«Não sejas incrédulo, mas crente»

Sermão pelo Rev.Cristóvão R.Nobre

«Não sejas incrédulo, mas crente. ... Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram»

(João, 20:27,29).

"Devemos crer nas verdades proferidas pelo Senhor e a respeito do Senhor, ainda que não penetremos nelas pela razão" (DE 2727). Este doutrinal resume de forma bem clara qual deve ser a nossa atitude, quando nos deparamos com dúvidas a respeito das coisas espirituais. Se as compreendemos, bem; se não, ainda assim devemos crer, pois são verdades provenientes do Senhor.
A revelação dos arcanos do céu, feita pelo Senhor, em Seu Segundo Advento, é justamente a Palavra e a Doutrina para a vida da Nova Igreja. Os arcanos ou segredos, uma vez revelados, podem ser divulgados e conhecidos amplamente, sem qualquer restrição. No imenso volume de informação, bem como suas implicações, que nos foi concedido nos Escritos da Nova Igreja, nada há que não tenha sido explicado, na medida do possível, em termos acessíveis ao nosso entendimento. Nenhum ponto houve que tenha sido considerado proibido ou cujo acesso se tenha impedido à nossa razão, por ser mistério. Se agora o Senhor nos fala plenamente a respeito do Pai, como havia prometido aos Seus discípulos, e se agora o Seu Espírito nos guia a toda verdade, é lógico que Sua doutrina agora esteja dada em plenitude à raça humana. De fato, não existe mais mistério.
E, todavia, encontramos, nos mesmos Escritos, ensinamentos como estes: "Acontecia freqüentemente de uns espíritos terem desejado entrar pelos raciocínios nos mistérios da fé, não querendo crer, a menos que tivessem apreendido que a coisa era assim; a esses foi permitido dizer que, ainda que não percebamos em nossa compreensão, mesmo assim devemos crer, e que querer crer porque se compreende é uma inversão da ordem. Isto foi mostrado de muitas maneiras. Hoje, também, a alguns que queriam entrar nos mistérios íntimos da fé foi dado mostrar que esta é uma maneira pervertida, e que devemos crer porque é a verdade" (DE 2725,2726).
Os Escritos condenam a fé ou a atitude comum de muitos, hoje, de só crer naquilo que vê, como fez Tomé. Quando os outros discípulos declararam ter visto o Senhor, Tomé respondeu: "Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos e não meter o dedo no lugar dos cravos, e não meter a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei". Oito dias depois, o Senhor Jesus novamente se manifestou aos discípulos, e repreendeu Tomé: "Não sejas incrédulo, mas crente. ... Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram".
Quando, na idade adulta, aceitamos as verdades reveladas nas Doutrinas da Nova Igreja, um dos aspectos de seus ensinamentos que mais nos cativam é exatamente aquele ensinamento e lema: "Agora é permitido entrar com o entendimento nos mistérios da fé". Achamos ser muito lógico que, se nosso Criador nos fez dotou de entendimento e nos deu o uso do livre-arbítrio nas matérias espirituais, é perfeitamente admissível que queiramos entender o objeto de nossa fé e nossa adoração. Por isso, muitas vezes, em nossa mente, enaltecemos a instrução da Nova Igreja ao pô-la em contraste com a fé cega do cristianismo precedente, pois sabemos que lá não se dão respostas à maioria das questões do pensamento religioso. Antes, a fé cristã antiga é tida como fé cega, acima da compreensão.
Ao afirmar este princípio, de que na Nova Igreja acreditamos porque compreendemos, devemos, todavia, ter o cuidado de não irmos para o outro extremo e também errar, agora pelo fato de colocarmos a compreensão natural acima da fé.
A obstinação de Tomé se tornou símbolo dessa atitude de só acreditar naquilo que se compreende ou que faz sentido às nossas percepções naturais. Às vezes, quando raciocinamos à luz dos sentidos a respeito dos doutrinais da fé, nós os nega, pois que não os podemos ver nem tocar com o entendimento natural. Verdades espirituais que são mais claras do que cristal, parecem-nos confusas, abstratas, servindo para negar, mais do que para confirmar a instrução da fé.
De fato, foi-nos dada agora a liberdade de entrar com o entendimento nos mistérios da fé; mas isto não quer dizer que iremos fazer isso por nós mesmos, pelos nossos sentidos, princípios e convições pessoais, à parte da instrução da Palavra e da Doutrina.
Por exemplo, se lemos nas Doutrinas que os anjos vêem sempre o Senhor como Sol diante dos seus olhos, qualquer que seja a direção para que se voltem, e mesmo quando um anjo está voltado para outro, ambos estão vendo um só Senhor diante de si, não podemos, absolutamente, perceber completamente esse fato com nosso pensamento sensual. Ninguém pode dizer que compreende perfeitamente como é essa verdade.
Sim, podemos entrar com o entendimento nos mistérios da fé. Mas não podemos, jamais, ter a pretensão de querer, pelos raciocínios do tempo e do espaço, pela nossa experiência entender as verdades para só depois, então, nelas crer. Se nossa razão compreende, devemos crer; se não, devemos ainda assim crer.
