Meninos no mercado


Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

E disse o Senhor: A quem, pois, compararei os homens desta geração, e a quem são semelhantes? São semelhantes a meninos que, assentados no mercado, clamam uns aos outros, e dizem:
Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamo-vos lamentações, e não chorastes.

Lucas 7: 31,32

O Senhor falava a respeito de João Batista e da natureza de sua missão. Os fariseus e doutores da lei haviam rejeitado o batismo de João; eles o desprezavam por seus hábitos peculiares: tinha um discurso rude, não comia pão nem bebia vinho; diziam que João tinha demônio. Mas o que de fato eles desprezavam eram a verdade da pregação de João Batista, que os chamou de raça de víboras. Mais tarde, apareceu Jesus, com hábitos diferentes: Ele comia pão com publicanos e pecadores, bebia vinho, e os judeus igualmente o desprezaram, dizendo: “Eis aí um homem comilão e bebedor de vinho, amigo dos publicanos e pecadores”.
Como afinal agradar àquela geração? Que mais o Senhor poderia fazer para que eles aceitassem Sua Palavra? Pois sempre teriam um argumento para se queixarem da forma como a verdade lhes era apresentada, quando o importante era o seu conteúdo, e este contrariava diretamente seus interesses egoísticos.
Os hábitos aqui referidos, de comer ou beber ou deixar de fazê-lo, eram representativos também, porque enquanto João representava a Palavra no sentido da Letra, o Senhor era a própria Divina Verdade. Rejeitar um e outro por causa de seus hábitos era, por conseguinte, a rejeição da Palavra por causa da natureza dela em si mesma. Por isso o Senhor os comparou a crianças cheias de vontade, às quais não se pode jamais agradar, por mais que se faça: “A quem, pois, compararei os homens desta geração, e a quem são semelhantes? São semelhantes a meninos que, assentados no mercado, clamam uns aos outros, e dizem: Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamo-vos lamentações, e não chorastes”.
As crianças ou meninos no mercado são representações das verdades e bens da inocência contidos na Palavra. O mercado, por ser um lugar onde se faz troca de bens e valores, isto indica que representa o plano do segundo racional da mente, o racional verdadeiro, que é formado pelas verdades da fé e que se chama consciência. Com efeito, é nesse racional ou consciência que a pessoa pondera, calcula, mede e avalia suas reais afeições como também os pensamentos delas derivados. É pela consciência que ela considera a vantagem de uma troca, uma substituição de valores e bens: cede algo que lhe parecia ser bom, para obter em seu lugar algo mais útil, que realmente é melhor pois é de necessidade vital. E é dirigida por essa consciência que a pessoa será levada a uma substituição de princípios e emoções; será levada a abrir mão de sentimentos que são nocivos à sua sanidade espiritual e moral; e finalmente adquirirá a caridade que vivifica o seu espírito pela eternidade.
O fato de as crianças no mercado tocarem flauta e cantarem lamentações representa, pois, as várias formas de apelo dessas verdades, dirigidos às nossas almas. A ordem da brincadeira era que dançar ao som da flauta, chorar ao ouvirem a lamentação. É a ordem da existência humana: que reajamos à instrução Divina adequadamente, que sejamos cooperadores do Senhor na Sua obra de nossa regeneração e salvação.
A flauta, como instrumento de sopro, representa na Palavra uma afeição celeste, porque seu timbre desperta afeições celestiais, diferentemente dos instrumentos de corda, que expressam afeições espirituais (AC 8337). O som da flauta emitido pelas crianças indica um tipo de afeição celeste, em que há inocência e pronta disposição em obedecer, por um amor simples como o de uma criancinha. Mas o fato é que as outras crianças não dançaram, significando que esse apelo ou essa afeição não foi recebido com simplicidade, com o desejo inocente de se deixar conduzir pela mão paterna de nosso Senhor. Embora doce e suave como o som de uma flauta, a Palavra muitas vezes não pode produzir na mente natural os sentimentos de amor que se expressam pela compaixão para com o próximo, misericórdia para com seu estado e desejo sincero de não fazer-lhe mal, mas fazer-lhe bem.
