A música no culto

Sermão pelo Rev.Cristóvão R. Nobre
“Confessar-Te-ei com o instrumento do saltério a Tua verdade, ó meu Deus. Eu te salmodiarei com a harpa, ó Santo de Israel. Cantarão meus lábios, quando eu Te salmodiar, e minha alma, que redimiste” (Salmo. 147:7),

Como nesta passagem, é comum encontrarmos muitíssimas vezes na Palavra, mas especialmente nos Salmos, a menção aos cânticos que se entoavam na Igreja Israelita e Judaica e a uma grande variedade de instrumentos musicais no culto, para louvor ao Senhor JEHOVAH. Um outro exemplo é o último dos Salmos, o de número 150, bastante conhecido por nós, que cita: “Louvai-O com o som da trombeta, louvai-O com cítara e harpa, louvai-O com o adufe e a flauta, louvai-O com instrumentos de corda e com órgãos, louvai-O com címbalos sonoros, louvai-O com címbalos altissonantes...” (150: 3-5).
Pela grande ocorrência de passagens assim na Palavra, mormente do Antigo Testamento, concluímos  que a música tem a importância fundamental no culto do Senhor,. seja em sua manifestação em cânticos, seja nos sons dos tantos instrumentos de sopro, percussão e corda que são citados. Se é assim, é útil que meditemos hoje sobre esse papel da música em nosso ritual de adoração a Deus.
As Doutrinas Celestes da Palavra nos dão a explicação de a música aparecer tão freqüentemente nas Escrituras: tocada em instrumentos ou cantada, a melodia harmônica é o meio mais através do qual as afeições se manifestam. Até na fala, a entonação, o timbre ou melodia da voz, por assim dizer, é responsável por transmitir as afeições da pessoa, ao passo que a articulação da fala transmite os pensamentos. Ou, dizendo de um modo bem sucinto, as vogais da fala (que fazem a entonação) mostram a afeição, enquanto as consoantes conduzem o pensamento. É mesmo dito nos Escritos que algumas vogais se referem às afeições celestes e outras vogais se referem às afeições espirituais.
E como os sons são assim o meio por excelência de se manifestar a afeição, por isso é que a harmonia dos sons, como na música, e as suas variedades, porque são afeições arranjadas e ordenadas segundo uma regra determinada, correspondem aos estados de contentamento e alegria que vêm das afeições. E é porque carrega tanto de afeição que a música provoca no ouvinte afeições de toda espécie, elevando a mente às mais variadas esferas da vida. Os efeitos que a música provocam na pessoa não vêm do plano natural, mas do mundo espiritual. (Ver AC 8337).
Por isso é que é útil darmos atenção ao valor e o significado que a música tem em nosso ritual de culto ao Senhor. Por isso é necessária a ordem, quer dizer, a harmonia e o esmero no uso da música no culto, para que corresponda realmente às afeições espirituais que desejamos manifestar diante do nosso Deus. O bom uso da música, aliado à consciência das verdades da fé que sua mensagem expressa, pode-nos elevar a mente a um estado espiritual propício a que recebamos mais adequadamente a instrução espiritual, o conforto nas aflições, a paz nos perturbações e a coragem nos tempos de desânimo. Aliás, a associação existente entre a mensagem da letra e a melodia da música, que conduzem o entendimento e a vontade na música sacra, é referida no Salmo escolhido, porque diz: “Cantarão meus lábios, quando eu Te salmodiar, e minha alma, que redimiste”. Os lábios estão em lugar do entendimento, o pensamento na música, e a alma em lugar da afeição, a sua melodia. Neste caso, vemos uma manifestação plena de louvor a Deus, com os pensamentos do entendimento reformado e as afeições da vontade regenerada.
Mas nós não conseguiremos que a música exprima esses sentimentos se realmente não estivermos preparados e dispostos para que o culto seja verdadeiro. Sabemos que o culto real que se presta a Deus não é apenas com o ritual, mas antes com a vida de obediência aos ditames da consciência. A vinda para a Igreja é somente a conclusão, a finalização de um culto que foi iniciado durante a semana, em todos os momentos em que decidimos fazer escolhas pelo que é justo e verdadeiro, rejeitando o mal e o falso quando tivemos oportunidade de praticá-los. Se fizermos isso no dia a dia, nosso homem externo serão os lábios que se abrirão em culto que agrada a Deus, como incenso suave nos sacrifícios. E o homem interno será movido pela vida nova que o Senhor a cada dia nos inspira a viver.
É como dizer que a preparação para o culto começa dias antes. Quando entramos no templo do Senhor, estamos cumprindo nosso sabath, do nosso Senhor e Deus, descansando de toda a boa obra que tivermos efetuado nas lutas em prol de nossa regeneração.
E se o culto é o cúmulo de tudo isso, é justo que nos preparemos conveniente para que, mesmo nos atos externos, haja a ordem e as condições adequadas em que o culto interior irá se manifestar. A nossa mente externa precisa se preparar para a esfera do culto santo. E isto começa pelo respeito ao ambiente onde o culto a Deus se realiza. Este local deve ser reservado exclusivamente para o ritual do culto. Toda e qualquer falar pessoal deve ser na parte externa. O silêncio, no início e no fim do serviço, é importante para nos desligarmos das trivialidades, dos problemas e da agitação da vida do mundo natural. A disciplina durante o serviço, evitando se levantar e sair durante o serviço, são sinais de respeito ao momento. Além disso, precisamos nos habituar a fixar a atenção no que está sendo feito, no que está sendo lido ou pregado. A atenção não está nos olhos e nos ouvidos, mas na mente.
A atitude correta de nos aproximarmos do culto ao Senhor é com solene e sincera humildade, dando graças ao Senhor por Sua misericórdia infinita, porque, de nós mesmos, não seríamos dignos sequer de estar sob o mesmo teto que Ele, mas Ele nos recebe e nos exalta acima de nós mesmos. Aprendemos que o Senhor não necessita de louvores nem de coisa alguma do homem. Não fazemos favor nenhum a Deus nem ao ministro vindo à Igreja, mas somente a nós mesmos, a fim de recebermos o de que carece nossa vida espiritual. Essa devota e sincera humildade é a primeira coisa que devemos ter em mente para estarmos preparados para o culto santo. Em seguida, devemos ter em mente que louvamos ao Deus em ação de graças pelo bem que nos fez. Ao nos dar noção da existência espiritual, ao nos livrar da morte e dos infernos, ao nos conduzir à paz mesmo em meio às perturbações, o Senhor nos salvou, está nos salvando e ainda nos salvará. Temos uma infinidade de razões para bendizer ao Senhor, como diz o Salmo 103, se não nos esquecermos de Seus benefícios. Esta razão do culto se vê no Salmo de nosso texto, quando diz: “Cantarão meus lábios, quando eu Te salmodiar, e minha alma, que redimiste”, isto é, o cântico e o salmo é porque o Senhor redimiu.
