A Mulher Envolta pelo Sol

Sermão pelo Rev.Cristóvão R.Nobre

"E foi visto um grande sinal no céu: uma mulher envolta pelo sol, e a lua sob os seus pés, e sobre sua cabeça uma coroa de doze estrelas.
E estando grávida, gritava com dores de parto e atormentada para dar à luz”.

Apocalipse.12:1,2.

O sofrimento de uma mulher na hora do parto é uma condição que provoca em qualquer pessoa normal sentimentos de real solidariedade. Em geral, procura-se fazer tudo o que estiver ao alcance em favor da parturiente, para dar-lhe assistência, conforto, e um pouco de alívio do sofrimento. E quando nada há a fazer para ajudar, em geral as pessoas têm o bom senso de não atrapalhar a tarefa daqueles que a socorrem.
No Apocalipse, lemos a respeito de uma mulher que sofria, pois estava para dar à luz, e, além do sofrimento com as dores do parto, via-se ameaçada por um grande dragão, tão medonho e imenso que sua cauda arrastara a terça parte das estrelas e as jogara à terra. O dragão estava diante da mulher, pronto para lhe devorar o filho assim que este nascesse. Sem dúvida, uma situação aflitiva que clamava pelo auxílio de alguém. Surge então o socorro do Senhor, que arrebata aos céus o menino nascido, dá à mulher asas de águia para que ela fuja para o deserto, e manda seus anjos combaterem o dragão.
O que esta visão tem a ver conosco hoje? Qual é o seu significado para a vida cristã?
A tradição cristã tem interpretado literalmente esta passagem como sendo um relato dos eventos ocorridos na ocasião do nascimento do Senhor. Deduzem que, como o menino que estava para nascer iria reger o mundo com vara de ferro, ele só podia ser a pessoa do Senhor Jesus Cristo. Portanto, a tal mulher devia ser Maria, e Herodes seria o grande dragão, pelo que Maria e seu marido fugiram para o Egito com a criança.
Mas o entendimento deste texto à luz do sentido interno ou espiritual da Palavra nos traz um ensinamento diferente, muito mais aplicável relatado às nossas vidas. Aprendemos, pelas correspondências, que a mulher, aqui, como também em várias outras partes da Palavra, representa a Igreja. É, pois, a história de alguma ameaça que a Igreja sofre em certa fase de sua existência.
Do começo até o décimo primeiro capítulo do Apocalipse, o assunto de que se trata é a Igreja Cristã precedente, a saber, a Católico Romana e as Reformadas ou Evangélicas, como temos visto pelos estudos que temos feito aqui nesses últimos meses. Os diversos eventos relatados nessa primeira parte do Apocalipse expõem, portanto, o estado espiritual da Igreja Cristã, desvendando sua qualidade interior. A abertura dos selos do livro é o julgamento daquela Igreja, quando se faz uma separação entre os bons e maus cristãos, ou, segundo o Evangelho de Mateus, as ovelhas e os bodes que estavam respectivamente à direita e à esquerda do Senhor.
Uma vez que aquela Igreja foi julgada e consumada, o Senhor começou a criar uma nova igreja e um nova organização nos céus, “um novo céu e uma nova terra”, como disse: “Eis que faço novas todas as coisas”. Assim é que, agora, a partir do capítulo 12, o Apocalipse começa a descrever essa igreja cristã nova que o Senhor implanta no mundo, em lugar da precedente.
Essa nova Igreja é a que se chama “Nova Jerusalém”, Esposa e Noiva do Cordeiro,  no Apocalipse. Sua instauração teve início no dia 19 de junho de 1770, depois de obra do juízo ter sido acabada; naquele dia, o Senhor enviou Seus doze discípulos por todas as plagas do mundo espiritual anunciar aos cristãos remanescentes o evangelho de que o Senhor Deus Jesus Cristo reina, Aquele cujo reino será no século dos séculos. Com esses cristãos é que o Senhor iria começar a Nova Igreja nos céus e, em seguida, na terra. É esse fato marcante, ocorrido há 224 anos, que estamos hoje celebrando.
