A LUZ DA PALAVRA

Sermão pelo Rev.C.R.Nobre

"Tomou consigo a Pedro, e a Tiago, e a João, seu irmão, e os conduziu em particular a um alto monte, e tranfigurou-Se diante deles; e o Seu rosto resplandeceu como o sol, e os Seus vestidos se tornaram brancos como a luz.
E eis que lhes apareceram Moisés e Elias falando com Ele"

Mateus. 17:1-3

"E levou-me em espírito a um grande e alto monte, e mostrou-me a grande cidade, a santa Jerusalém, que de Deus descia do céu. E tinha a glória de Deus; e a sua luz era semelhante a uma pedra preciosíssima, como a pedra de jaspe,
como o cristal resplandecente"

Apocalipse. 21:10-11

A qualidade de uma Igreja depende da pureza de sua doutrina e da vida de acordo com o que a doutrina ensina. Para a Nova Igreja, o Senhor revelou a doutrina do sentido interno da Palavra, que só é recebida quando se vive a vida de caridade. É assim que a Igreja daí formada faz um com os céus e é chamada a coroa de todas as igrejas que existiram nesta terra.
A revelação do sentido interior da Palavra é uma revelação integral. Nela, o Senhor Se mostra plenamente, sem os véus das aparências de verdade, fazendo que o Seu caráter Divino possa ser compreendido e visto mesmo por nosso entendimento natural. Nela, também, o Senhor desvenda os arcanos da outra vida e dá a conhecer o sentido verdadeiro da existência humana. Assim, pela Nova Igreja, o Senhor restaura à humanidade a real natureza do Criador e lhe abre o acesso ao verdadeiro amor e à verdadeira sabedoria.
É evidente que a revelação é feita para ensinar e esclarecer o homem. A Palavra foi aberta em seu sentido íntimo para que nela penetremos com o entendimento e tiremos dali direções para nossas vidas. É assim que se realizam em nós os propósitos Divinos manifestados na mesma revelação.
Nos dois textos em que nos baseamos, o da transfiguração de Jesus e o da visão da Cidade Santa, vemos esses dois aspectos da comunicação. A trasnfiguração é a revelação do Ser Divino; a visão da Santa Jerusalém é a recepção dessa revelação por parte daqueles que compõem a Igreja. Ao meditarmos sobre a transfiguração, podemos compreender melhor o modo como o Senhor Se revelou à Igreja; e meditando sobre a visão da Cidade Santa, podemos tirar várias conclusões a respeito de como a Palavra é recebida no entendimento e na vida.
Em Mateus, lemos que o Senhor tomou consigo a Pedro, Tiago e João, e subiu a um alto monte. "Ali, transfigurou-se diante deles; e o Seu rosto resplandeceu como o sol, e os seus vestidos se tornaram brancos como a luz". Se Ele levou consigo a Pedro, Tiago e João foi porque esses três discípulos representam os três fundamentos essenciais da Igreja: Pedro significa e representa a fé; Tiago, a caridade; e João, irmão de Tiago, é o uso, ou as obras da caridade" (veja-se AC 2135). Sabemos que a fé é o conhecimento e o reconhecimento de Deus e de Sua Palavra; a caridade é, principalmente, o combate contra os males porque são pecados contra o semelhante e sobretudo contra Deus; o uso ou as boas obras são o empenho e a dedicação inteligente e esforçada nos deveres de sua missão. Se essas três coisas existem, então existe uma igreja verdadeira, essencialmente interna e espiritual. Mas se faltar um deles sequer, não haverá nenhum dos outros, e a Igreja será apenas externa e interiormente morta.
A existência da fé, associada à caridade e aos usos, dá como resultado a conjunção com o Senhor e, assim, a ilustração cada vez mais clara e mais profunda a respeito da verdade e do bem. Em outras palavras, crer em Deus, afastar o mal e exercitar o bem, são as únicas condições pelas quais a Palavra pode ser compreendida.
Na ilha de Patmos, João vê, em espírito, a Cidade Santa, a Nova Jerusalém, e a descreve, toda resplandecente pelo brilho de suas pedras preciosas e seu ouro. A Cidade assim vista é uma figura da Igreja, ou seja, do estado mental da pessoa que constitui a Igreja, quando, por meio da fé, da caridade e do uso, recebe em sua entendimento a inteligência e a sabedoria espirituais.