As lamentações que eram cantadas representam, talvez, verdades que não apelam tanto às afeições, mas ao reconhecimento de seu próprio estado. E quando se reconhece que nada se é, e se está condenado sem o socorro Divino, há que haver sincera humilhação, consternação, tristeza e remorso por causa das afeições e pensamentos irregenerados. Daí o choro, que responde à lamentação feita. Mas as outras crianças não choravam, representando que eles não se arrependeram, obedecendo ao que a verdade determinava.
João Batista, representando a letra da Palavra, o texto do Antigo e Novo Testamentos, é a Palavra tal como havia com os judeus e com os cristãos até aqui. Os homens recusaram-se a atender aos apelos da mensagem da letra, no Antigo, e depois, no Novo Testamentos.  Mas essa atitude refratária é ainda a de um grande número de pessoas, em relação à Palavra de Deus.
O estilo da letra da Palavra é muitas vezes desprezado e Rejeitado, quando não se quer moldar a vida para estar em conformidade com seus mandamentos. Para muitos, infelizmente, a mensagem da Palavra é desagradável, porque é admiravelmente simples: “Vai, e não peques mais”. Essa instrução é às vezes contundentes, quando se choca com nosso orgulho, quase sempre determinando coisas que são o oposto daquilo que agrada os sentidos e prazeres da criatura humana.
João pregava o Evangelho de penitência, renúncia aos amores de si e do mundo em primeiro plano. A letra prega a necessidade de renunciar-se a si mesmo, de se tomar a cada a dia a sua cruz e morrer a cada dia para que o novo ressuscite. Isto não é absolutamente prazeroso de se ouvir, porque, na realidade, a ninguém agrada renunciar suas posições, suas idéias, suas ambições, e seguir sem rebeldia, ao que a Palavra determina. Só com grande dificuldade, com lutas de tentação, é que podemos fazer isto.
Quando se ama a si mesmo em primeiro lugar, a verdade natural da letra parece muito dura, rigorosa e até ríspida, porque ensina que se deve amar o próximo mais do que a si mesmo. A mente natural não compreende como é possível esse amor e por isso acha fácil condenar a mensagem em si mesma. Não, necessariamente, falando contra a Palavra de Deus, mas falando contra sua interpretação, contra a instrução doutrinal da Igreja. A argumentação preferida é que a vida ditada na Palavra é impraticável, idealista e irreal. O erro, acredita-se, está na Palavra, ou então, nos ministros que pregam sua mensagem. É como os judeus diziam de João: “Tem demônio”. Com efeito, os ensinamentos da caridade espiritual para com o próprio parecem ruins para quem tem o propósito de amar a si mesmo acima dos outros, desejar ser maior que os outros e conquistar o mundo.
E depois temos a mensagem mais interior, do Sentido espiritual da Palavra. O vinho da verdade racional, dada na revelação do Segundo Advento. O Filho do homem, que apareceu nas nuvens do céu, nos Escritos da Nova Igreja. E muitos, diante dessa oura forma da Revelação da Palavra, se queixam: “É muito intelectual. É muito difícil de se compreender”. Ao invés de meditar sobre o bem que os ensinamentos do Senhor poderiam lhe trazer, os judeus também se queixaram: “Eis aí um homem comilão e bebedor de vinho, amigo dos publicanos e pecadores”.
Por isso o Senhor disse: “A quem, pois, compararei os homens desta geração, e a quem são semelhantes? São semelhantes a meninos que, assentados no mercado, clamam uns aos outros, e dizem: Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamo-vos lamentações, e não chorastes.”