A Igreja do Senhor’, a verdadeira Igreja Cristã então nascida é uma igreja espiritual, vista descer de Deus através dos céus, porque está essencialmente nas almas das pessoas. É instaurada por Ele mesmo no coração de todo aquele que nEle crê e se lembra de Seus mandamentos para os cumprir. É composta por pessoas que pertencem a várias denominações religiosas cristãs, que vêm de diferentes formas de culto, de diversas práticas rituais, mas que têm, em comum, a fé viva no Divino do Senhor Jesus Cristo e a obediência aos Seus ensinamentos.
Essa Igreja espiritual está ainda em seu começo. Genericamente entendida, é uma igreja invisível. Ninguém pode dizer por certo onde ela está, pois isso depende da qualidade da vida espiritual do indivíduo, de seu modo de viver a Palavra. Se há vida cristã real, lá está a Nova Igreja; se não há essa vida, o que há é um culto morto e hipócrita que já foi julgado e condenado.
Como essa Igreja viria existir de forma não necessariamente visível, por isso o Senhor disse: “O reino de Deus não virá com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou, Ei-lo ali; não vades nem os sigais, pois eis que o reino de Deus está dentro de vós”. Tendo ciência disso, temos também a esperança de que, neste momento, estejamos fazendo parte dessa congregação espiritual da Nova Jerusalém, e é nessa direção que caminhamos segundo nossa fé. Sabemos que dessa Nova igreja  só faremos parte se vivermos a vida verdadeiramente cristã.
Mas a existe a Nova Igreja específica, onde essa igreja espiritual se manifesta visivelmente. Essa Igreja específica é aquela onde o Divino do Senhor é reconhecimento pregado, e onde Sua Palavra é lida santamente e vivida. Neste aspecto, nossa sociedade religiosa se propõe a ser uma igreja específica, uma das manifestações visíveis na terra da Igreja espiritual do Senhor, ciente de toda responsabilidade que isto implica.
Sendo, pois, a mulher do Apocalipse a representação da Nova Igreja, o filho que ela estava para dar à luz representa algo que essa Igreja gera ou produz. E o que uma Igreja produz é a doutrina de vida. A Igreja tem a missão de fazer espalhar no mundo à sua volta a luz de sua doutrina, da mesma forma que o coração espalha o sangue vital para todo o corpo. A igreja viva gera doutrina, que é a compreensão sã da Palavra Divina, luz para o entendimento das nações, e por essa luz os fiéis podem caminhar.
Mas, como a mulher grávida não gerou sozinha o seu filho, também a doutrina da Igreja não vem dela mesma, não vem do entendimento humano das pessoas que a constituem. Antes, a doutrina da Igreja é tirada da Palavra do Senhor, no Antigo e no Novo Testamentos, e por aí confirmada. Por conseguinte, a doutrina da Igreja cem do Senhor mesmo. O Senhor, através da Palavra escrita, e, em seguida, através dos sacerdotes ordenados e por Ele inspirados para esse fim, é Quem influi com Sua verdade nas mentes e corações de homens e mulheres da Igreja. E estes, pela meditação e pela aplicação à vida dos ensinamentos aprendidos, transformam essas verdades em frutos, em bens do uso.
Portanto, quando dizemos que a Igreja gera a doutrina, não nos enganemos em pensar na doutrina como sendo apenas o conjunto de pontos teológicos, mas como uma determinada maneira de viver, porque a doutrina é da vida e sem a vida a doutrina é vã. E qual a sanidade da doutrina, tal é a igreja.
Essa doutrina de vida da Nova Igreja pode ser resumida brevemente em cinco pontos apenas: 1- Há um só Deus, em Quem está a Divina Trindade, e o Senhor Jesus Cristo é este Deus.  2- A fé salvífica é a crença nEle.  3- Deve-se fugir dos males porque são do diabo e vêm do diabo.  4- Deve-se fazer os bens porque são de Deus e vêm de Deus.  5- O homem deve fazer estas coisas como por si mesmo, mas deve crer que é pelo Senhor que os bens estão nele e são feitos por ele.
São cinco pontos simples, cinco regras que, aplicadas à vida, fazem que ela seja verdadeiramente cristã. Cinco sentenças sobre as quais, porém, um universo inteiramente novo de teologia se edificou para o novo cristianismo.