"E tinha a glória de Deus; e a sua luz era semelhante a uma pedra preciosíssima, como a pedra de jaspe, como o cristal replandecente". João estava vendo como seria a Nova Igreja quanto à doutrina, porque uma "cidade", na Palavra, corresponde à doutrina. Na Palavra, a cidade, com suas ruas e casas, entradas e saídas, é uma forma concreta de se descrever as coisas mais abstratas como os doutrinais do bem e da verdade do sentido interno. Por exemplo, a cidade era quadrangular porque a forma de um quadrado, com seus lados e ângulos iguais, em perfeito equilíbrio, representa o que é justo e verdadeiro.
Sendo quadrada, cada lado da cidade estava pois voltado para uma plaga espiritual, e cada face desses lados era uma muralha em que havia três portas. "Três" representa o que é pleno e completo, e a "porta" representa o conhecimento pelo qual se pode entrar na doutrina. Que cada lado da cidade tinha três portas, isto significa, portanto, que, de qualquer direção de onde venha o espírito humano, desejando conhecer a doutrina da Nova Igreja para ali viver, há sempre um acesso perfeito e suficiente, de acordo com sua disposição e seu interesse sinceros. Quer se venha do norte ou do sul, de uma maior ou menor sabedoria, quer se venha do oriente ou do ocidente, de maior ou menor grau de afeição, há um portão aberto e um acesso garantido e facilitado pelo convite do Senhor.
Não só quanto às faces e aos portões, mas quanto a todos os outros aspectos da arquitetura ou dos detalhes da cidade, toda ela é uma representação simbólica, sábia e profunda que o Senhor fez das Doutrinas Celestes da Nova Jerusalém  valendo-se de idéias simples e claras ao nosso entendimento natural.
O que João viu, no mundo dos espíritos, foi uma forma correspondencial dessa doutrina, e descreveu conforme viu, por tipos simbólicos. Mas, ao completar Sua obra, o Senhor concedeu que um outro profeta, Swedenborg visse e descrevesse novamente essa cidade-doutrina, mas agora não mais por tipos simbólicos velados nem representações, e sim em forma de uma exposição racional clara, aberta e direta. Na obra "Verdadeira Religião Cristã", entre outras, essa cidade celeste doutrinal acha-se inteiramente descrita. Nas páginas dos Escritos, o aspirante à Nova Igreja percorre, por assim dizer, ruas de verdades que brilham de modo admirável conduzindo a novos princípios; observa os firmes fundamentos da caridade que são as diversas formas de se aplicar as verdades; nota a segurança provida pelas muralhas dos princípios sólidos que defendem a doutrina e conhece o estado de bem e felicidade em que o espírito humano deve residir como em uma casa para ele construída. A beleza e a coerência notável da arquitetura de todo esse conjunto de doutrinais jamais foram vistas em qualquer obra humana. Nas páginas dos Escritos, o Senhor não usa mais tipos simbólicos, mas ensina, claramente, as verdades acerca dEle mesmo, da obra de redenção que realizou e da vida que conduz aos céus; não fala mais em formas e aparências, mas dá instruções claras a respeito do que é justo, reto e íntegro em relação aos aspectos de nossa vida espiritual e natural.
Estas revelações feitas à Nova Igreja são novidades mas, ao mesmo tempo, não são. Porque, em grande parte, as verdades do sentido interno já estavam expostas claramente na letra. Aliás, todas as verdades que são essenciais para a vida da fé estão dadas em termos claros e explícitos no sentido literal. A Palavra, quando se encarnou, manifestou-se visivelmente aos primeiros cristãos. É isto que significa o evento da transfiguração do Senhor: Ele Se revelando como a Palavra ou Divina Verdade. As Doutrinas explicam a transfiguração dizendo-nos que: "Sua face que brilhava como o sol" representava o Seu divino Bem; Seus vestidos, que se tornaram como a luz, Sua divina Verdade; "Moisés e Elias", a Palavra histórica e profética". Era, pois, uma manifestação do Divino Vero à Sua Igreja, representada ali por seus elementos essenciais: a fé Pedro, a caridade Tiago e o uso João.
