"Juízo Final"

Um sermão pelo Rev. Cristovão Rabelo Nobre

 

"E, interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o reino de Deus, respondeu-lhes, e disse: O reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou, Ei-lo ali; porque eis que o reino de Deus está dentre vós"

Lucas 17:20, 21

"E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante do trono, e abriram-se livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida; e os  mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras"

Apoc. 20:12.

Há uma passagem nos escritos que nos diz que, ao acontecer o Juízo Final, ele deve ser noticiado, revelado, por causa da crença na Palavra. Por essa razão  as Doutrinas Celestes contêm relatos concernentes o dia do Juízo e de como isto acontece. É, também, pela mesma razão que hoje faremos um breve exame acerca desse ponto,  o juízo por que todo homem deve um dia passar.
O Apocalipse e os Evangelhos, especialmente o de Mateus, são os livros em que lemos as profecias mais evidentes sobre a consumação do século. A partir daí, e de passagens como a do nosso texto, em Lucas, além de algumas instruções dadas pelo apóstolo Paulo, é que o mundo cristão formulou a crença comum a respeito dos fins do tempo. Sobre isso, lemos nos Escritos (CJF 3): "É uma opinião comum no mundo cristão que todo o céu que vemos, e toda a terra habitada pelos homens, perecerão no dia do Juízo Final; e que um novo céu e uma nova terra existirão em lugar daqueles" (CJF 3); "...que todos então irão ressugir de suas tumbas...";"...que as gerações e as procriações da raça humana cessarão..."; "...o Senhor irá aparecer nas núvens do céu com os anjos, em glória... e, todos reunidos, Ele os julgará: os que tiverem feito o bem, para a vida eterna ou o céu, e os que tiverem feito o mal, para a morte eterna, ou o inferno" (JF l, 6, 28). E, além disso, alguns dentre os cristãos acreditam que, uma vez que têm sido salvos, instantaneamente, pela fé e pela apropriação dos mereciemntos do Filho, eles já estão livres de qualquer julgamento. Que, assim não passarão pelo rigor do Juízo diante do trono de Deus, mas serão elevados aos céus, por causa de sua fé, unicamente, sem se levar em conta as suas obras, quer sejam boas ou más, pois o homem, como afirmam, o homem incapaz de fazer o bem, e por isso será salvo pela graça de Deus somente.
A razão por que o cristão assim crê a respeito da vinda do Senhor e do Juízo Final, bem como a respeito da salvação, se deve a eles compreenderem a Palavra de Deus em seu sentido literal exclusivamente. E dá-se que nesse sentido existem muitas afirmações que não podem ser tomadas assim, pois são apenas aparências da verdade, não as verdades mesmas. São afirmações escritas simbolicamente, em correspências, de modo a servirem de base e continente para as verdades genuínas e interiores, que se acham ali encerradas. E porque eles se prendem de tal modo ao pé da letra, podem daí ser levadas "a várias opiniões (...)  donde tantas heresias nascem; e cada uma delas é confirmada na Palavra" (CJF I). Entretanto, como ainda não se lhes anunciou a  existência de um tal sentido espiritual existtente na Palavra, e nem "mesmo o que o sentido espiritual é, por isso, aqueles que têm abraçado esta opinião concernente ao Juízo Final, são desculpáveis" (CJF I).
Porém, para que eles possam vir a saber, foi revelado pelo Senhor e hoje ser pregado a verdade a esse respeito, a saber, que "nem o céu visível, nem a terra habitável perecerão, mas que ambos permanecerão; e que pelo Novo Céu e uma Nova Terra se entende  uma Nova Igreja nos céus e na terra" (CJF I). É o mesmo quando se trata do Julgamento último. Quando se entende segundo o sentido espiritual, pode-se ver que não haveria de ser como é comumente esperado na igreja cristã. Isto pode ser visto pelo sentido interno, e poderia ser visto mesmo pelo sentido literal, através de algumas passagens, entendidas assim como estão . Daí se poderia concluir que a vinda do Senhor para fazer o Juízo não seria uma vinda física, isto é, no mundo material, visível ao homem, mas uma vinda e um julgamento espirituais. Pois lemos em nosso texto: "O reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou, Ei-lo ali; porque eis que o reino de Deus está entre vós" (Luc. l7:20, 21).