Ora, sendo o filho que estava para nascer o símbolo dessa doutrina, o que representa o fato de a mulher sentir dores e estar atormentada para gerar esse filho precioso? Representa, evidentemente, a mesma dificuldade, as mesmas tentações espirituais que sofremos na mente quando nos propomos a fazer que a Nova Igreja desça e se concretize nos atos de nossa vida. Sempre que procuramos fazer algo que é realmente bom e útil, espiritualmente falando, ao invés de fazer aquilo que é do interesse de nosso próprio ego, enfrentamos essa mesma dificuldade. De fato, quando voltamos os olhos para um alvo além de nosso individualismo e, projetando ideais mais dignos de um cristão, nos levantamos acima dos sentidos corporais e dos interesses mundanos, como o paralítico de Cafarnaum, e queremos caminhar em direção a essa visão nova, então despertamos uma reação negativa, oposta, na mesma ou maior intensidade, de forças infernais que buscam impedir qualquer desenvolvimento espiritual de nosso ser, pois sabem que assim perderão sua morada e seu domínio em nós.
Como seres que herdaram inclinação predominante para o mal, somos atraídos sempre para o centro de nossos próprios interesses, e é quando queremos nos elevar para alturas mais humanas do amor a Deus e ao próximo é que sentimos o peso de nossas inclinações corrompidas, como poderosa força de gravidade que nos arrasta para o eu, o mundo, e, conseqüentemente, os infernos. Não quer que voemos, como a mulher que recebeu asas de águias.
Essa força que é contrária a qualquer progresso espiritual pode tomar várias formas. Pode ser abertamente inimiga, apresentando-se em forma de perseguição e de crítica que os outros fazem ao nosso modo cristão de viver. Quando sofremos tais perseguições, críticas e desprezo por causa de nossos princípios, é como se o grande dragão vermelho estivesse ali, bem visível, postado à nossa frente, com todas as suas cabeças e chifres. Não temos dúvida nenhuma de que é um poder infernal que almeja destruir nossos bens e verdades espirituais.
Mas essa força infernal também pode vir numa forma sutil de negatividade, quase imperceptível e por isso mesmo mais perigosa. É quando o mal vem escondido em muitas práticas aparentemente sem importância, em atitudes que queremos fingir que não fazem mal, que não destroem a vida de nossa espírito. Nesse caso, o dragão está invisível, mas sua ação é igualmente letal, como a de um vírus que não podemos ver, mas que pode estar lá, destruindo gradativamente os interiores do organismo. Porquanto os males que escondemos e desculpamos corrói os interiores, destrói-nos a consciência pouco a pouco até perdê-la completamente, quando então passamos a fazer abertamente o mal sem nenhum pudor.
Tanto o ataque manifesto dos infernos, vindo de fora, quanto a permissividade com o mal que vem de dentro são a atuação desse dragão vermelho, pois o dragão aqui representa a doutrina da fé separada da caridade. 
O dragão do Apocalipse usa, pois, essa oposição aberta, que é claramente reconhecida, por nós, quanto a oposição dissimulada, para nos convencer de que a vida de obediência aos mandamentos Divinos não tem tanta importância assim, já que temos a crença, a fé. Essa forma aberta é, pois, a pregação convicta da fé só, separada da caridade ou vida de combate ao mal, ou seja, que Deus contempla somente a nossa fé e não requer a obra para a salvação. Quando ouvimos tal pregação, não nos enganamos, pois o dragão vermelho se mostra ali, nitidamente, imenso, com toda a sua malícia, o que é representado pelo rio que o dragão ou serpente lançou de sua boca contra a mulher. Mas a terra abriu a sua boca e tragou o rio, quer dizer, a verdade natural, como encontramos na Letra da Palavra, é a defessa que aniqüila toda a falsidade que os infernos projetam contra a doutrina genuinamente cristã.
A outra forma, a oposição dissimulada que os infernos fazem ao nosso progresso espiritual, é igualmente perigosa, porque o inimigo se oculta sob vários argumentos que forjamos ou esculpimos para esconder ou mascarar um mal do qual não queremos nos separar. É o comodismo ou a conformação com o estado atual das coisas como satisfatórias, que estão boas assim como são. É como uma letargia, um estado espiritual estagnado, uma a frieza e a apatia espirituais.
