O Sermão Profético em Mateus

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

“Dize-nos quando serão estas coisas,
e que sinais haverá da Tua vinda e da consumação do século?”

Mateus 24

A Palavra do Senhor é viva e espiritual. Em todas e cada uma das coisas, até nas menores e aparentemente insignificantes, existe uma correspondência de coisas interiores do céu e da Igreja. Isto ocorre também, evidentemente, neste Evangelho, de Mateus. Esta parte de Mateus, chamada “sermão profético” nos chama em especial a atenção, porque é comum as pessoas se basearem aqui a expectativa de coisas que irão acontecer no plano natural.
Acredita-se que, aqui, o Senhor está falando de um tempo em que o mundo será destruído e se fará um grande juízo de todos os habitantes do planeta. Seguindo-se grande destruição dos elementos. Dá-se, no entanto, que, considerando-se apenas o sentido literal, e tomando-se como verdades nuas as coisas aqui descritas, tem-se encontrado também alguma contradição com o todo da Bíblia, além de algumas impossibilidades físicas e mesmo uma certa irracionalidade e incoerência com a própria justiça de Deus.
Nada melhor, portanto, que procurarmos fazer um exame destas profecias apocalípticas à luz do seu sentido espiritual.
O capítulo de Mateus 24 começa dizendo que “Jesus ia saindo templo”. O Senhor tinha estado falando aos escribas e fariseus, quando descrevera, por símbolos, o estado desolador da Igreja Judaica, da qual eles eram representantes. Aquela Igreja chegava agora ao fim de sua dispensação, porque dali em diante cessaria o culto meramente externo e representativo, característica daquela Igreja, pelo fato de o Senhor não estar mais presente num Humano representativo no mundo, mas em Seu Humano mesmo. O estado espiritual daquela Igreja era de desolação porque rejeitava as verdades interiores da Lei Divina que o Senhor ensinava. Por conseguinte, foi dito que “Jesus saía do templo”, mostrando-nos que o Senhor não mais estaria presente na Igreja Israelita e Judaica e naquela forma de culto, mas ergueria uma nova Igreja, mais interior, cuja fé era que Ele, Jesus, era Filho de Deus.
“Aproximaram-se dEle os Seus discípulos, para Lhe mostrarem a estrutura do templo. Jesus, porém, lhes disse: “Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre que não seja derribada”.  As “pedras”, na Palavra, representam verdades da fé. Como eram pedras do templo, elas representam aqui as verdades da fé da dispensação judaica, organizadas em forma de uma doutrina aparentemente bem estruturada, porque se baseava na Lei do Antigo Testamento. Mas esses doutrinais seriam abalados e postos abaixo um a um, porque estavam assentados na tradição e na interpretação interesseira da Lei de Deus, ignorando a essência dessa Lei, que era o amor ao próximo. Pelas tradições eles invalidaram as leis, como disse o mesmo Senhor. Uma doutrina edificada e baseada apenas no conhecimento e na fé, que olvida o sentimento e a caridade, não prevalece diante de Deus. Uma igreja assim é como a noiva insensata que tinha a lâmpada mas não o azeite. Há um princípio fundamental que precisa ser aceito e cultivado, de que Deus é Amor e Sabedoria, e que, por conseguinte, os que são da Igreja devem ser Sua Imagem, Caridade e Fé. Sem a observância disso, todos os outros doutrinais se dispersam por si sós, sem que fique “pedra sobre pedra”. Sem a adoção do amor espiritual para com o próximo na vida,  mais ou cedo ou mais tarde todos os princípios humanos se desmoronam.
Saindo dali, é dito que o Senhor foi e assentou-Se no Monte das Oliveiras; os discípulos vieram até Ele e perguntaram, em particular: “Dize-nos quando serão estas coisas, e que sinais haverá da Tua vinda e da consumação do século?”  O discurso que Ele passou a proferir no Monte das Oliveiras foi somente para uns poucos, Pedro, Tiago, João e André, segundo lemos em Marcos 13:3. De novo vemos estes discípulos especialmente citados, porque, como sabemos, eles representam as condições que devem necessariamente existir na Igreja para que ela atinja a inteligência espiritual da Palavra. Eles são: a Fé, o Amor, as Obras da Caridade e a Obediência à fé . Estes discípulos “chegaram-se a Ele em particular”, porque aqueles em que há esses atributos espirituais aproximam-se do Senhor e estão em íntima comunhão com Ele, como no lugar santíssimo do tabernáculo.