O que o texto do Apocalipse nos fala sobre o trono branco, sobre os mortos sendo julgados conforme as coisas escritas em certos livros, deve, portanto, se compreendido à luz de uma explicação espiritual da própria Palavra, ou seja, à luz da Palavra mesma, ou ainda, à luz da verdade procedente do próprio Deus. E quando compreendemos sob essa luz, podemos depois encontrar diversas confirmações na própria letra das Escrituras; a Palavra dá testemunho de si mesma.
Em termos gerais, um Juízo ocorre sempre no fim de cada Igreja, ou, segundo outra nomemclatura, no fim de cada Era ou Idade que existiu na terra. É quando o Senhor faz a visitação à raça humana, e, vindo, ocorre um juízo. E o juízo é, em poucas palavra, uma separação entre as coisas boas e más, verdadeiras e falsas. Assim foi no fim da Idade de Ouro, a época da Igreja Antiqüíssima; assim foi no fim da Igreja  Antiga, e, sucessivamente, ao fim de cada Igreja, o Senhor instaura uma nova Igreja, inaugura uma nova dispensação  na terra, faz uma nova aliança com o homem. Assim foi também ao fim da Igreja Cristã, quando o Senhor instaurou, e está instaurando, uma nova Igreja, a Nova Jerusalém, a Igreja espiritual, chamada a Esposa do Cordeiro.
Isto se passa com a Igreja no plano geral. Existe ainda um semelhante juízo com dada igreja em particular, isto é, com cada igreja dentro de cada indivíduo. Pois o Senhor faz Seu Advento para cada indivíduo, separando os males e falsos dos bens e veros; é um juízo individual (AC... 93l) pelo qual todos os homens passam quando deixam a vida deste corpo. Todos sem excessão, devemos por ele passar, para avaliação de nossas obras; e isto qualquer que tenha sido a nossa fé nesta vida. Não há nenhum eleito ou privilegiado cujos males possam ser escondidos sob o rótulo da sua fé. A Palavra é muito clara quanto a isso, em muitas passagens.
Concernente ao Juízo Final no plano geral, as Doutrinas Celestes nos relatam, num resumo, o seguinte: "Desde o tempo em que o Senhor esteve no mundo, quando executou o Juízo Final em pessoa, foi permitido que aqueles que se achavam no bem moral e civil, ainda que não tivessem o bem espiritual donde fingiam ser cristãos nos externos, mas eram diabos nos internos (foi permitido) que eles continuassem no mundo dos espíritos mais (tempo) do que outros...e... lá fazer habitações fixas; e também, por meio do abuso das correspondências, e pelas fantasias, formar para si céus, por assim dizer... Mas quando se tinham multiplicado ao ponto de interceptar o calor e a luz espirituais em sua descida dos céus para os homens da terra, então o Senhor efetuou o Juízo Final, e dissipou aqueles céus imaginários. Isto se efetuou de modo tal que os externos, por onde simulavam ser cristãos, lhes foram tirados, e os internos, em que ram diabos, foram abertos. E então eles foram vistos como eram, diabos, e foram lançados no inferno, cada um conforme os males de sua vida. Isto se deu em l757" (de fins de l756 ao decorrer do ano de l757. Tais coisas foram observadas e acontecidas no mundo espiritual, onde Swedenborg as testemunhou e, por mandato do Senhor, as relatou e as publicou em livros, um ano mais tarde.
Compreende-se que alguns possam achar estranho que, em sendo feito um tal juízo, uma tal separação e condenação dos males, por que não se viu os efeitos no mundo natural. Contudo, devemos considerar que estas coisas são espirituais, processaram-se espiritualmente e, por conseguinte, seus feitos não são notados materialmente, isto é, não são perceptíveis à vista externa. Todavia, para o espírito humano, sim, para o estado da Igreja na terra, houve e haverá mudança, uma diferença a partir de então. Lemos na obra "Juízo Final" 73: "Doravante o homem da Igreja está num estado mais livre para pensar nas matérias da fé e assim nas coisas espirituais referentes ao céu, porque a liberdade espiritual lhe foi restaurada". E é exata e justamente por causa dessa mesma liberdade que as coisas espirituais consequentes ao Juízo não se manifestaram patentemente aos nossos olhos naturais; se assim fosse, seríamos constrangidos a crer e a aceitar isso ou aquilo, por imposição do mundo espiritual, o que seria contra a liberdade e a Ordem.