Depois, a audição atenta e a leitura consciente das passagens das Escrituras que exprimem nossa fé diante dEle. E finalmente com uma música que seja harmoniosa e bem empregada, estará completa a preparação de nossos corações e mentes para a correta atitude de adoração.
É importante sabermos que mesmo o som dos instrumentos usados no culto tem essa faculdade de conduzir adequadamente nossas afeições. Nos Arcanos Celestes, n. 418 (?) encontramos a explicação de que os instrumentos de sopro e de corda representam, respectivamente, as coisas celestes e espirituais, porque os sons produzidos por esses instrumentos carregam tais afeições.
Lemos que os instrumentos, assim como os cânticos, são citados em conformidade com as coisas espirituais que eles representam. É por isso que as formas e os sons dos cânticos e dos instrumentos, exprimem afeições próprias e para elas conduzem. Os instrumentos de corda, como a harpa e o saltério, correspondem a afeições espirituais, as que se referem à fé, por sua natureza vibrante e sons ligeiros. E os instrumentos de sopro, como as trombetas e o órgão, por sua fluência suave, correspondem às coisas celestes e do bem. Evidentemente, a grande variedade dos instrumentos usados no culto se deve a variedade das afeições que eles representam. Semelhantemente, a variedade das formas dos cânticos exprimem a variedade do culto, que pode ser ou pelos veros da fé ou pelos bens do amor ou por ambos, em conjunção.
“As coisas espirituais ou os veros e bens da fé eram celebrados com a harpa, os saltérios, o canto e coisas semelhantes; mas as coisas santas ou os celestes da fé eram celebrados com os instrumentos de sopro, como as trombetas e semelhantes, razão pela qual havia tantos instrumentos ao redor do templo e tantas vezes que isto ou aquilo era celebrado por tais instrumentos. É por isso que os instrumentos estão em lugar das coisas mesmas que eles celebravam e pelas quais eram entendidos e tomados, como estas de que se está tratando”.
“Que o canto e o que lhe é semelhante signifique o espiritual, também tornou-se-me evidente pelos coros angélicos, que são de duplo gênero, celestes e espirituais. Os coros espirituais, por seu som canoro e ligeiro, ao qual pode ser assimilado o som dos instrumentos de corda, são bem distintos dos coros celestes, de que se tratará na seqüência, pela Divina Misericórdia do Senhor. Os antiqüíssimos referiam mesmo à província do coração o que era celeste e à província dos pulmões o que era espiritual; assim, o espiritual a tudo que pertence aos pulmões, como as vozes do canto e coisas semelhantes, e deste modo às vozes ou aos sons desses instrumentos. Isso, não só porque o coração e os pulmões representam uma espécie de casamento, como o do amor e a fé, mas também porque os anjos celestes pertencem à província do coração, e os anjos espirituais à dos pulmões. Que tais coisas se entendam aqui, pode-se saber por isto: o que seria a Palavra do Senhor, na qual não haveria vida alguma, se fosse narrado apenas que Jubal era o pai dos que tocam a harpa e o órgão? Nem seria útil a alguém sabê-lo”. AC 418
Como é evidente, nessa variedade dos sons dos instrumentos e das melodias da música, damos preferência a algumas e não somos tão movidos por outros, em conformidade com nossas afeições individuais. Daí existirem tantos instrumentos e tantos cânticos na Palavra, como também tantos cantores e músicos citados nos Salmos.  “E, de fato, a causa disso é que todo prazer celeste produz a alegria do coração que se manifesta pelo canto e, depois, pelos instrumentos de corda que acompanhavam e exaltavam o canto. Toda afeição do coração tem também a característica de produzir o canto e conseqüentemente todas as coisas que pertencem ao canto. A afeição do coração é o celeste, o canto que daí procede é o espiritual.”
É também evidentemente que, assim como o emprego adequado e harmonioso da música, dos instrumentos musicais e das cânticos, pode contribuir para exaltar uma espécie de afeição apropriada, a ausência da harmonia ou descaso com a ordem na música perturba a mente e desagrada.
Os cânticos podem ser mais cadenciados, marciais e vibrantes, de característica espiritual, ou seja, das coisas da fé, quando trata dos combates e vitórias do Senhor no homem, ou podem ser contínuos, brandos e suave, de característica celeste, das coisas do bem, tratando da paz e do refrigério após as lutas. Podemos observar que algumas músicas em nossa liturgia expressam nossa humilhação diante do Senhor e são súplicas a Ele, como o “Pai Celestial” e “Que darei eu ao Senhor”, ao passo que outras expressam exultação e alegria, e por isso devem ser mais cadenciadas, vitoriosas, como “Bênção e Glória”. Outras expressam a paz da alma e o descanso íntimo em que nos encontramos ao término do culto, como o “Orai pela paz de Jerusalém”.  A forma externa da música é, pois,  uma pura manifestação do que a alma sente.
De qualquer maneira, tem de ser harmoniosa, uníssona, todos cuidando para começar e terminar juntos as palavras e os versos, demonstrando a unidade do corpo da Igreja como um só Homem. E as palavras do cântico têm de corresponder às verdades e bens que elas realçam e manifestam. Cada forma de música ou de cântico, como se vê, exprime uma afeição particular. Se proceder do entendimento e também da vontade, há de se manifestar na forma externa correspondente.
Aprendamos a valorizar adequadamente a música em nosso ritual. Quando louvarmos a Deus com o cântico, procuremos fazê-lo com o melhor de nossa boa vontade e de nosso entendimento esclarecido. Prestemos atenção às letras dos hinos, porque são mensagens tiradas diretamente da Palavra ou então poesia em forma de orações que fazemos a Deus. Amém.
Lições: Salmo 147. AC 418


