A crucificação e a redenção

Sermão pelo Rev.David Simons, adaptado pelo Rev.C.R.Nobre

"Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra,
não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto"

(João 12:24).

A cruz tornou-se o símbolo do cristianismo. a paixão da cruz é considerada pelos cristãos como o ato supremo de sacrifício, o cumprimento vivo do maior de todos os amores, que é o de alguém dar a sua vida por seus amigos (João 15:13). Foi sobre a cruz e a ressurreição que a Igreja Cristã se estabeleceu. Por este ato de morte e de nova vida abriu-se um caminho para a humanidade entrar num relacionamento genuíno com o Senhor Jesus Cristo. Sem a história da Páscoa, sem a paixão e a ressurreição, a real identidade do Senhor como o Deus-conosco jamais poderia ser plenamente estabelecida, e o cristianismo, que enfatiza o triunfo do espírito sobre a carne, jamais teria prosperado.
A essência da Doutrina Cristã é que o Senhor conquistou a morte e os infernos, e ressurgiu no terceiro dia em Seu Humano glorificado, e por isso, os cristãos que O reconhecem em fé e em vida são redimidos e salvos. Era, portanto, falando de sua própria glorificação e de Sua recepção pelo homem que o Senhor disse: (João 12:23)*
Quando entendida corretamente, a paixão da cruz pode ser vista como um ato de Infinita Misericórdia e amor. Foi a forma pela qual o Senhor estendeu Sua salvação até mesmo àqueles que deliberadamente queriam destruí-Lo; foi a forma pela qual a últimas limitações do humano herdado de Maria foram removidas e o Divino e o Humano no Senhor foram plenamente unidos.
No início, os primeiros discípulos pensavam na crucificação do ponto de vista das palavras do próprio Senhor, a saber, que era para se cumprir a profecia de que Ele passaria pela morte mas ressuscitaria ao terceiro dia, unido ao Pai. Mas, pouco ao pouco, a Igreja foi voltando a atenção para o aspecto material em si da crucificação; deixaram de ver a ressurreição como a principal; o Cristo crucificado passou a ser mais significativo do que o Cristo ressurrecto, glorificado e Um com o Pai. A idéia da Trindade de pessoas sepultou a idéia justa de Deus em suas mentes. E a Igreja tornou-se espiritualmente estéril, morta e vazia.
Quando compreendida adequadamente, a crucificação mostra a infinita misericórdia de Deus e não um sacrifício sangrento. A verdade é que o Senhor permitiu-Se ser crucificado por causa da raça humana - para que tanto os Seus discípulos,  quanto os judeus simples, os gentios e mesmo Seus inimigos pudessem ser livres para aceitá-Lo como o Único Deus do Céu e da Terra.
Ao permitir que os judeus O tratassem tão cruelmente, o Senhor estava, na realidade usando de misericórdia para com eles. Pois assim eles tinham a oportunidade de, se quisessem, reconhecer sua própria natureza, sua crueldade, seu verdadeiro caráter e como odiavam as verdades interiores que o Senhor pregava. Se quisessem reconhecer sua maldade e se arrependessem, estariam então prontos para aceitá-Lo e segui-Lo. Se quisessem refletir sobre seus atos e sua injustiça para com o Senhor, poderiam sentir remorso e desejar uma mudança em suas almas.
Em seus corações, os judeus que crucificaram o Senhor sabiam que Ele nada tinha feito senão o bem pelos outros; sabiam que, ao condená-Lo à morte, estavam violando suas próprias leis, pois que não tinham a acusação de pelo menos duas testemunhas quanto ao crime; tinham-No acusado e executado no mesmo dia; tinham escolhido um ladrão para ser indultado em lugar de Alguém que nada fizera senão milagres compassivos; e tinham incitado a multidão a que exigisse a condenação. Eles poderiam considerar tudo isto e, em conseqüência, cada um deles em completa liberdade, teve a oportunidade de examinar seus atos, reconhecer o mal que havia feito e sentir vergonha, arrependendo-se em seu coração, como, aliás, fez Judas Iscariotes. O ódio e a injustiça são a presença do inferno no coração; se a verdadeira qualidade desses males não são reconhecidos e em seguida rejeitados, eles permanecem interiormente e não podem ser removidos. É por isso que, segundo as Leis da Divina Providência, nós lemos que "os males são permitidos para um fim, que é a salvação" (DP 275).
Vista sob esta luz, a crucificação se torna em ato de misericórdia e amor Divinos. Era a Misericórdia do Deus Infinito descendo até à terra, entregando-Se a Si mesmo à morte para que a criatura humana pudesse viver eternamente. "Porque Deus enviou Seu Filho ao mundo não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele" (João 3:17).
