Maria e a concepção

Sermão pelo Rev.Cristóvão R.Nobre

"Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus"

Lucas 1:35.

A falta de compreensão a respeito de como Maria concebeu e gerou o Senhor Jesus Cristo fez o mundo cristão católico atribuir erroneamente a ela valores e atributos que pertencem unicamente a Deus. As doutrinas espirituais da Palavra nos esclarecem como foi o milagre da concepção e que papel Maria desempenhou no Advento do Senhor ao mundo.
Seis meses depois de Elizabeth, já em idade avançada, ter concebido o menino João Batista, conforme o anjo Gabriel anunciara a Zacarias, esse mesmo anjo foi enviado a levar uma grande notícia a Maria. Ela vivia em Nazaré, um vilarejo que ficava nas colinas da Galiléia, habitada por gente de condição humilde, uma cidade tão sem importância, que levou Natanael a dizer: "Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?" (DeCh.)
É dito que Maria era desposada com José. Entre os povos orientais e antigos, assim como entre os judeus, os casamentos eram arranjados pelos pais; o acordo entre as famílias era confirmado por um compromisso solene. Geralmente, um ano antes da data do casamento realizava-se a cerimônia do esponsal, consistindo em um acordo escrito entre as partes, acordo esse que era selado e confirmado pela entrega de uma jóia de prata pelo noivo à noiva, o que era feito diante de testemunhas. Às vezes pagava-se também um dote, durante determinado tempo. Sendo assim, a moça esposada era tida como casada, legal e moralmente, embora não houvessem ainda entrado em núpcias. Além do esponsal, não havia mais outra cerimônia ou solenidade, mas apenas a festa do dia nupcial. O esponsal era um compromisso mais sério que o nosso noivado, a tal ponto que um esponsal só podia ser desfeito pelo divórcio. O homem que atentasse contra uma moça esposada estaria sujeito a pena de morte. Semelhantemente, a infidelidade da moça nesse estado era já considerada adultério, punido pela morte por apedrejamento.
José e Maria eram descendentes de Davi e poderiam com razão ambicionar para si ou para seu herdeiro o direito ao trono de Judá. O fato de eles terem esse direito era importante, pois Jesus Cristo devia nascer de linhagem real, como justo herdeiro ao trono de Israel.
No estado do esponsal ou pré-nupcial, o amor conjugal ativo estava para ser desperto em Maria, como também o amor materno. Nesse estado, ela representava pois a afeição da verdade, isto é, o desejo do bem de se unir à verdade, representada por José. Aí havia, então, o representativo da fé conjunta com o bem, ou seja, o representativo do estado em que o Senhor pode ser recebido.
A condição de Maria era, portanto, de legítimo casamento com José; em sua mente e seu coração, ela era a esposa dele e assim a sociedade a considerava, embora não estivessem ainda efetivamente casados. Era nesse estado legítimo de casamento que convinha ao Senhor nascer neste mundo. O Senhor quis nascer no mundo natural para assumir aqui o Humano, revestindo-se assim de elementos naturais para que dessa maneira pudesse estar presente com o homem também no natural. Como Ele age somente dentro da ordem, Ele teve de nascer como toda criança: teve de ser concebido, gerado e criado, segundo a ordem, senão Seu Humano não seria Humano.
Havia uma diferença, porém, em relação ao homem, pelo seguinte fato: a mulher através de quem o Senhor devia nascer não podia ter recebido ou estar recebendo a semente humana do marido nem de homem algum, senão o humano assim gerado seria meramente humano e finito. Só um Pai Divino poderia gerar um Humano que pudesse se tornar também Divino. O Senhor, mesmo, tinha de causar em Maria a concepção desse Humano. Por uma ação interior, por uma via de acesso vinda dos íntimos da alma de Maria, o Espírito do Deus de toda Eternidade, JEHOVAH Criador, desceu em Maria e começou a tomar dela os elementos mais puros da natureza. Com esses elementos a Alma Divina se revestiu a fim de criar um corpo humano, natural, embora a Alma fosse Divina.
"Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus", disse o anjo Gabriel a Maria.
Sendo esposada, e sendo o esponsal a cerimônia legítima pela qual os noivos podiam, se quisessem, passar ao casamento, não se poderia então levantar nenhuma acusação contra Maria e contra o nascimento virgem do Senhor. Evidentemente que houve os que não acreditaram nem aceitaram, como os que ainda hoje não acreditam nem aceitam, que o Senhor nasceu da concepção miraculosa de uma virgem. Conquanto não quisessem aceitar esta verdade, pelo menos não poderiam lançar condenação alguma sobre Maria ou José e nem, por conseqüência, sobre o Senhor Jesus a respeito da legitimidade do casamento e do nascimento.  Para esses que não crêem na concepção Divina de Maria, Jesus Cristo é filho natural e legítimo do carpinteiro José; acham, por conseguinte, que Jesus é meramente homem, um ser humano como qualquer de nós, mas com alguma capacidade intelectual ou espiritual incomum. Ao negaram a concepção e o nascimento virginal do Senhor, negam, automaticamente, a Divindade de Jesus Cristo e, em conseqüência, a Palavra e o próprio Deus.
Quem adquiriu da Palavra alguma idéia justa a respeito de Deus e ao mesmo tempo sabe pelas Doutrinas Celestes como se dá com a concepção do ser humano, pode compreender muito bem que o Senhor não poderia nascer aqui gerado de um homem comum, como qualquer pessoa. O fato é que a concepção de um ser humano, o momento em as sementes masculina e feminina se unem para formar um indivíduo, é também o momento de união de duas essências que estão no homem, uma interior e outra exterior. A semente masculina, penetrando no íntimo da semente feminina, é uma evidente demonstração de que a essência recebida do pai é interior, enquanto a da mãe é exterior. As Doutrinas nos ensinam isto dizendo que do pai vem alma e as inclinações interiores da mente, enquanto da mãe vem o corpo e as inclinações exteriores da mente. A alma, transmitida pela semente masculina, dentro da semente feminina tira os elementos mais puros com que vai se revestindo e formando um corpo à sua imagem. No corpo, pode-se notar que os traços originados das duas partes, a herança masculina e a feminina, se acham mesclados e compostos de forma harmônica. Mas na mente a distinção é maior. As inclinações hereditárias do pai permanecem na mente mais interior, enquanto as da mãe repousam na mente exterior.
Daí se pode saber, então, como foi o caso da concepção em Maria. "Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus". Para esse Humano poder vir a ser Deus, a Alma teria de ser o próprio Deus, JEHOVAH, chamado "Altíssimo". O corpo, Jesus Cristo, que a Alma criou em torno de Si mesma, tinha, por isso, essas duas sementes: a do Altíssimo e a de Maria. Pela semente feminina, corporal e externa, fazia-se possível a manifestação e encarnação de Deus. Porque o Corpo formado no ventre de Maria foi purificado e reedificado pela Alma, vindo a constituir assim o Humano com que o Senhor Se revestiu. Era o Homem que os discípulos puderam ver e tocar e foi o mesmo Homem que ressuscitou e pôde ser visto e reconhecido depois da ressurreição, quando disse: "Vede as Minhas mãos e os Meus pés, que sou Eu Mesmo". Isto quer dizer que o Senhor tinha, de fato e em realidade, o mesmo corpo físico e natural, pois afinal foi para isso que Ele veio ao mundo, para assumir o Humano. Esse Ele não rejeitou, mas purificou e glorificou. É neste corpo sublimado que ele hoje está presente com homens e anjos e é assim que nós O imaginamos e O enxergaremos no Mundo Espiritual.
