Geração espiritual

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

“Pois possuíste os meus rins; cobriste-me no ventre de minha mãe. Eu te louvarei, porque de um modo assombroso, e tão maravilhoso fui feito; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem. Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui feito, e entretecido nas profundezas da terra.   Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia”

 (Salmo 139, partes).

 

É muito comum, na Palavra, a Igreja ser comparada a uma mulher: noiva, esposa e mãe, e isto não vem de outra parte senão do processo de regeneração do homem.
Ocorre com a regeneração do homem espiritual o mesmo que ocorre com sua geração natural. O Senhor é o Pai. A vida e a alma vêm dEle, somente. Ele é que cria o homem espiritual. A Igreja é a mãe, porque o processo de regeneração só pode ocorrer no ambiente da Igreja, o reino de Deus na terra.
O processo todo acontece quando o Senhor insinua as verdades, como semente.
Os que recebem a verdade no coração, isto é, com vontade de aplicá-las na vida, são como a terra fértil ou como a mãe fecunda.
A verdade germina e começa a dar início a uma nova vida.
O processo começou em nós no dia em que ouvimos a Palavra do Senhor com atenção, reconhecemos nossa condição de desvio, de erro, nossa necessidade de mudar o rumo de nossas vidas. No momento em que renegamos ao mal e ao pecado por causa da Palavra do Senhor, começou uma nova vida.
A vida nova é a nossa consciência, que nos faz conscientes de nossos erros e também dos novos valores, espirituais, que temos de buscar.
Tornamo-nos gradativamente mais conscientes dos erros, enganos e falsidades, bem como os males e cobiças. Passamos a ter noção de que esses elementos serão a morte em nós, se continuarmos a viver imersos neles.
O instante em que o Senhor nos dá a noção disso foi descrito no Salmo: Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui feito, e entretecido nas profundezas da terra”, onde os “ossos” não encobertos representam as falsidades que se tornaram manifestas a nós (AE 167). O ventre ou “útero” de minha mãe são os interiores do pensamento e do entendimento, onde essa descoberta acontece.
Quando essa consciência começou a agir, era como uma outra pessoa, uma nova criatura dentro de nós.
Essa nova criatura em nós é que nos alerta, nos exorta, nos chama a atenção.
Ela é implantada por meio da verdade e no ambiente propício à instauração da vida que idealizamos e agora buscamos, a vida do céu
O Senhor implanta a verdade, e o ambiente propício de nosso novo nascimento é provido pela Igreja.
O Senhor zela pela Sua Igreja, e a ama, como a Sua esposa, porque a Igreja tem o uso de prover para Ele filhos, cidadãos dos céus. O cuidado que Ele tem por Sua Igreja está demonstrado no lamento da profecia em Lucas 21:23 “Mas ai das grávidas, e das que criarem naqueles dias! porque haverá grande aperto na terra, e ira sobre este povo”, significando que o Senhor Se compadece dos que, em Sua Igreja, estão no começo do processo de regeneração, pois Ele conhece bem as lutas e as dificuldades por que terão de passar. Esse cuidado do Senhor pelos que estão sendo regenerados também foi referido no Salmo 139, onde se diz: Pois possuíste os meus rins; cobriste-me no ventre de minha mãe. “Possuir os rins” significa purificar as verdades das falsidades; e “cobrir no ventre da mãe” significa defender contra as dalsidades do mal que procedem do inferno, e isto do começo da regeneração em diante, continuamente” (AE 710).
O Senhor disse: “O que nasce da carne é carne, e o que nasce do espírito é espírito”. São dois nascimentos, e nada há comum entre eles senão a correspondência. E a correspondência entre essas duas gerações é perfeita: o ambiente espiritual em que o Senhor nos forma é como o ventre materno. Cada um de nós é uma nova criatura de Deus; estamos sendo feitos Seus filhos. Existe um processo de gestação espiritual acontecendo com cada um de nós.
Enquanto no útero, o embrião de uma nova pessoa é sustentado, protegido e amado. Na Igreja, em condições ideais, cada pessoa deve receber a instrução espiritual. Esta é como o sangue, porque o sangue corresponde à verdade espiritual. Os ensinamentos tirados da Palavra, com sanidade e pureza, são como o sangue que a criança recebe da mãe, sangue purificado que leva os nutrientes.
Cada membro da Igreja deve se interessar em receber instrução, deve se esforçar para freqüentar o culto, freqüentar os estudos doutrinais, ler os livros doutrinais e a Palavra. Se a pessoa não faz isso, não pode ser alimentada espiritualmente. É como o feto que deixa de receber o sangue vital de sua mãe.
A Igreja provê sempre formas, meios de instrução adequada a todos os seus membros, mas não pode obrigar a que a ninguém a recebê-los. Cada um é responsável por isso.
A instrução parece que vem da Igreja: parece que é o pastor que ensina, ou que a leitura que lê, ou os debates nos estudos doutrinais, mas não é. É o Senhor que inspira a afeição pelas verdades e faz com que elas sejam recebidas.