Para os gentios que estavam presentes, que testemunharam o assombro de os próprios elementos da natureza se revoltarem contra essa suprema injustiça, a crucificação produziu o início da verdadeira fé. Que homem seria Aquele que mesmo morrendo clamava em favor dos Seus inimigos: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem?" E o centurião e os que com ele guardavam a Jesus, vendo o terremoto, e as coisas que haviam sucedido, tiveram grande temor, e disseram; Verdadeiramente este era Filho de Deus" (Mat.27:54).
Para os judeus simples e que viviam escravizados pela doutrina hipócrita dos escribas e fariseus, a crucificação foi um meio de libertação. Ao Se deixar crucificar pelos fariseus e principais dos judeus, Jesus os desmascarou diante do povo simples; seus males interiores se manifestaram no ódio que demonstraram ter pelo Senhor. "Se Eu não viera, nem lhes houvera falado, não teriam pecado, mas agora não têm desculpa do seu pecado. Aquele que Me aborrece, aborrece também Meu Pai. Se Eu entre eles não fizesse tais obras, quais nenhum outro tem feito, não teriam pecado; mas agora, viram-nas e me aborreceram a Mim e a Meu Pai. Mas é para que se cumpra a palavra que está escrita na sua lei: Aborreceram-Me sem causa" (João 15:22-25).
E para Seus discípulos e seguidores, a crucificação foi também essencial à genuína fé. Por este meio não haveria mais dúvida de que o Senhor era a "Palavra que Se fez carne", que Ele o Deus da natureza e das mentes humanas. Os discípulos puderam ver, na crucificação o cumprimento minucioso, em espantosos detalhes, de profecias escritas há mais de quinhentos anos, de sorte que não lhes restasse mais nenhuma dúvida de que a Palavra se cumpria nEle ou que Ele cumpria a Palavra e assim Se tornava a Palavra ao vivo, em Forma Humana. Ao permitir que os homens O destruíssem, por assim dizer, o Senhor preparou Seus discípulos para uma espécie de fé e amor de que eles nunca tinham antes ouvido falar. Pois dessa mesma maneira seus amores e ambições mundanas deveriam morrer a fim de dar lugar a um novo amor e uma nova fé. Todas as ambições terrenas e egoísticas que os discípulos esperavam ver satisfeitas por Jesus estavam agora jogadas por terra, na morte do Senhor. Todos os seus sonhos de um reino terreno do Messias estavam desfeitos. Suas esperanças vãs de glória terrena, reinando com o Cristo eram então sepultadas na cruz. Porque a aparência de verdade precisava dar lugar à verdadeira compreensão da Luz. Só após a ressurreição os discípulos puderam compreender o alcance e o sentido da estada do Senhor entre eles, o que foi expresso nas palavras tardias de Tomé: "Meu Senhor e meu Deus". A idéia pura do Senhor como Deus único do Céu e da Terra só então pôde ser plenamente estabelecida em suas mentes. "Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse e ao terceiro dia ressuscitasse dos mortos, e em Seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão dos pecados..." (Luc.24:46,47).
Para aqueles que serão da Nova Igreja do Senhor, a crucificação tem duplo significado. As Doutrinas Celestes mostram que este era o estágio final na glorificação do Humano do Senhor, e o meio pelo qual Ele proporcionou a redenção à raça humana. Os Escritos ensinam que "há duas coisas pelas quais o Senhor veio ao Senhor, e por meio das quais ele salvou homens e anjos, a saber, redenção e glorificação do Seu Humano... A redenção foi o combate contra os infernos, a subjugação deles e a restauração da ordem nos céus. Mas a glorificação é a união do Humano do Senhor com o Divino de Seu Pai. Isto se efetuou gradativamente, e se completou na paixão da cruz, porque esta era derradeira tentação sofrida pelo Senhor no mundo e é por meio das tentações que se efetua a conjunção" (VRC 126).
Rebatendo a falsa idéia de que a morte do Senhor na cruz traz a salvação de todos aqueles que crêem n'Ele, os Escritos explicam a morte não foi a redenção. Essas duas coisas, redenção e paixão da cruz devem ser vistas como duas coisas distintas, senão a mente humana erra em todas coisas pertinentes à salvação do Senhor (VRC 134).
Todo cristão deve saber que a redenção é efetuada somente pelo Senhor através do processo individual da regeneração. Quando o homem se volta para Senhor e, por Ele, sepulta o que é mal e falso, então, como grão de trigo que cai na terra e morre, o caminho se abre para a recepção da nova vida que vem do Senhor. "Sepultar" nós lemos "significa regenerar, pois a regeneração é a primeira ressurreição do homem, quando ele, morto quanto à vida antiga, ressurge para a nova vida. Pela regeneração, o homem, de morto, se torna vivo." (AC 2916).
Quando o homem se volta para o Senhor - "não entretanto o Senhor suspenso numa cruz, mas como está, em Seu Humano glorificado", o Senhor então está presente, e o corpo desse Humano é o Divino bem e o sangue é a Divina verdade... (esse bem e essa verdade são dados ao homem quando ele é regenerado, e então) o homem está no Senhor e o Senhor está nele" (VRC 708).

Amém.

Lições: João 12:23-33; Marcos 15:25-47; VRC 134