Existe, portanto, uma variedade de meios de que os infernos se valem para atacar o novo estado de fé e vida que quer se fazer gerar em nós pelo Senhor. São esses ataques que tornam tão difícil a recepção da vida da Igreja e provocam dores na mente, remorsos de consciência, tormentos que foram comparados aqui às dores do parto da mulher. 
Os infernos estão incessantemente atacando o estado espiritual de todos na igreja. Por isso ela passa constantemente por dores comparáveis à do parto para gerar a vida espiritual, para crescer. A Igreja no plano geral e a que existe em cada um de seus membros sofre tentações espirituais, que é uma dor mental, para que sua regeneração progrida. Precisamos ter sempre ciência disso, nos lembrar de que a Igreja não é todo-poderosa, mas humana, uma mulher que sofre com as dores de parto ao mesmo que é ameaçada pelos infernos.
Precisamos muito, por isso, amar a Igreja como nossa mãe espiritual, pois em seu seio o Senhor agora mesmo está nos regenerando ou gerando espiritualmente. Precisamos nos lembrar de que a Igreja é composta por membros, outros indivíduos que têm as mesmas lutas que as nossas, que sofrem como nós sofremos para gerar seu desenvolvimento espiritual. Como um só corpo, a Igreja sofre quando um membro sofre, e se alegra com o progresso espiritual de cada um deles. Esse sentimento de solidariedade, de proteção de uns para com os outros, de amor mútuo é que deve existir nas pessoas que querem formar a Igreja do Senhor. Com essa união fraterna, teremos o consolo de saber que, individualmente, podemos receber através de nossos irmãos, solidariedade, compreensão e amparo em nossas próprias lutas espirituais, o conforto de saber que, em meio às nossas lutas individuais contra os infernos, haverá pessoas que desejam nosso bem e nossa vitória espirituais.
A Igreja, tanto a coletiva quanto a individual, precisa estar vigilante contra as diversas formas de ataque da falsidade de que basta crer, sem consideração ao modo de vida. E deve ser de ser ativa, resistindo corajosamente a todas as manifestações, abertas ou ocultas, do mal. Se deixar de ser vigilante e combativa, as inclinações meramente humanas, em que os infernos insinuam, acabarão triunfando e destruindo a vida da igreja na pessoa, porque o dragão está bem em frente, pronto para destruir a vida nova da caridade.
Por isso é que se diz que não é preciso se fazer nada para que os males triunfem sobre a vida espiritual: basta que se faça isso mesmo: nada. A inatividade do indivíduo será suficiente para torná-lo escravo e ter sua fé e vida novas devoradas num instante.  Ao passo que é preciso determinação, ânimo, disposição para trabalhar e vencer etapas espirituais, para que os males sejam removidos, os infernos sejam afastados, e a vida nova tome lugar em nossos corações e mentes. Com essa decisão corajosa é que a Nova Igreja aos poucos desce e se realiza nos atos da vida.
Se estiver alerta quanto ao mal e a devastação que o pecado pode causar à vida da Igreja, e se fugir do pecado como mal contra Deus, a igreja dentro de cada um de nós estará salva e protegida pela Senhor, segura, num lugar distante do ataque das falsidades infernais, por mais medonhas que elas sejam. E a vida resultante dessa consciência verdadeiramente cristã, quando finalmente se implantar, terá atributos de uma vida celeste, pelo que o Senhor a toma aos céus, onde estará a salvo, pois aprendemos nas Doutrinas que os infernos não ousam jamais atacar um bem que foi provado pela tentação e confirmado na vida.
Pensemos na Nova Igreja na sua forma geral e particular, em cada um de nós. Meditemos nas aflições inevitáveis por que ela tem de passar para que a vida verdadeiramente cristã se realize neste mundo em cada um de seus membros. E oremos ao Senhor pela vitória de Sua Igreja, pela paz de Jerusalém. Porque as dores da Igreja são muitas, mas terão um fim, quando nos transportarmos a vida eterna.
No Evangelho de João (16:21), o Senhor nos anima, dizendo: “A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque é chegada a sua hora; mas, depois de ter dado à luz a criança, já não se lembra da aflição, pelo prazer de haver nascido um homem no mundo. Assim também vós agora, na verdade, tendes tristeza; mas outra vez vos verei, e vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém vo-la tirará”. Amém.