Juntamente com o sangue, o novo ser recebe o oxigênio, que é a liberdade espiritual de que desfrutamos no ambiente da Igreja. Cada um de nós tem de ser livre para viver a vida que é conforme sua consciência cristã. Na Igreja, não podemos obrigar uns aos outros a se regenerar, não podemos impor uns aos outros nossos pontos de vista, nossos valores. A instrução é dada; ensina-se claramente o que é certo e errado, mas cada um reage a seu critério. Se a Igreja fosse obrigar a todos os seus membros viverem de determinada maneira, ela sufocaria a vida espiritual de alguns, porque há diferenças de personalidade, de experiência, de aceitação, e só o Senhor sabe como oferecer o que é propício.
Portanto, não é a mãe que dá o oxigênio ao filho no seu ventre, mas vai junto com o sangue. É a Alma divina que o transporta a cada uma das células. A mãe nada sabe desse processo. Ela deve ter apenas o cuidado de não deixar que o fluxo de oxigênio se interrompa, provendo a liberdade e o respeito pelas decisões individuais, quando isso estiver dentro da ordem e dentro dos critérios de amor ao próximo.
É evidente que a liberdade não se aplica às coisas más. Um membro da Igreja não pode achar que é livre para fazer o mal e proferir falsidades, porque isso é contra a sua própria vida espiritual e a vida da Igreja. A liberdade de que se fala é a liberdade de entender o vero e fazer o bem à sua maneira, porque falar o falso e fazer o mal é agredir a vida dos outros, o que não é permitido.
A mãe não sabe, realmente, como fazer o sangue e o oxigênio chegar ao coração do filho em seu ventre: é a Alma, a operação de Deus que o faz. Ela apenas sabe que a coisa é assim, mas não controla nem administra esse processo interno.
Ela também não sabe como a Alma tira do corpo materno as substâncias de que precisa para formar os órgãos, os tecidos, os membros da nova criatura.
Não sabemos como a regeneração de cada um de nós se processa. Por que meios o Senhor nos leva, que experiência Ele nos leva a ter, que males terá de permitir que soframos... São processos secretos. Como disse a Nicodemos: “O vento sopra onde quer...
Mas há coisas que cabe à mãe fazer. Quando está grávida, toda mulher sabe que há coisas que deve evitar, certos esforços, certos medicamentos ou mesmo alimentos que podem fazer mal à criança. Não por ela, mas para o bem da criança em seu ventre, pois ela precisa de sua proteção. E essas coisas a mãe deve fazer consciente e cuidadosamente, senão ela poderá vir a provocar um aborto e o fim de uma vida que se inicia.
Nós, a congregação da Igreja, quando tomados em conjunto, somos como uma mãe. Não por nós mesmos, mas pelos bens e verdades espirituais que o Senhor já implantou em nossas mentes e nossas vidas. Nossas consciências espirituais, nosso sentimentos de amor ao próximo e nossa sentido de dever uns para com os outros formam o ambiente em que se processa a regeneração de cada indivíduo.
Nós também precisamos nos resguardar de certas práticas, a fim de não desencorajar o irmão que está se iniciando na vida de regeneração. Há práticas que são escandalosas, porque atentam contra os Dez Mandamentos, e precisamos deixá-las, não só para nossa salvação, para também por causa do irmão ao nosso lado, porque temos responsabilidade para com ele.
Cabe à congregação dos irmãos olhar para cada um com respeito, com carinho, com amizade e sentimento protetor cristão, porque a vida espiritual daquele irmão está, muitas vezes, em nossas mãos. Para o irmão ao meu lado, eu sou como a parede placentária da mãe. Tenho de defendê-lo, quando estiver sendo atacado injustamente. Tenho que me sentir responsável pelo seu bem-estar espiritual. Tenho que dar atenção às suas necessidades, sobretudo as espirituais. Tenho que transmitir a ele encorajamento, ânimo, proteção.
Há igrejas onde o ambiente espiritual é hostil. Não há consideração uns pelos outros, não há amor ao próximo nem preocupação com o crescimento e vida espiritual de cada um e de todos. São como mães que se envenenam e mesmo agridem o filho em seu ventre, provocando em si mesmas abortos, reais assassinatos espirituais.
Quando a Igreja se afasta do amor ao próximo, também se afasta da verdadeira fé, e se afasta do Senhor. Os males e falsidades na vida dos membros fazem com que toda a Igreja seja vista como uma mulher degenerada e devassa, distante do Senhor por causa de sua infidelidade. Perde a visão dos valores celestes e se volta para as coisas do mundo. A uma Igreja assim foi dirigida a palavra do profeta Oséias (cap. 2:2,5):  “Contendei com vossa mãe, contendei, porque ela não é minha mulher, e eu não sou seu marido; e desvie ela as suas prostituições da sua vista e os seus adultérios de entre os seus seios. (...)  Porque sua mãe se prostituiu; aquela que os concebeu houve-se torpemente, porque diz: Irei atrás de meus amantes, que me dão o meu pão e a minha água, a minha lã e o meu linho, o meu óleo e as minhas bebidas”.