O Monte das Oliveiras representa o amor celeste, porque o “monte” ou a “montanha” na letra da Palavra corresponde à elevação do amor (ou bom ou mal), e a “oliveira” representa o celeste. Assim, o “Monte das Oliveiras” significa o amor celeste, que é o amor para com o Senhor. O fato de Ele estar assentado a ensinar dali, representa que Ele, a partir dos íntimos de Seu amor, profere as verdades supremas de Sua Divina Sabedoria.
Como os discípulos aqui representam a Igreja como um todo, a pergunta que eles fazem ao Senhor a respeito dos acontecimentos futuros significa o desejo da Igreja de receber instrução acerca de seus estados espirituais. A instrução do Senhor à Sua Igreja é quanto às coisas espirituais e não quanto às coisas terrenas, porque Ele sempre elevava para as coisas espirituais o assunto das perguntas que Lhe eram feitas. Desejar saber sobre o “tempo” significa, pois, desejar conhecer os estados. “Os estados são para a Igreja e para a alma assim como o tempo é para as coisas do mundo e do corpo”.
Assim, falando dos tempos de Sua vinda e da consumação do século, o Senhor principiou alertando: “Acautelai-vos, que ninguém vos engane; porque muitos virão em Meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a muitos”. Esta exortação é muito necessária em todas as matérias de interesse espiritual e eterno. Os discípulos são aqueles princípios e elementos do Senhor que formam a Igreja, e, concretamente, as pessoas da Igreja que têm esses atributos espirituais. Essas pessoas precisam estar alertas porque, no fim da dispensação cristã, haveria perversão generalizada dos ensinamentos do Senhor. Muitos ensinamentos se arrogariam autoridade e procedência Divina. Princípios, dogmas e doutrinas humanas se intitulariam Divinas, enganando a muitos. A falsificação dos veros da Palavra são os muitos falsos Cristos hoje existentes, ensinos que o Senhor não proferiu, doutrinas estranhas ao amor e à fé genuínos. Falso Cristo é todo ensinamento falso mas que aparenta ser verdadeiro, todo ensinamento que se afasta da idéia de que Jesus Cristo é o próprio Deus conosco, a Palavra que era Deus e Se fez carne e habitou entre nós.
“E ouvireis de guerras e de rumores de guerras; olhai, não vos assusteis, porque é necessário que  tudo isto aconteça, mas ainda não é o fim”. Guerras existem desde que o mundo é habitado pelo homem. Em todas as épocas da era Cristã, os interpretadores do Evangelho têm afirmado e crido que as guerras de seu tempo são as tais de que o Senhor falou. Mas, novamente, é preciso lembrar que as palavras do Senhor “são espírito e são vida”. E mais, que “tudo o que Ele falava era em parábolas, e sem parábolas nada lhes falava”. Assim, visto que o sermão profético é espiritual, essas guerras significam combates não neste mundo, entre reinos e governos políticos humanos, mas no plano espiritual,  como escreveu um dos apóstolos: “Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos celestiais” (Efésios 6: 12).
As guerras que surgem na Igreja são contendas de opiniões e também conflito de paixões, e isto acontece não só entre as pessoas, mas especialmente entre crenças opostas num mesmo entendimento e afeições contrárias numa mesma vontade. Estas são, de fato, as guerras e os rumores de guerra que importam para a eternidade, porque a vitória ou a derrota nelas é que pode levar a criatura humana para o céu ou afastá-lo de lá. No começo, quando está sendo reformada quanto ao seu entendimento, e mais tarde, quando está sendo regenerada quanto à sua vontade, muitas e muitas vezes, todos os dias, a pessoa se sente em meio a essas guerras espirituais, sentindo de um lado as influências malignas dos infernos e, de outro, a operação redentora do Senhor através dos anjos. A pessoa sente em sua consciência os reflexos medonhos de um combate entre o anjo Miguel e Satanás, pois este último tem de se precipitado dos altos lugares, as regiões celestiais, que ocupa na mente e na vida da pessoa. Muitas vezes, esse combate é cruel e leva ao desespero, porque na pessoa há amores opostos, o amor que deve ser renunciado e crucificado é a sua própria vida, e ela ainda não sente nenhuma afeição real pela vida celeste.
Mas esses combates são absolutamente necessários, porque é por eles, os combates de tentação, que a pessoa será transformada quando ao querer e ao agir, ao pensar e ao falar, e nascerá de novo no Senhor. E porque são necessários é que o Senhor nos anima dizendo: “olhai, não vos assusteis, porque é necessário que  tudo isto aconteça, mas ainda não é o fim”.
