A morte de uma criança

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre
adaptado do temo do livro do Rev. Chauncey Giles
“Our Children in the Other Life”

 

“Não é vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca”

(Mateus 28:14).

Sabe-se que aproximadamente um terço da raça humana morre na infância ou na juventude, antes de entrar na idade adulta. Qual é o destino de tão grande multidão de seres humanos? Muitos pais e mães devem ter um interesse pessoal nesta resposta, porque foram chamados a ceder um dos mais caros objetos de suas afeições para o Grande Pastor das almas.
Quando somos apanhados pela morte de uma criança e observamos esse evento trágico apenas do ponto de vista natural, surgem em nossas mentes questões que se nos apresentam como enigmas. Porque a morte de uma criança parece estar inteiramente contra a Ordem Divina, desafiar os propósitos da Criação, aniqüilar tantas esperanças e alegrias dos pais. É como se nos oferecessem um cálice de ricas bênçãos aos lábios mas esse cálice fosse arrebatado de súbito e espatifado na terra. Sentimo-nos como se Deus tivesse quebrado a Sua promessa aos pais.
No mundo tem havido e haverá milhões de mães que, como Raquel na Palavra, choram pela morte de seus filhos sem admitir consolação, porque eles já não mais existem. Os corações magoados perguntam por que o Senhor lhes concedeu uma bênção tão rica como um filho ou uma filha e logo em seguida a tomou? Por que Ele teria aberto em seus corações uma fonte tão profunda de alegria para depois transformá-la em fonte de amargura?
Essas indagações de uma coração ferido não podem ser respondidas do ponto de vista natural, desta vida. É preciso que examinamos este assunto a partir de princípios mais elevados. É preciso que se leve em conta os propósitos Divinos na criação do homem, a relação de Deus com o homem e Sua Providência em todas as atividades da criatura humana.
As Doutrinas Celestes da Nova Igreja nos ensinam que o propósito que Deus tinha em mente, ao criar o homem, foi a formação de um céu composto por seres humanos que pudessem ser receptáculos inteligentes de Seu Divino Amor e Sabedoria e, pela recepção e pelo exercício desse Amor e dessa Sabedoria, eles pudessem ser eternamente felizes e bem-aventurados.
A vida no mundo natural é apenas o começo de nossa existência e, por isso, apenas o começo da realização de um tal propósito. O corpo material é somente um revestimento temporário, as faixas em que o espírito infantil é envolvido para servir-lhe de proteção contra as condições adversas da existência terrena, como também um instrumento para que, pelos sentidos, o espírito recolha do plano material elementos que serão base de sua vida eterna.
A vista humana tende a enxergar apenas o imediato e o próximo. Se nós olharmos apenas para os aspectos terrenos e naturais da vida de nossos filhos, estaremos cometendo o mesmo erro de um agricultor que, ao semear o grão no seu campo, prestasse atenção somente na palha, esquecendo-se do grão que se transforma em pão e em uso.
Também cometemos o equívoco de supor que temos a propriedade absoluta de nossos filhos, que a vida deles pertencem a nós e que devem, por isso, estar sempre conosco. Eles sã nossos num certo sentido: nosso direito sobre eles é prioritário. Mas não são realmente nossos: são do Senhor. O Senhor no-los emprestou, no-los confiou e nos permitiu que fôssemos instrumentos para que Ele desse existência aos nossos filhos. Mas no-los confia e espera que os amemos, cuidemos deles como se fossem nossos. Para isso, o Senhor abre em nosso ser uma nova fonte de amor para que nos empenhemos nos labores de prover aos nossos filhos as suas necessidades. Mesmo assim, eles nos foram confiados para que os ajudássemos a chegar aos céus e não para que víssemos neles a realização de nossos próprios objetivos. Quando, por conseguinte, alguma causa natural ou acidental faz que o revestimento terreno fique inadequado para os usos deste mundo, o Senhor remove os seus espíritos para o mundo espiritual e os confia aos cuidados de outros seres que poderão continuar a obra de prepará-los para que sejam cidadãos inteligentes do reino eterno.
O Senhor jamais os arrebata de nossas mãos de forma arbitrária e tirana. Porque não é Ele a causa dos males como as doenças e os acidentes. A própria situação pervertida da raça humana fez que houvesse no plano natural as mortes trágicas e prematuras. O Senhor não manda males nem doenças. Ele é o Autor da vida e não da morte. Mas às vezes o mal sobrevem de uma forma que o Senhor não pode impedir, pois impedi-lo seria propiciar a existência de um mal maior. Então, a fim de impedir esse mal ainda pior, Ele toma para Si a criança e provê o bem para ela de outra maneira, fora do plano natural. Ele não aniqüila as esperanças dos pais, mas quando essas esperanças são abaladas pela morte, Ele as renova e as vivifica com a certeza da continuação da vida e do reencontro. Ele não fere os corações paternos, mas os conforta e cura-lhes a ferida.
É preciso corrigir o mal-entendido a respeito dos planos Divinos na criação de nossos filhos e a respeito das operações de Sua sábia Providência ao removê-los para a vida eterna, pois só assim estaremos em condições de entender o que essa mudança realmente é e o que ela pode trazer para nossa felicidade e a felicidade dos nossos filhos que foram prematuramente chamados para o mundo espiritual.