Depois do último Juízo, o Juízo Final sobre a Igreja Cristã, o Obra do Senhor se completou. O acesso do homem à sua primitiva integridade foi restituído. Os céus foram terminados como Jesus havia dito: "Vou preparar-vos lugar"; os infernos foram definitivamente subjugados. O mundo intermediário, dos espíritos, foi reintegrado à sua ordem e seu uso. O Senhor veio como lo Espírito da  Verdade, para guiar-nos à toda  verdade; veio em Espírito, no Sentido Interno da Sua Palavra, completando a Revelação Divina ao homem. E instaurou uma Nova Igreja, definitiva, pois, sendo espiritual, é conhecida por Deus só, está no coração do homem, e não subordinada aos designios vaidosos do homem. É por isso chamada "a coroa de todas as Igrejas" e entra nas bodas do Cordeiro. Não haverá outro juízo geral como aquele.
Entretanto, cada um dos homens terá o seu juízo individual assim que se achar no limiar da eternidade. Conforme nossas obras, seremos julgadas, ou para a vida, ou para a morte. É assim que entendemos  esta passagem do Apocalipse: "E vi os mortos, grandes e pequenos,  que estavam diante do trono, e abriram-se livros;  e abriu-se outro livro, que é o da vida; e os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras". Os "livros" abertos são os interiores da mente do homem, que se abrem quando ele entra no mundo espiritual. Ele recebe o influxo da luz e do calor espirituais, e essa luz lhe abre os interiores que são do entendimento, e esse calor lhe abre os interiores que são da vontade. "Livros", no plural, são os interiores da mente dos que fizeram o mal; e "livro da vida", os interiores do que foram regenerados.
Tais interiores são comparados a livros porque tudo aquilo que o homem viu, ouviu, pensou, falou, quiz ou teve por intenção, fica registrado em sua memória interior. Nada, absolutamente, se perde: tudo fica gravado na memória do espírito. E como tudo isso deriva do seu amor, isto é, da sua vontade, que é sua vida, o homem mesmo, por isso abrir o registro dessas informações é revelar a qualidade mesma do homem (veja AR 867). Essa abertura não acontece imediatamente, mas é precedida por um primeiro estado, em que o homem se reconhece em seu novo viver e sua vida espirituais. Ele toma consciência de que continuam sendo exatamente tal que tinha sido, e que continua sendo absolutamente livre para pensar e querer. Daí então, os externos de seu pensamento sendo pouco a pouco removidos, ele entra no segundo estado, quando deve agir e  falar somente de acordo com o que realmente quer e pensa. É, então, o estado de abertura do livro, de seu interior; o seu entendimento e sua vontade passa a serem um, e o homem aparece tal qual é, tal qual tinha sido interiormente no mundo. Se nele o bem é dominante, então ele poderá ser introduzido num terceiro estado, em que receberá ensinamentos que concordem e aperfeiçoem este bens. Mas se nele o mal tiver sido dominante, ele, livremente, rejeitará os veros, separando-os de si, e se unirá aos semelhantes seus.. é isto o nosso juízo final, que nos espera. É simplesmente uma manifestação dos nossos interiores e uma consequente associação ou separação com os que nos são semelhantes ou desemelhantes. Assim, não há a figura aterrorizante de Deus como Juíz impiedoso e rigoroso que lança as almas no fogo eterno. Ele é Juíz, e julga, sim, mas pela aproximação da verdade; o mal e as falsidades é que se repelem e se precipitam para longe da Divina Verdade, o Senhor. O Senhor não lança ninguém nos infernos; pelo contrário, exerce uma atração amorosa num esforço de a todos atrair para Si, para os céus, mas sempre, no entanto, respeitando a livre decisão do homem de querer ou não ser por Ele atraído e a Ele conjuntar-se.