Agora, as inclinações da mente exterior, vindas de Maria, que estavam naquele corpo, estas o Senhor gradativamente rejeitou até o fim, pois eram meramente humanas, pecaminosas e inclinadas ao mal. O Senhor não podia restaurar essa herança ruim e por isso teve de expulsá-las do corpo, tirá-las da sua mente exterior. As tentações que Ele teve de suportar em Sua vida aqui foram todas provocadas por essas inclinações. Cada tentação que vencia era um desses aspectos de que o Senhor Se despojava; então a Alma Divina descia mais e assumia o lugar daquela afeição ou inclinação que fora expelida. E assim sucessivamente, todas e cada uma das coisas da mente exterior do Senhor foram, finalmente, tornadas também Divinas.
Quando o Senhor Jesus refletia nessas inclinações recebidas de Maria, Ele se humilhava e Se afligia até a angústia. Nesses dolorosos estados da mente externa fragilizada, Ele falava de Sua Alma como se fosse uma outra pessoa fora dEle, pois via a grande distância entre a Divindade que habitava Seu íntimo e as tendências infernais que lhe perturbavam a mente externa. Mas quando a tentação era vencida e aquele aspecto frágil era expelido e substituído por um atributo Divino, então o Senhor falava consigo mesmo, com Sua Alma, a quem chamava o Pai, como uma só Pessoa, que era Ele mesmo. Na Sua derradeira tentação, que foi a morte na cruz, o Senhor teve finalmente de lutar contra as últimas coisas mentais vindas de Maria. Como Ele enfim rejeitava essas últimas tendências que se constituíam num empecilho para a glorificação, quis que isto ficasse declarado na Palavra para ser mais tarde compreendido: "E junto à cruz de Jesus estava sua mãe... Ora, Jesus, vendo ali a mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse à sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí a tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa." (João 19:25,26). Notemos que nem aqui nem em parte alguma dos Evangelhos o Senhor chamava Maria de "mãe", mas de "mulher", pois esta era a verdade. É interessante notar que Maria, em relação ao Senhor, representava a Igreja (Cânones 8). Isto quer dizer que o Senhor nasceu no seio da Igreja Judaica, representada por Maria; quer dizer também que Ele rejeitou e condenou todos os males e falsidades daquela Igreja e que, entretanto, ensinou e salvou todos os remanescentes bons daquela Igreja que O aceitaram e creram nEle como o Cristo e Senhor. Por isso, Maria, ao crer no Seu Salvador, passou a simbolizar a Igreja nova, Cristã, que O recebeu.
Vemos, então, que, quanto a um aspecto, o das substância orgânicas tomadas da natureza material no ventre de Maria, o Humano do Senhor foi somente purificado e glorificado. Quanto a outro aspecto, porém, o das inclinações da mente externa herdadas da alma de Maria, o Humano do Senhor foi transformado, pois todas aquelas inclinações foram completamente rejeitadas e substituídas, ao ponto de Ele não ter mais coisa alguma de Maria. Por isso o anjo Gabriel, ao se referir a Ele, disse: "Será chamado Filho de Deus" e não "Filho de Maria". A Igreja Católica, ao chamar o Senhor de Filho de Maria ou chamar Maria de Mãe de Deus, está na realidade negando a glorificação do Senhor e por conseqüência a Sua Divindade, pois a glorificação, processo pelo qual Ele se tornou Divino, consistiu em exatamente despojar o que havia recebido de Maria.