A transfiguração era, ao mesmo tempo, uma figura da revelação futura dos interiores da Palavra que se faria à Nova Igreja. Porque a primeira Igreja Cristã, dado à mente simples de seus membros, não poderia penetrar no significado interior da mensagem Divina; é por isso que os discípulos se viram também envolvidos numa nuvem luminosa, representando a relativa obscuridade em que estavam. Tampouco a Igreja Cristã que se seguiu mais tarde pôde receber as verdades do sentido interno, pois, sendo levados pelo desejo de dominar, perverteriam o sentido espiritual assim como de fato perverteram as verdades da letra.
É verdade que no seio da Igreja Cristã, hoje inteiramente devastada, encontram-se pessoas que conservam a fé simples e obedecem, embora cegamente, ao que aprendem da religião. Esses são os únicos que ainda podem receber alguma luz da Palavra; estão envoltos numa nuvem luminosa como a que envolveu os discípulos e, por causa de sua perseverança e obediência, são os remanscentes com os quais o Senhor comporá Sua Nova Igreja, se não aqui, certamente quando chegarem ao plano espiritual.
Foi somente depois de um certo amadurecimento da mentalidade da raça humana nesta terra que o Senhor pôde, de fato, Se transfigurar e Se manifestar plenamente na Palavra, abrindo o seu sentido interior ao conhecimento do homem. Os que farão parte da Nova Era terão um entendimento claro; não serão envoltos pelas nuvem das aparências de verdade; antes, serão capazes de contemplar o Senhor revelado, Deus manifesto, e poderão dEle receber a instrução clara, sem sombras de dúvida, as verdades que brilharão em sua mente e iluminarão seus caminhos.
A luz fulgurante do Senhor, cujo rosto brilhava como o Sol e cujas vestes resplandeciam como a luz, é a luz da Sua Divina Verdade, radiosa, agora emanando numa atmosfera sem nenhuma nuvem, num céu limpo e claro, para alcançar e iluminar a mente e o coração dos que são de Sua Nova Igreja, os que têm recebido em sua vida a Nova Jerusalém, "que de Deus desce dos céus".
O brilho da Cidade Santa, brilho como de uma pedra preciosíssima, como jaspe e cristal, não vem da Cidade mesma nem de suas pedras. Elas apenas refletem a luz que vem do alto, do Divino. O brilho que a Cidade reflete significa "que nessa Igreja a Palavra será entendida, porque é transparente quanto ao seu sentido espiritual" (AR 897). Na Nova Igreja, a Palavra é translúcida; ela mesma se explica; o sentido espiritual esclarece o sentido da letra e o sentido da letra fundamenta e corrobora o sentido espiritual. Portanto, é o Senhor mesmo que, em Se revelando, instrui a Igreja e o homem da Igreja em que residem a fé, a caridade e o uso.
Lemos nas Doutrinas: "Pela glória de Deus" que a cidade tinha é significada a Palavra em sua luz Divina... por sua "luz" é significado o Divino Vero; que era "como uma pedra preciosíssima, como a pedra de jaspe brilhando como cristal" significa o mesmo brilho e transparência que vêm de seu sentido espiritual... Por estas palavras é descrito o entendimento da Palavra naqueles que estão na doutrina da Nova Jerusalém e numa vida de acordo com essa doutrina. Com esses, a Palavra brilha quando é lida. Brilha pelo Senhor, por meio do sentido espiritual, porque o Senhor é a Palavra, e o sentido espiritual é a luz do céu que provém do Senhor como um Sol, e (...) é, em sua essência, a Divina Verdade de Sua Divina Sabedoria".
