Cristã através das Doutrinas da Nova Igreja é a restauração da possibilidade de perfeita harmonia entre fé e caridade, as duas como partes complementares de um todo inseparável. E será, também, a restauração da noção de um casamento ideal, de um amor verdadeiramente conjugal, em que o masculino e o feminino, marido e esposa, por meio da regeneração, fazem, ambos, um só anjo, por assim dizer, uma só Igreja, um só corpo espiritual cuja cabeça não é o marido, mas o Senhor, só.
Nesse ambiente, era inevitável que a mulher viesse a ver seus valores perdidos. As dracmas que ela tinha, dez, ficaram incompletas. Falta a ela alguma coisa enquanto esses valores não fores identificados e reconquistados.
O homem, o masculino, é o responsável por essas situações que colocam a mulher em desvantagem no relacionamento; ele é quem a submete a perdas. Mas quando a mulher adquire a consciência esclarecida dos usos masculino e feminino, essa distorção pode ser emendada.
Por que alguém perde alguma coisa? Por várias razões: porque alguém a subtraiu ou tirou do lugar; porque ela mesma não se lembra onde guardou; ou porque não zelou pelo valor que possuía. Assim, o homem dominador de nossa raça não é responsável sozinho; a mulher também o é, quando, conscientemente, permite que seus valores sejam espoliados. Além do fato de a sociedade preeminentemente machista e da fé-só lhe roubar direitos e valores, ela mesma também os perde e se deixa roubar.
Por causa dessa visão torcida, a mulher foi desde a infância criada e habituada à submissão  muitas vezes irracional; à aceitação de situações humilhantes; a remuneração menor e assim por diante. Em todos os níveis sociais e de educação, haverá sempre uma perda do lado feminino.
Na parábola, foi dito que a mulher perde a dracma. Aqui se fala, então, de algo que ela mesma perdeu. E perdeu dentro de sua casa. Então, a parábola nos chama atenção para situações de humilhação da mulher especialmente dentro da sua família. Há valores que a mulher perde diante do marido e diante dos filhos, tão somente porque ela se habitou a se submeter irracionalmente aos caprichos masculinos.
A mulher perde valores incalculáveis quando se deixa ser avaliada apenas quanto ao seu corpo. Ela perde quando põe na atração física toda a sua influência. A moça, solteira, quando acredita que pode conquistar mais facilmente o rapaz se se entregar às volúpias dele. Ela cede seu corpo esperando assim receber do homem algo superior em troca, como amor verdadeiro, garantia de fidelidade e exclusiva dedicação. Mas, inevitavelmente, ela nada obtém e somente perde nessa troca, porque, quase sempre, após a sujeição, ela é menos estimada e muitas vezes até desprezada. Essa história é mais comum do que se imagina e tem contribuído para que haja casamentos e relacionamentos infelizes, pois que começaram por uma troca injusta, onde houve perda de dignidade para satisfação de algum egoísmo.
A esposa perde também sua dignidade quando abre mão de uma posição correta, de um tratamento honroso, e se intimida diante do marido só para manter a paz e o amor no casamento. Mas o efeito é igualmente o contrário, porque assim ela contribui para que a injustiça prevaleça.
Devido à sua condição de tradicional inferioridade, aliada à sua real desvantagem física, essa situação de prepotência masculina e humilhante aceitação por parte da mulher, pode levar a situações cada vez mais graves de desconsideração, desrespeito e até de agressão física. Esta é a condição em que até o próprio respeito esta ausente.
Quando se cala diante da primeira ofensa, só para não perturbar a harmonia; quando se encolhe diante da primeira agressão física, a fim de não provocar escândalo, a mulher mesma está sendo negligente com os valores que deve defender. Ela já perdera a dracma e agora perde os últimos ceitis, os valores mínimos de respeito e de dignidade.
A Nova Igreja, em sua preciosa doutrina sobre o casamento, ensina que o amor verdadeiramente conjugal implica em que haja, antes de mais nada, a regeneração, cuja primeira coisa é a caridade, sendo desta a primeira coisa não fazer mal próximo. Abster-se de fazer mal ao próximo é o começo do respeito. O casamento se edifica sobre essa base bem sólida de respeito mútuo, antes de mais nada, em seguida de amizade, depois então do amor cristão, genuíno, verdadeiramente conjugal. Não pode existir casamento real onde falta o próprio respeito, onde a mulher não é propriamente respeitada e não se faz respeitar.
Mas a agressão à mulher não é somente física; é também moral e também espiritual. Uma mulher é agredida moralmente quando é bem tratada somente por causa do prazer físico; quando é tratada como serva, de cujas obrigações não se lhe admite desviar. E é agredida espiritualmente quando não é considerada como próximo, quando é traída pela infidelidade em pensamentos, intenções e atos.
A mãe perde seus valores diante dos filhos quando aceita calada uma resposta malcriada, quando deixa de exigir que sua palavra seja obedecida, porque, acredita, ama tanto os filhos que não os quer punir. Ao se deixar desonrar, ela se torna subserviente das imposições dos filhos.
A mulher que aceita passivamente a injustiça em relação à sua condição de mulher, esposa e mãe, vai aos poucos se anulando, se distanciando do que é realmente humano, à medida que abre mão dos valores justos. Ela perde sua dracma de amor próprio e dignidade. E quanto mais se submete, mais se envilece aos olhos de quem a subjuga, menos valor tem. Esta é a situação em que ela mesma não guarda sua dracma, e a perde dentro de sua casa. Em muitos casamentos, vemos com tristeza a mulher perder a própria dignidade tentando preservar algo que ela acredita ser nobre, mas que se trata apenas de convivência subserviente.