Como os judeus daquela época, o homem comum de hoje – eu e você, membros da Igreja – temos repetidas vezes agido como as crianças no mercado. Primeiro, na infância e na adolescência, ouvimos ensinamentos que nos animam, que nos confortam, que nos inspiram a confiar, como criança, no amor Divino; a nos submetermos a Ele, e ao Seu jugo suave; a que não nos desviemos de Seus caminhos; mas ignoramos esse apelo, porque queremos viver nossa própria vida, fazer nossa própria vontade e raciocinar pelos nossos próprios princípios. Ouvimos a melodia suave da flauta, mas não respondemos.
Depois, quando amadurecemos para o mundo, perdemos a inocência, aprofundamo-nos nos tantos sentimentos nocivos, a  mensagem se nos torna mais grave, mais séria, não mais música, mas lamento. Esquecemo-nos, porém, como se chora.  E  nos recusamos à contrição por causa de nossas iniqüidades. Porquanto a letra da Palavra contraria nossa soberba, nossas ambições, expondo-nos com a rigidez de espada os Mandamentos Divinos; exorta-nos ao arrependimento, e isto nos causa humilhação, quebrantamento do orgulho, remorso, e por fim lamento por causa de nossos pecados condenáveis. Mas, como aquela geração rebelde, também nós não nos deixamos convencer a respeito de nossos erros e nos mantemos empedernidos em nossas razões, nossos sentimentos.
Como os meninos do mercado, há pessoas que se acham entediados com a instrução da Palavra; não lhes interessa seus apelos; não lhes apetecem os seus bens. Não querem responder ao seu chamamento Divino, não importa qual seja a forma com que se lhes apresenta.  Pois a Revelação Divina toma diferentes formas, a fim de atingir o coração humano. Ora com determinações taxativas, duras e cortantes dos Dez Mandamentos, para que não tenhamos dúvida quanto ao que é o pecado. Ora com exortações ameaçadoras nas profecias de cruentos flagelos, para que tenhamos temor da perda de nossas almas. Ora com a brandura e a suavidade de histórias que falam de coragem, de amor eterno, de confiança e de esperança, para nos alentar quando nos vemos vencidos.
A Revelação da Palavra na letra, João, está em sua simplicidade de linguagem, e aí falando de diferentes modos: leis, histórias, exemplos, admoestações, advertências, poesias. O Senhor quer nos tocar de todas as maneiras, dirigir-Se a todos os nossos variados sentimentos e em todos os estados de nossa vida. E a Revelação em seu Sentido espiritual, os Escritos, apela com razões, proposições que em seguida são provadas, argumentos claros dirigidos ao nosso racional.
E ainda assim, muitas vezes, rejeitamos a todo apelo Divino. Nem dançamos de regozijo nem choramos com as lamentações. Seria tão difícil responder ao Senhor. Afinal o que Ele quer de nós, de tão árduo, que tantas vezes custamos a entender. O que o Senhor quer de nós? Lemos em Miquéias 6: 8: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a beneficência e andes humildemente com o teu Deus?”
As verdades provenientes da Palavra, os livros de instrução, as pregações da Palavra feitas pelos ministros da Igreja são para nenhum outro fim que não a nossa salvação. Temos de ser colaboradores do Senhor nessa obra. Não façamos jamais esse trabalho ser mais difícil, mais ingrato, mais penoso do que já é para o nosso Senhor Jesus Cristo, nosso Deus Criador, Redentor e Regenerador.  Se formos refratários à Sua mensagem, que mais o Senhor poderá fazer por nós?
A obra de criação mais difícil, o milagre mais admirável, é a regeneração do homem, a criação de um novo ser. É implantar uma vontade nova contrariando a vontade própria da criatura humana. É convencer o entendimento do indivíduo de que o rumo que ele segue é do erro, que o que ele ama e chama bem é de fato mal e infernal. E que o verdadeiro bem, que ele rejeita ou do qual não faz caso, é o bem real, consiste na sua própria salvação, conquanto lhe pareça, a princípio, grilhão, mutilação e morte.