A atitude de Tomé, de só crer naquilo que seu entendimento aceita e suas convições recebem, embota o entendimento e desvia da verdadeira fé por isso mesmo, que as idéias do sentido não cabem as idéias espirituais. Quando rejeitamos a instrução clara da Palavra e da Doutrina, por as não compreendermos, estamos assumindo uma atitude negativa. Pois é como se disséssemos: «Quero entender antes de crer». Ou «Não quero crer sem compreender, mesmo que a Palavra e a Doutrina o ensinem». O não querer crer fecha a mente para a intrução, cega o entendimento e faz a fé impossível.
Na Nova Igreja, temos a letra da Palavra, Antigo e Novo Testamento como fundamento exclusivo da Doutrina; da letra da Palavra é que deve ser tirada a doutrina da Igreja e essa doutrina deve ser confirmada pela letra. Os Escritos, que são as Doutrinas Celestes, são o sentido interno ou espiritual da Palavra. Eles confirmam, elucidam e corroboram a letra. Portanto, a Palavra integral para a Nova Igreja é a letra e o espírito. Se nós, membros da Igreja, não crermos assim, que diferença haverá entre nós e o conceito falido do cristão? É preferível ficarmos apenas na obscuridade da letra, como fazem os cristãos tradicionais, do que termos as Doutrinas Celestes e fazermos pouco caso do que elas nos ensinam.
A superioridade e a autoridade da doutrina deve ser indiscutível. Podemos, talvez, questionar a iluminação do homem que instrui, que prega e formula a doutrina, ainda que saibamos que, na ordenação, o homem recebe do Senhor a promessa de iluminação do Espírito Santo a fim de o guiar no ensino da congregação; todavia, o ser humano é falível, e pode ser que ele perca essa iluminação. Podemos, talvez, duvidar da honestidade de quem ensina, de fazer seu ensino tendencioso, ainda que possamos observar e julgar se o que é ensinado está conduzindo ao bem ou ao mal. Entretanto, não podemos permitir que esse nosso desprezo à iluminação e ao caráter do  indivíduo se estenda à instrução da letra e das Doutrinas Celestes.
A atitude mais sensata assume quem, com humildade, reconhece a limitação do entendimento humano; reconhece que o pensamento natural é em si mesmo incapaz de penetrar nas coisas espirituais senão em vislumbre e muito geralmente. E assim, dispõe-se positivamente a crer, ainda que não compreenda bem e apesar dessas limitações. «Bem-aventurados os que não viram e creram», o Senhor diz a respeito desses. E por que são bem-aventurados? Porque esse humilde reconhecimento de nossa própria ignorância deixa aberto o caminho da instrução. Em sua disposição de crer, ainda que não entendendo, existe uma vontade de receber gradativamente instrução cada vez mais completa, mais satisfatória, até que, um dia, a verdade vai-se apresentar nitidamente, sem nenhuma sombra de dúvida, porque o Espírito da verdade conduzirá a toda verdade.
Lembramo-nos daquele relato da cura de um cego, em Betsaida. Jesus, «tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia; e, cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa. E, levantando ele os olhos, disse: Vejo os homens; pois os vejo como árvores que andam. Depois tornou a pôr-lhe as mãos nos olhos, e ele, olhando firmemente, ficou restabelecido, e já via ao longe e distintamente a todos. E mandou-o para sua casa, dizendo: Não entres na aldeia».
Notemos que, guiado pela mão de Jesus, o cego foi primeiro tirado de sua aldeia. Como as cidades na Palavra representam a doutrina, o modo de vida da pessoa, ser tirado dali por Jesus se nos afigura como ser tirado de um princípio, uma atitude negativa. O cego, em um certo momento, teve de confiar em que alguém, ao tomá-lo pela mão, iria levá-lo a um lugar seguro. Ele não podia ver senão a escuridão, mas confiou que o seu condutor via e podia por isso conduzi-lo. Se, em sua cegueira, tivesse se recusado a confiar no guia Divino, iria ficar em sua cidade, sem receber o uso da luz.
Jesus podia, de uma só vez, curá-lo completamente. Mas, talvez para nossa instrução, Ele deixou que o cego visse ainda turvamente, figuras indistintas, a pondo de ver homens como árvores que andavam. Só depois foi curado definitivamente; «e ele, olhando firmemente, ficou restabelecido, e já via ao longe e distintamente a todos» (Marcos 8:22-26).
Muitas vezes, devemos ter a humildade de admitir que nossos conceitos podem estar errados, que somos cegos com relação a muitas coisas. Precisamos ter a humildade de nos deixar guiar pela Palavra, esclarecida pela Doutrina, pelas pregações e pelo ensino da Palavra, porque podem, perfeitamentem, estar certos e nossos príncípios errados. A humildade do cego, que se deixou guiar à luz, é oposta à rebeldia de Tomé, que duvidou da palavra de seus condiscípulos.
Se deixarmos a atitude natural de Tomé, de querer provas na nossa percepção natural antes de crer, se deixamos esse princípio negativo em relação à fé, e mantivermos a disposição de crer porque foi o Senhor quem o disse, mesmo que não compreendamos bem como as coisas de fato são, o Senhor, tomando-nos pela mão, nos fará ver gradativamente, cada vez mais nítida a verdade espiritual em que depositamos nossa fé, até que, no futuro, alcancemos a visão clara do espírito, para olharmos firmemente, e ver «ao longe e distintamente a todos». Amém.

 

Lições: Isaías 29; Marcos 8:22-26; João 20:19-29; DE 2725-2727.