Quando consideramos a morte de uma criança a partir do ponto de vista espiritual, enxergamos um aspecto inteiramente diferente e novo. O que parece ser morte mostra-se, na verdade, como o começo de uma vida mais bela e mais feliz para eles. O que parece ser uma falha ou uma injustiça no plano Divino, é visto como um processo para a sua completa realização.
A Terra é a sementeira dos céus. A alma de uma criança não é como uma flor que cai da árvore e seca, mas como uma planta que é tomada com sua raiz e transplantada no Paraíso. É tirada da esfera pesada e nociva deste mundo e levada para o ar suave de primavera do mundo espiritual, onde todas as suas faculdades irão se desenvolver em ordem e harmonia.
As Doutrinas da Nova igreja nos dão clara convicção e imorredoura certeza desta questão que toca tão profundamente o coração dos pais. Elas nos mostram as coisas como realmente são, lançando luz na treva. Não somente nos dão resposta para os enigmas, confortam-nos o coração partido, saram nossas afeições feridas e nos mostram que o Senhor misericordioso, provendo para nossos filhos tudo o que é bom, quando eles são tirados de nossa companhia.
As Doutrinas nos dizem que todas as crianças que saem desta vida são salvas, sejam pagãs, sejam cristãs. Ensinam também que a criança é ressuscitada logo que morre, e é entregue a anjos do sexo feminino que, nesta vida, amaram ternamente todas as crianças e não somente as suas. Ensinam ainda que a criança, quando chega à outra vida, é igualmente criança, como a mesma ternura e o mesmo gênio infantil. A criancinha que sai dos braços de sua mãe para os braços dos anjos é a mesma criancinha indefesa, carente de cuidados, amparo e instrução. Se pudéssemos vê-la depois de terem deixado o corpo material, iríamos saber que continuam sendo a mesma, pois conserva os mesmos traços, o mesmo semblante - ela preserva sua individualidade distinta. Nada deixou para trás nem perdeu nessa passagem de uma vida imperfeita para uma vida plena.
E é porque a criança conserva a mesma forma, a mesma natureza, que ela conserva também desejos e necessidades. Por isso precisa de cuidados e instrução naquele mundo tanto quanto precisaria no nosso. O Senhor não a deixa órfã. Ele provê lares e educação para todas as crianças que para ali vão.
O mundo espiritual tem sido considerado pelas pessoas como uma coisa abstrata, um lugar habitado por seres sem essência, sem forma e por isso sem organização lógica e sem ordem. Por causa dessa idéia comum que se criou, é difícil de se acreditar que seja um mundo mais substancial do que este, e que todas as formas ali são perfeitas. Mas é assim mesmo. O céu é uma esfera de atividades, de usos voltados para fins particulares. Cada um precisa lá da ajuda dos outros mais do que precisa aqui, e, pela mesma forma, cada é mais útil a si mesmo e a todos do que jamais seria aqui.
O uso de cuidar e de instruir as criancinhas vindas do mundo é, pois, desempenhando por anjos com um carinho incomum, de uma forma sábia e eficaz, muito mais do que poderia ser feito aqui. Portanto, as criancinhas que são tomadas do seio dos seus lares e vão para o mundo espiritual não estão perdidas. São confiadas a anjos do sexo feminino que são suas mães adotivas, e esses anjos têm no cuidado dessas crianças o uso maior de suas vidas.
Esta idéia de o céu é habitado por seres realmente humanos, a idéia de que os anjos são pessoas, muitas delas sendo nossas conhecidas, parentes, pais e filhos, transforma toda abstração que se tinha do céu em realidade. A reunião de tantos entes queridos, a companhia que eles têm de nossas crianças, tudo isto faz do céu um ambiente familiar e amigo.
Sem isso, resta somente a concepção grosseira de seres descaracterizados esvoaçando, ou de uma multidão incalculável, sem face, reunida num lugar, esperando não se sabe que dia num futuro distante, um lar impessoal, uma vida vazia ou de incessante louvações.
Mas nossos filhos na outra vida são recebidos em lares, com toda a esfera de carinho, com todo conforto, com todo bem que um lar feliz pode trazer. Não há no mundo lares tão tranqüilos, tão alegres, tão cheios de beleza, tão radiantes de luz, de dentro e de fora, do Sol do mundo espiritual. Nossos filhos ali têm todo o carinho, todo conforto e estão livres do contágio de maus exemplos. A natureza infantil se abre nelas como flores se abrem num solo humoso numa manhã de primavera. Eles vivem numa atmosfera de amor e têm a lhes guiar uma sabedoria perfeitamente adaptada aos seus estados.
Assim vivem agora nossos filhos que foram levados prematuramente aos céus. Livres de toda enfermidade e dor, livres de toda perturbação e dano, desfrutando das alegrias de cada dia, serão pouco a pouco conduzidas a um bem maior por um processo continuado prazer. Eles crescerão numa juventude eterna de alegria, beleza, e bem-aventurança.
Pensemos no bem e na felicidade que eles encontraram e ainda encontrarão. E pensando no bem deles, consolemo-nos de nossa tristeza. Pensando num dia em que nos reencontraremos todos, consolemo-nos em nossa saudade. Tenhamos fé no Senhor e aceitemos a consolação de Sua Palavra, com o esclarecimento franco e verdadeiros das Doutrinas Celestes. Neles encontraremos paz e esperança. Porque, verdadeiramente, “não é vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca” (Mateus 28:14).

Lições:
Jeremias 31; Mateus 28:11-14
C.I. 329-332