Mas quem quer perder sua alma, afinal? Quem quer dispor de tudo quanto tem para seguir o Senhor? O orgulhoso está muito satisfeito, instalado em sua grandeza, importante de mais aos seus próprios olhos para se misturar aos outros, que ele julga inferior. E em sua sandice, em sua soberba, despreza os que ele julga ser inferiores. Deleita-se na sua loucura. Como lhe incutir o sentido real da humildade, a noção certa de que nada é, porque só Deus é?
O devasso fareja a lubricidade em toda parte. O deboche lhe agrada os sentidos. O prazer da carne, separado do amor conjugal, é o prazer de sua vida, ainda que seja sua morte e seu fim. Como mudar isso? Como lhe mostrar que o uso do amor do sexo é a felicidade que só pode ser alcançada no casamento, que em si é espiritual e santo?
O glutão, o preguiçoso, o maledicente, o hipócrita, o avaro, sabem por certo que estão no mal, mas distorcem a realidade para se escusarem aos seus próprios olhos. Como lhes fazer ver o prejuízo de seus males? Como lhes tirar da letargia de suas condições? Essa luta, para mudar a natureza humana, é a luta que o Senhor trava por nós. Realmente, é a luta que o Senhor travamos todos os dias dentro de nós, combatendo nosso eu real. Nós somos esses indivíduos que não querem abrir mão de tantos delitos, a despeito da insistente invocação da Palavra. Ouvimos o som da flauta e não dançamos, cânticos de lamentação, e não choramos. Em nossa consciência, ouvimos a voz da justiça, da retidão, a voz de Deus, a voz das verdades genuínas chamando-nos a fazer mudanças, substituições, chamando-nos à vida.
Motivar alguém a fazer o que é bom é impossível, humanamente falando. Nem o Senhor pode nos motivar a coisa alguma. Os motivos são fruto de nossa escolha; e em primeiro lugar são para nós mesmos e o nosso favorecimento antes de qualquer outra coisa. Esses motivos só são mudados quando permitimos que o Senhor faça isso e cooperamos com Ele nessa árdua tarefa. Se quisermos abrir mão do que é impróprio e quisermos adotar o que é realmente bom, e nos motivarmos a isso, então o Senhor pela Palavra, estimulará os nossos motivos. Mas responder aos estímulos, isto cabe a cada um de nós. O Senhor não o faz por ninguém, porque nisto consiste a liberdade da criatura humana. Dançamos ou choramos, ou nos recusamos a fazer uma coisa ou outra.
É sabido que só há um pecado que Deus não pode perdoar: o pecado de não se aceitar o Seu perdão. E o homem não aceita o perdão Divino quando não aceita a obra de regeneração, que o afasta do mal. É isto que se entende pela blasfêmia contra o Espirito Santo, porque o Espírito Santo é a própria operação do Senhor. É fazer ouvidos surdos aos apelos da Palavra, em sua infinidade de modos, ouvir suas lamentações e não se contristar pelos males; entender a voz de seu cânticos e não mover nossas mentes e corações ao som de sua melodia.
“O, vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do SENHOR que nos criou. Porque Ele é o nosso Deus, e nós povo do Seu pasto e ovelhas da Sua mão. Se hoje ouvirdes a Sua voz, não endureçais os vossos corações...” Salmo 95. Amém.

Lições: Lucas 7: 24-35;  AE 790 (8) [10]

Apocalipse Explicado 790 (8) [10] - Cumpre saber que [...] a formação das duas mentes com o homem vai de sua infância até à velhice, e depois pela eternidade; e algumas vezes da meia idade do homem até à sua idade avançada e depois pela eternidade... E a medida que o homem é formado, assim é aperfeiçoado em inteligência e sabedoria e se torna homem. Pois nenhum homem é homem por sua mente natural; antes, por ela ele é uma besta; mas ele se torna homem por meio da inteligência e da sabedoria provenientes do Senhor, e tanto quanto ele é inteligente e sábio, mais é belo e um anjo do céu. Mas tanto quanto ele rejeita, sufoca e perverte as verdades e bens da Palavra, e assim do céu e da igreja, e por isso rejeita a inteligência e a sabedoria, mais ele é um monstro e não homem, pois mais é um diabo. Por aí se pode ver que o homem não é homem por seus pais, mas pelo Senhor, de Quem ele nasce e é criado de novo. Isto é, portanto, a regeneração e a nova criação.

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