Maria, dentre todas as mulheres, foi escolhida pelo Senhor porque estava preparada para esse uso; ela conservava a fé no Senhor que estava por vir e se mantinha na vida de acordo com os mandamentos que aprendera da religião judaica. Era, pois, uma mulher digna, piedosa e cheia da graça de Deus, pelo que o anjo Gabriel, dirigindo-se a ela, fez a seguinte saudação: "Salve, agraciada; o Senhor é contigo. Bendita és tu entre as mulheres" (Lucas 1:28). Em sua humildade sincera, porém, ao invés de se envaidecer, ela "turbou-se muito com aquelas palavras, e considerava que saudação seria esta" (1:29). Desde o princípio ela soube que estava prestando um uso sagrado no Advento do Senhor; alegrava-se com isto, mas mantinha bem clara em sua mente a sua condição de fragilidade humana diante de Deus, pois disse: "A minha alma engrandece ao Senhor. E o meu espírito se alegra em Deus meu salvador. Porque atentou na baixeza de sua serva; pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada. Porque me fez grandes coisas o Poderoso: e santo é o Seu nome" (1:46-48).
Na cruz, quando o Senhor finalmente vencia e expulsava de Seu Humano a herança daquilo pelo que Maria se humilhava e atribuiu como baixeza, e depois na ressurreição, quando Ele Se mostrou glorificado, ficou claro para Maria que Ele era o Filho de Deus e o próprio Deus. E certamente ela se alegrou muito com isso, pois se não fosse assim Ele não poderia ser o Salvador de toda humanidade.
Depois do nascimento de Jesus, Maria e José tiveram filhos e filhas normalmente como qualquer outro casal; o Evangelho de Mateus (13:55,56) nos fala de quatro filhos e outras filhas. Obviamente, Jesus foi o único concebido do Altíssimo, o Filho de Deus, mas também foi o primogênito de uma família de pelo menos sete crianças, com as quais foi na infância protegido e ensinado por Maria e José, servos fiéis do Senhor. Não sabemos se os outros filhos de Maria viviam com ela até à época da crucificação, mas podemos deduzir que José, seu marido, já tinha morrido naquela época, pois Maria, certamente já passando da meia idade, veio a ser acolhida em casa de João, o Evangelista, onde viveu algum tempo. O fato de ela ter sido recebida em casa por João pode servir para nós de exemplo sobre como a cristandade deve receber e considerar a memória de Maria, a saber, como uma irmã bem-aventurada por ter sido instrumento de um grande uso, mas a dignidade deve estar nesse uso que ela prestou e não na sua pessoa mesma.
Na obra VERDADEIRA RELIGIÃO CRISTÃ, Swedenborg relata que viu Maria nos céus e que conversou com ela. "Uma vez me foi dado falar com Maria; ela passava um dia e foi vista no céu acima da minha cabeça em vestimenta branca que se assemelhava à seda; e se tendo detido um pouco, ela disse que havia sido a mãe do Senhor porque Ele nasceu dela, mas que tendo sido feito Deus, Ele Se tinha despojado de todo Humano que provinha dela e que, por esta razão, ela O adorava com seu Deus e não queria que ninguém reconhece a Ele por seu filho, porque todo o Divino estava nEle" (102).
Graças à nova revelação da verdade na Palavra de Deus, nós compreendemos o miraculoso processo pelo qual o Senhor entrou no tempo e no espaço, tomando um corpo Humano pelo qual pudesse estar presente com os homens em suas mentes naturais. Alegramo-nos por causa de Maria, pelo fato de ter existido essa pessoa humilde e fiel que se prestou tão bem a esse valiosíssimo uso do Advento do Senhor; nós a chamamos bem-aventurada e tomamos sua fidelidade como exemplo. Todavia, também compreendemos claramente a questão do valor do uso; sabemos que a honra e a dignidade devem ser postas no uso e não na pessoa, e que a pessoa merece consideração por causa do uso que presta e não o contrário. Amamos os meios por causa dos fins.
Portanto, quando pensamos em Maria, é aos usos que ela prestou que dirigimos nossa atenção. Pensamos na maneira pela qual o próprio Deus Criador, JEHOVAH eterno, pôde nascer neste mundo para nos trazer a Salvação. É a Ele, pois, nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, que atribuímos a salvação e a glória, a honra e o poder, para todo o sempre. Amém.

Isaías 7:13-15. Lucas 1:26-56. VRC 94.
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