A pedra preciosa tem seu valor determinado por seu brilho, não obstante o brilho não estar na pedra em si; o brilho vem da luz que ela reflete. Logo, o valor da pedra preciosa é determinado pela intensidade ou variedade com que reflete a luz, que está fora dela. Quanto mais reflete, mais é bela e valiosa. Se, porém, não houver alguma fonte externa de luz, a pedra não terá reflexo, nem brilho, nem beleza. Assim também são as verdades da letra da Palavra: a luz esclarecedora do sentido interno é que as fazem brilhar e dar inteligência. Quanto mais luz houver das Doutrinas, mais brilhantes serão as verdades da letra da Palavra. E, se temos essas verdades fundamentais em nossa mente, mais luz teremos. Pela mesma forma, se não houver conhecimento das Doutrinas, pouca coisa se pode obter da Palavra e ainda menos de ilustração espiritual em nossas vidas.
O cristão da Nova Igreja deve estar em constante estudo das Doutrinas Celestes a fim de alcançar uma visão clara e um entendimento são a respeito de todas as coisas, especialmente a respeito da vida de usos que conduz à eternidade feliz. E quanto alcançar esse entendimento iluminado, deve sempre ter a humildade de se lembrar que a luz não está no conhecimento em si, e muito menos em sua inteligência, mas no Senhor, que é o Sol dos céus. As verdades em sua mente apenas refletem algum brilho Divino. Só assim poderá realmente ver o Senhor, que á Divina Verdade Mesma, e adorá-lo como Deus visível em uma Única Pessoa, o Senhor Jesus Cristo.
Finalmente, destaquemos um aspecto comum nessas duas revelações: no Evangelho, lemos que os três discípulos viram o Senhor transfigurado depois de terem subido a um alto monte. Semelhantemente, no Apocalipse, João viu o esplendor da Cidade Santa depois de ter sido transportado a um alto monte. O "alto monte" ou a montanha, freqüentemente citados na Palavra, significam uma elevação e acúmulo de amor ou afeição. Isto vem nos ensinar que a iluminação do entendimento só se dá quando houver a afeição de aprender por alguma razão boa. O estado de bem na vontade é que gera a claridade do entendimento, assim como o fogo gera a luz. Nos "Arcanos" lemos que "toda iluminação procede do bem" (3094). E: "a iluminação é de acordo com a qualidade do bem". "O bem da caridade é como uma chama, que dá luz, e assim ilumina cada uma e todas as coisas". "São iluminados a respeito das verdades aqueles poucos que estão na doutrina e ao mesmo tempo na vida da verdade" (Ibidem, 4214, 4245, 9186).
O fiel da Nova Igreja, reconhecendo o Senhor como fonte única e eterna de tudo o que é bom e verdadeiro, deve esforçar-se para adequar sua vida aos preceitos da Palavra, afastar para longe de seu pensamento e sua afeição tudo o que for contrário aos propósitos Divinos e ao amor ao próximo, e procurar ser-lhes útil da forma como puder, na medida de sua capacidade, de seu conhecimento e de suas forças. Então, sendo elevado ao monte dessa afeição de seu uso e se voltar para a Palavra na letra e dos Escritos, poderá receber na mente e no coração a luz reveladora. Ela lhe dará a faculdade de distinguir claramente o que é justo e verdadeiro em oposição ao que é mal e falso, e isto em relação a todos os aspectos de sua vida civil, moral e espiritual.
Esta iluminação só é possível através da Palavra integral, na letra e nos Escritos, pois assim o Senhor mesmo é quem o instruirá. Com efeito, no evento da transfiguração ouviu-se uma voz dizendo: "Este é o Meu filho amado, a Ele ouví". Era o senhor falando a respeito de Si Mesmo, Seu Humano ou o Divino Vero, a Palavra conosco.
O Senhor já Se revelou à Sua Igreja. E os que almejam fazer parte dessa Igreja viva, os que têm se esforçado por entrar na Santa Cidade para ali habitar, hão de receber em suas vidas todo o brilho dessa revelação. Para que isto se faça, cada um dos aspirantes à Nova Igreja deve buscar com diligência e ter em suas vidas aqueles três elementos essenciais que constituem a Igreja no homem: a fé, a caridade e o uso. Amém.

Lições: Mat.17:1-13; Apoc.21:9-27; VRC 216-217.