“Porquanto se levantará nação contra nação, e reino contra reino, e haverá fomes, e pestes, e terremotos, em vários lugares. Mas todas estas coisas são o princípio das dores.”  “No sentido espiritual das Escrituras, “nações” significa os que estão no amor do mal e, abstratamente, o mal mesmo como objeto de amor; e “reinos” ou “povos” significa aqueles que estão nas crenças errôneas e, abstratamente, o erro ou a falsidade em que eles acreditam”. Isto indica que as “guerras” na Igreja não seriam apenas divergência de opinião, mas conflito entre males e bens, e entre males de uma espécie contra males de outra espécie. “O princípio das dores” significa que este é o primeiro estado de devastação da Igreja, a saber, quando não se sabe mais o que é vero e o bem, mas começa-se a disputar sobre isso e rejeitar o que é genuinamente bom e verdadeiro. Dessa ignorância é que procedem enganos de doutrina e erros da vida. É o princípio das dores, dor para a religião e dor para a alma humana”.
Mas vem então um segundo estado de degeneração espiritual: “Então vos hão de entregar para serdes atormentados, e matar-vos-ão; e sereis odiados de todas as gentes por causa do meu nome. Nesse tempo muitos serão escandalizados, e trair-se-ão uns aos outros, e uns aos outros se aborrecerão. E surgirão muitos falsos profetas, enganarão a muitos”.  Como os discípulos representam os princípios essenciais de fé e caridade da Igreja, estas palavras do Senhor descrevem como estes princípios são considerados numa Igreja devastada, quando seus membros não conhecem mais o ensinamento genuíno da Palavra e ignoram o que é o amor espiritual para com o próximo. “Afligir, matar e odiar os discípulos significa perverter, negar e profanar os atributos espirituais que eles representam”. Com efeito, aqueles que praticam os males e desprezam a justa instrução são os que odeiam e perseguem espiritualmente. Os males que ainda permanecem não removidos da vontade humana, e os enganos da crença falsa no entendimento são esses inimigos dentro das portas, odiando e aspirando desejos de morte para vida nova que nasce no indivíduo que está sendo regenerado pelo Senhor.
“Falsos profetas” significam não somente os falsos mestres, mas também os princípios falsos que eles pregam. O verdadeiro reconhecimento do Senhor Jesus Cristo é o reconhecimento de que Ele mesmo é o nosso Deus visível, e não há outra Pessoa Divina além dEle. Quem não crê nisso, crê numa pluralidade de pessoas e, assim, de deuses, ou então atribui ao Senhor Jesus qualidades meramente humanas, negando Sua divindade. Estes ensinamentos acabam seduzindo a crença humana quanto a todas as demais coisas, porque a idéia de Deus é a fundamental e a primeira de todas as idéias na mente. Se ela for falsa ou obscura, todos os outros conceitos e crenças estarão em erro e obscuridade.
O aumento do falso ensino e do erro faz com que brote a iniqüidade, porque, não havendo profecia o povo se corrompe. Sendo muitos e variados os ensinos, cada qual escolhe a verdade que mais lhe convém, e o mal acaba encontrando aceitação e confirmação na própria crença religiosa. É por isso que o Senhor acrescentou:  “E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos esfriará”.  É evidente que o amor aqui citado é o amor espiritual na Igreja, que é o amor genuíno para com o próximo.
Ao nos falar dos estados espirituais da Igreja em geral, o Senhor nos está advertindo para que tais estados não sobrevenham à Igreja interna, em cada um de nós. E também está-nos encorajando para que permaneçamos fiéis aos princípios de vero e bem de Sua Palavra, ao nos dizer: “Mas aquele que perseverar até ao fim será salvo”. A salvação será conseqüente da obediência e da fidelidade no suportar  a todas estas lutas espirituais.
Para sermos salvos da devastação e da corrupção espiritual deste século não basta sairmos de uma organização religiosa e irmos para outra, mas é necessário que sejamos zelosos no exame da Palavra, na meditação de todo ensinamento a fim de verificarmos atentamente na Lei Divina sua veracidade. É necessário que provemos todo espírito, quanto a verificar se procede de Deus, se nos leva ao reconhecimento do nome do Senhor Jesus Cristo acima de todos os nomes, o que é possível se Ele for reconhecido como nosso Deus. É preciso, em suma, perseverar em todo ensino verdadeiro e constantemente combater em nossos atos e intenções toda influência infernal. Se fizermos isso, os valores espirituais da verdadeira vida cristã, aqueles representados pelos discípulos do Senhor, estarão sempre vivos, livres e atuantes em nós. Amém.