A Nova Igreja é vista espiritualmente como uma mulher, uma mulher vestida de sol, Noiva e Esposa do Cordeiro. Cabe a essa Mulher, a Nova Jerusalém, através da evangelização, da divulgação de suas Doutrinas Celestes e do testemunho vivo de seus membros, restaurar para o mundo o verdadeiro equilíbrio entre fé e caridade, a dádiva preciosa do amor verdadeiramente conjugal, a noção de um relacionamento possível que deve ser espiritual e eterno entre marido e esposa, ambos igualmente um, com o mesmo valor, diante do Senhor.
Na mesma razão, cabe, em primeiro lugar, à mulher da Nova Igreja restaurar esses valores dentro de sua casa. Restaurar a visão justa do que é a mulher, a esposa e a mãe. Cabe a ela, antes do homem, estar consciente para corajosamente impor os conceitos da verdadeira feminilidade, sem o quais a caridade nunca existirá. Cabe a mulher tomar a decisão de não permitir que as tendências irregeneradas masculinas continuem prevalecendo e espezinhando os valores verdadeiros femininos, tanto no plano espiritual como no moral e civil.  A esposa é a afeição da sabedoria do marido. Cabe a ela dirigir a inteligência do marido, para que não se torne fausto da própria inteligência e confirmação do amor de si.
A mulher pode fazer isso, porque ela recebe de Deus uma coisa que o homem não recebe: o amor verdadeiramente conjugal. O homem só terá o amor conjugal e só amará o casamento se o receber através da esposa. Lemos no livro “Amor Conjugal” que: “A conjunção é inspirada ao Marido pela Esposa segundo o amor da esposa, e é recebida pelo Marido segundo a sabedoria do marido. Daí vem que a inclinação para unir a si o marido é constante e perpétua na esposa; se no marido não há uma semelhante inclinação para com a esposa, é porque o homem não é amor, mas é unicamente recipiente do amor; e como o estado de recepção está ausente e está presente segundo os cuidados que se interpõem, conforme as mudanças de calor e de não calor na mente por diversas causas, e segundo os aumentos e diminuições de forças do corpo, as quais não voltam constantemente nem em momentos fixos, segue-se que a inclina­ção a esta conjunção nos homens é inconstante e alternativa”. (160).
Mas se a esposa não cultiva a busca da verdade, se não tem afeição por conhecer a verdade, para que seu amor seja esclarecido, como pode ela transmitir esse amor ao marido? Sem este empenho da esposa, nenhum casamento verdadeiro existe ou subsiste. Por isso o livro bíblico dos Provérbios afirmou sabiamente: “Toda mulher sábia edifica a sua casa; mas a tola com as próprias mãos a derruba. (Provérbios 14:1)”.
Então, é necessário que a mulher da Nova Igreja se volte sempre para a Palavra. “Acender a candeia” significa o auto-exame por afeição. “Acender a candeia” é examinar-se à luz da Palavra; examinar sua mente, seus pensamentos e intenções. É o auto-exame que todos nós, homens e mulheres, devemos fazer. Só pelo auto-exame à luz da Palavra, esclarecido pelas Doutrinas claras do Sentido Espiritual, é que se pode conhecer o próprio estado.
Quando procuramos por alguma coisa perdida, costumamos tentar nos lembrar onde foi que a vimos pela última vez. Às vezes é necessário voltar atrás, aos nossos antigos ideais, às promessas que um dia cultivamos de amor mútuo e de felicidade, aos planos compartilhados, ao amor inocente dos primeiros tempos, para descobrirmos onde foi que mudamos, o que fizemos, que hábitos nocivos adquirimos e que destruíram esses ideais, fazendo com que perdêssemos a visão. Isto é “varrer a casa”, porque “varrer a casa” significa percorrer toda a mente e examinar cada particularidade em que a verdade se acha encerrada”.
Em algum ponto, nos desviamos da verdade, da justiça, da retidão, até para beneficiar alguém. Em algum momento, fomos pela primeira vez indulgentes com o erro, e depois isto se nos tornou habitual. Fechamos os olhos para o erro alheio, porque pensávamos que isto era amor e caridade. Quando acendemos esta lâmpada, temos diante de nós, em toda clareza, o real sentido de nossas vidas, o propósito Divino para o ser humano. Quando essa luz se acende para nós, compreendemos cada vez mais claramente a relação perfeitamente Divina entre o masculino e o feminino, relação que, quando está na ordem, só pode produzir contentamento, pois é uma imagem dos três essenciais do Amor Divino: Amar os outros fora de si, querer ser um com eles e fazê-los felizes por si. No casamento, isto se manifesta pelo altruísmo de ambas as partes, pelo desejo pela conjunção de mentes e corpos, e pela vontade de se prestar bons usos um ao outro sem interesse de recompensa.
Esses valores estão ainda perdidos em muitos lares porque a mulher, ela principalmente, ainda não acendeu sua candeia, não varreu sua mente e não procurou por eles diligentemente.
Mas quando os encontrar, ela terá renovação de seu ânimo e se alegrará intimamente. “E achando-a, convoca as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque já achei a dracma perdida”. Luc 15:9.

Amém.
Lições: Lucas 15; da Bíblia: Prov. 14; Amor Conjugal 160