Se agirmos com um sentimento cristão e com sinceridade uns para com os outros, seremos cada vez mais uma congregação fiel digna de ser chamada Noiva e Esposa do Cordeiro, porque os bens e verdades recebidos na vida serão coisas com as quais o Senhor pode Se conjuntar conosco. Numa esfera assim, cada um de nós poderá, por sua vez, contar com o carinho protetor de todos, com a simpatia para com seus erros, se errar, com compreensão para com suas fraquezas, quando se manifestarem, porque cada um estará visando ao bem de todos, cada um se sentirá participante da instauração da vida dos céus no seu irmão.
Num ambiente espiritual assim, nossa regeneração progredirá com segurança, porque, da mesma forma que cada um de nós se sente criatura do Senhor, embrião de um anjo, sente-se também mãe, genitora auxiliar da ventura eterna do irmão ao seu lado. Porque, de fato, nossas palavras e nossas ações influenciam em muito o nosso irmão. Meu procedimento, meu falar, minhas atitudes, ou até mesmo uma única palavra ou um simples olhar, vão certamente fazer parte da experiência da outra pessoa, permanecer em sua memória, afetar seu humor e suas afeições. Assim, nosso procedimento pode tocar sua vida positiva ou negativamente.
Desta maneira, a  minha vida, e a maneira como a vivo, juntamente com a vida e a maneira de vida dos demais irmãos, são, agora, o ambiente espiritual em que o novo ser espiritual do irmão está envolvido neste mundo, até o momento em que a sua regeneração se completar.
Isto tudo, que diz respeito à Igreja no plano geral, também se aplica à Igreja no íntimo de cada um de nós, chamada Igreja em particular. A nossa consciência, que adquirimos quando passamos a buscar a vida espiritual, é o ambiente em que se está formando uma nova vontade, o corpo do novo homem espiritual que o Senhor está formando em nós. A consciência tem um papel vital de proteger esse ser celeste e novo dentro de nós, afastando os males e falsidades que podem destruir a vida espiritual.
Devemos, como se por nós mesmos, buscar a orientação da Palavra sobre as questões da vida, enriquecer e fortalecer nossa consciência com as verdades espirituais. Devemos usar para o bem a liberdade que o Senhor nos oferece, utilizando-a para desempenhar bem os usos de nosso dever. Devemos fugir de males e cobiças do pecado como reais venenos que poderiam enfraquecer e mesmo pôr um fim à vida espiritual, que poderiam fazer abortar em nós a formação do céu.
Somos essa nova criatura em formação, um embrião de um cidadão dos céus, e, ao mesmo tempo, somos o meio em que esse novo ser é formado. Há em nós o corpo frágil de um anjo e também o tecido envolvente da placenta que será descartado e esquecido. Precisamos conhecer e reconhecer em nós o que é celeste, eterno, vivo e novo, o nosso eu regenerado que deve ser sustentado e protegido e, por outro lado, o que é temporal, terreno e apenas meio que o Senhor proveu para essa criação em nós. Há valores que ficarão para a vida eterna, que farão parte de nós, e há valores terrenos que passarão e que por isso mesmo não podem se tornar as coisas principais em nossa vida, porque foram dadas somente para um uso transitório.
Do livro bíblico dos Provérbios (6), ouçamos então este conselho e o conservemos sempre em mente: 20 ¶ Filho meu, guarda o mandamento de teu pai, e não deixes a lei da tua mãe; ata-os perpetuamente ao teu coração, e pendura-os ao teu pescoço. Quando caminhares, te guiará; quando te deitares, te guardará; quando acordares, falará contigo. Porque o mandamento é lâmpada, e a lei é luz; e as repreensões da correção são o caminho da vida...”Amém.


 

 

AC 3570 [4] It is known that the soul of man commences in the ovum of the >mother, and is afterwards perfected in her >womb, and is there encompassed with a tender body, and this of such a nature that through it the soul may be able to act in a manner suited to the world into which it is born. The case is the same when man is born again, that is, when he is being >regenerated. The new soul which he then receives is the end of good, which commences in the rational, at first as in an ovum there, and afterwards is there perfected as in a >womb; the tender body with which this soul is encompassed is the natural and the good therein, which becomes such as to act obediently in accordance with the ends of the soul; the truths therein are like the fibers in the body, for truths are formed from good (n. 3470). Hence it is evident that an image of the reformation of man is presented in his formation in the >womb; and if you will believe it, it is also the celestial good and spiritual truth which are from the Lord that form him and then impart the power to receive each of them successively, and this in quality and quantity precisely as like a man he looks to the ends of heaven, and not like a brute animal to the ends of the world.