O Senhor efetua o Juízo sempre que vem. A verdade lança luz e afugenta as trevas sempre que surge. A nossa ida deste mundo será o nosso juízo final. Todavia, enquanto aqui estivermos, podemos passar por juízos preparatórios, que são todas as oportunidades que temos de, ao ouvir a Palavra ou as pregações da Doutrina da Palavra, saber aproveitar a luz esclarecedora da verdade vista,  e permitir que essa Verdade efetue em nós, desde já, semelhante juízo, dissipando as falsidades de nossa crença segundo nossos raciocicínios distorcidos, e aplicando essa Verdade para regenerar a nossa vontade corrompida e tendenciosa para o inferno. De fato, sempre que atentamos santamente para a Palavra, como o desejo de andar conforme os Seus preceitos, há um pequeno Juízo sendo feito em nosso mundo espiritual, a nossa mente. A luz da Verdade torna-nos hábeis a distinguir entre o bem que deve ser feito e, antes disso, o mal que deve ser rejeitado. Assim começa a nossa regeneração, neste mundo, e assim receber o reino de Deus dentro de nós. Só assim é que o livro que se abrirá paa nós, em nosso juízo Final, será o livro da vida.
Sempre que o homem que está sendo regenerado possa por semelhante juízo da Verdade, os interiores de sua mente, que correspondem aos céus, são ordenados e completados; as concupiscências de sua vontade são subjugadas e afastadas de sua mente natural. O seu racional, intermediário, se abre e se aperfeiçoa, deixando fluir a luz e o calor que provêm do espiritual, e que esclarecem e aquecem sua mente e seu coração. Uma nova vontade e um novo entendimento, sendo implantados por esse meio, são a igreja nova que o Senhor estabelece no íntimo do homem, pois "eis que o reino de Deus está dentre vós".
É o Senhor, pela Verdade, quem efetua o Juízo. Mas é evidente que nós devemos fazê-lo, como por nós mesmos, para que o Senhor o possa fazer. Seremos julgados, pela Verdade, segundo as nossas obras. São essas obras, portanto, que nosso entendimento esclarecido deve julgar. E sobre essas obras convém lembrar o que nos Ensinam os Escritos em A.R. 868: "Há obras da mente e obras do corpo, tanto internas quanto externas. As obras da mente são as intenções e os esforços, e as obras do corpo são as palavras e as ações. Cada uma delas procede da vida interna do homem, vida essa que é de sua vontade ou amor. Tudo o que ele fizer, e que não termine em obras sejam as internas, que se referem à mente, ou as externas, que se referem ao corpo, não estão na vida do homem, pois elas influem do mundo dos espíritos, mas não são recebidas. Por isso elas são como imagens que ferem os olhos, ou odores que afetam as narinas, das quais o homem vira a sua face". É uma distinção importante, e que implica no seguinte: podemos cometer pecados, fazer as obras más, tanto com o corpo quanto com a intenção: a diferença é que aquela que é feita pelo corpo é pecado do corpo, e que é cometida na intenção, é, semelhantemente, pecado, mas da mente. Se porém, ao sentirmos no pensamento o influxo infernal, não permitimos que ele continue nem ao corpo, para se transformar em ato, nem à vontade, para se transformar esforço, então não teremos praticado tal obra, mas a rejeitado e condenado. Teremos feito o juízo em nossa mente, e a força daquela tentação irá diminuindo, sempre que resistimos, até que o mal seja sepaado de nós.
E como resistir ao tal influxo: pela Palavra, pela Verdade que somente julga e condena o mal. Por nós mesmos não poderíamos julgar nem nos separar do mal, mas o Senhor, nos resgata e nós livra do mal. Por isso é tão importante ler a Palavra com frequência, na letra e no sentido espiritual, e pedir ao Senhor as forças e os meios par tal resistência.
A Palavra é muito clara que essa obra do juízo, que é a obra de regeneração, só se efetua pela Verdade conjunta ao Bem. Quando aprendemos e assim o fazemos. Portanto, o que nos salva é a fé e a vida segundo a fé, a caridade. A fé e as obras. A fé qualifica as obras pelas quais seremos julgados.
Quando o homem introduziu-se a si mesmo no juízo, ou melhor, numa suscessão de juízos, em sua vida ainda neste mundo, ele começa a ser liberto do cativeiro espiritual. Ele passa a ser livre, uma liberdade que não conhecia antes. E "pode perceber melhor as verdades interiores, se assim  quizer, e daí se tornar mais interior, se assim desejar' (JF 74). Depois de cada juízo individual ou específico quanto a cada um de seus estados, um novo aspecto da uma nova Igreja, um novo modo de vida, é criado nele.  E mesmo em sua mente natural ele pode sentir os efeitos do que começa a se passar no seu homem interno. Ele tem paz, alegria e iluminação interiores, (veja CJF 30), que do Senhor lhe vêm por meio dos céus. Amém.

Lições: Lucas 17:20 a  37
Apocalipse 20:11 a 15
V.R.C. 751