 

AC 418 “As coisas espirituais ou os veros e bens da fé eram celebrados com a harpa, os saltérios, o canto e coisas semelhantes; mas as coisas santas ou os celestes da fé eram celebrados com os instrumentos de sopro, como as trombetas e semelhantes, razão pela qual havia tantos instrumentos ao redor do templo e tantas vezes que isto ou aquilo era celebrado por tais instrumentos. É por isso que os instrumentos estão em lugar das coisas mesmas que eles celebravam e pelas quais eram entendidos e tomados, como estas de que se está tratando”.
“Que o canto e o que lhe é semelhante signifique o espiritual, também tornou-se-me evidente pelos coros angélicos, que são de duplo gênero, celestes e espirituais. Os coros espirituais, por seu som canoro e ligeiro, ao qual pode ser assimilado o som dos instrumentos de corda, são bem distintos dos coros celestes, de que se tratará na seqüência, pela Divina Misericórdia do Senhor. Os antiqüíssimos referiam mesmo à província do coração o que era celeste e à província dos pulmões o que era espiritual; assim, o espiritual a tudo que pertence aos pulmões, como as vozes do canto e coisas semelhantes, e deste modo às vozes ou aos sons desses instrumentos. Isso, não só porque o coração e os pulmões representam uma espécie de casamento, como o do amor e a fé, mas também porque os anjos celestes pertencem à província do coração, e os anjos espirituais à dos pulmões. Que tais coisas se entendam aqui, pode-se saber por isto: o que seria a Palavra do Senhor, na qual não haveria vida alguma, se fosse narrado apenas que Jubal era o pai dos que tocam a harpa e o órgão? Nem seria útil a alguém sabê-lo”. AC 418

“Os instrumentos de corda, como a harpa e outros semelhantes, significam as coisas espirituais da fé; isto se vê em muitas passagens. No culto da Igreja representativa, esses instrumentos, como também os cânticos,  não representavam outra coisa, donde havia tantos cantores e músicos. E, de fato, a causa disso é que todo prazer celeste produz a alegria do coração que se manifesta pelo canto e, depois, pelos instrumentos de corda que acompanhavam e exaltavam o canto. Toda afeição do coração tem também a característica de produzir o canto e conseqüentemente todas as coisas que pertencem ao canto. A afeição do coração é o celeste, o canto que daí procede é o espiritual.”