Fugir dos males

Um sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

“Quando pois vos perseguirem nesta cidade, fugi para outra; porque em verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades de Israel sem que venha o Filho do homem’.

Mateus 10:23
“Saí de Babilônia, fugi de entre os caldeus. E anunciai com voz de júbilo, fazei ouvir isso, e levai-o até ao fim da terra; dizei: O SENHOR remiu a seu servo Jacó”

Isaías 48:20


Os dois versículos acima têm como ponto central a exortação dada pelo Senhor para fugir, porque, muitas vezes, a fuga do mal é a única forma possível de salvação. Assim foi com Ló e sua família, que teve de fugir de Sodoma e Gomorra, como os discípulos no tempo da perseguição e o povo de Israel, que devia fugir de entre os caldeus.
Um dos ensinamentos fundamentais na fé da Nova Igreja é que o homem deve fugir dos males como pecados. Algumas vezes, em vez de dizer “fugir”, dizemos “afastar”, afastar os males. Todavia, o verbo mais freqüentemente empregado no texto das Doutrinas é, mesmo, “fugir”, segundo uma ilustração que nos é dada em Verdadeira Religião Cristã, 510: “O homem é regenerado por abster-se dos males do pecado e por fugir deles, como alguém fugiria de tropas infernais armadas de tochas que se esforçassem para assaltá-lo e lançarem-no em uma fogueira”.
Sem dúvida, essa ilustração é bem viva, bem clara: fugir como alguém fugiria de um bando de criminosos que quisessem matá-lo e queimá-lo numa fogueira.  A fúria e crueldade desses perseguidores é assim descrita porque é assim mesmo que os espíritos dos infernos consideram o homem, conforme lemos em O Céu e Inferno, 249: “Os maus espíritos são tais que têm um ódio mortal contra o homem, e não há nada que desejem com mais ardor do que destruí-lo quanto à alma e ao corpo”.  O apóstolo Pedro, também ciente desse furor infernal contra a criatura humana, assim escreveu em sua carta (I Pedro 5:8): “Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar”.
Há uma grande turba de maus espíritos que cerca todo vivente e que não deseja outra coisa senão destruí-lo, não só quanto à alma, mas também quanto ao corpo.  E ainda mais quando o homem quer se desvencilhar deles e se libertar do seu domínio.
Sendo esse quadro uma realidade espiritual e não uma simples figura de linguagem, podemos imaginar o perigo real que a alma humana corre quando se deixa alcançar por esses demônios ou, pior ainda, quando se deixa ficar na companhia deles e com eles convive. É óbvio que ninguém admitiria viver em comunhão com diabos, mas, inconscientemente, é o que a pessoa faz quando é tolerante com os males e as falsidades em sua vida. Daí se torna evidente a pertinência dessa admoestação de que é necessário fugir e não se enganar a respeito do poder destruidor que os infernos têm.
Não se pode desdenhar a realidade de um tal perigo. E é preciso que fique claro que os infernos têm um poder maior do que o poder de qualquer homem.  Homem algum, por sua própria força, pode vencer os males injetados pelos infernos.  A desproporção entre a força do homem e a força dos infernos é tamanha que assim Verdadeira Religião Cristã 68 as compara: “Contra o mal e a falsidade o homem pode menos que um peixe contra o oceano, uma pulga contra uma baleia ou um grão de poeira contra uma avalanche, e ainda menos que um gafanhoto contra um elefante, ou uma mosca contra um camelo. (...) O homem tem tão pouco poder assim contra o mal e a falsidade porque ele nasceu no mal, e o mal não pode agir contra si mesmo”. Por isso é que, na luta contra o mal, se nós nos confiarmos em nossa própria resistência, nossa própria força de vontade, nossa bondade ou coragem, é certo que falharemos. Ninguém deve confiar que pode enfrentar os males por seus próprios recursos e os vencer.
O homem ignora e muitas vezes subestima a crueldade, a astúcia e o poder com que espíritos infernais atacam, com que incutem a malícia e o ódio, para destruir os bens e verdades, que são a vida espiritual de uma pessoa. E porque ignora como os infernos agem, a pessoa deixa de vigiar e tolera em sua vida males menores, sem perceber que um mal atrai outro maior, um abismo chama outro abismo, como diz o Salmo 42. E esses males tolerados na vida são brechas por onde os espíritos infernais penetram. 
A confiança enganosa em sua própria força pode levar a pessoa a ser indulgente com o pecado, se pensa que pode pecar e, quando quiser, deixar de fazê-lo facilmente. Todavia, cada vez que se entrega a um pecado, a pessoa está se emaranhando cada vez mais nas amarras diabólicas, e cada vez terá mais dificuldade para se livrar delas, com o risco de que isso não seja mais possível, senão com grandes lutas e graves sofrimentos.
Ninguém pode sair incólume de uma experiência consentida com o mal, porque o pecado sempre deixa sua marca. A recompensa do pecado é a morte. Ninguém pode sair limpo da convivência com espíritos imundos, assim como ninguém pode negociar com bandidos sem se tornar cúmplice deles, ou sem ser lesado e ferido por eles. Por isso, ninguém pode se permitir conviver com espíritos infernais risco de perda de sua alma. Daí a necessidade de fugir do mal.
Nossa fraqueza relativamente aos infernos reside no fato de que nós, quanto à nossa natureza antiga, nosso proprium, estamos ligados aos infernos por meio das tendências a males que procedem de lá. Enquanto estivermos aqui, neste mundo, ainda que estejamos sendo regenerados pelo Senhor, haverá sempre algumas áreas em nossas vidas em que a atuação dos maus espíritos será constante.  Temos, sim, tendências ou inclinações para determinados males, e essas tendências são como as cordas que nos prendem, nos amarram a determinadas sociedades de maus espíritos. Seja por erros que praticamos conscientemente, seja pela hereditariedade que inconscientemente carregamos, vivemos presos a muitas cadeias. Mas, durante o processo de regeneração, se nos decidirmos a não mais praticar o mal, então o Senhor  entra em nossas vidas e rompe por nós, uma a uma, as cadeias infernais de nossa servidão. No entanto, este é um trabalho paciente, uma operação Divina que ainda não está completa enquanto estivermos aqui; só se completará no céu.  Assim, uma vez que ainda não fomos inteiramente livres das influências malignas e, se nos deixarmos levar pela ilusão da própria força, ou se subestimarmos o poder do mal sobre nossas inclinações e nosso proprium, poderemos ser irremediavelmente arrastados por eles, assaltados e queimados vivos em fogueiras de cobiça e de ódio.
O homem não pode enfrentar os males por si só, não pode resistir a eles. Mas quando suplica o socorro do Senhor e faz a sua parte, então o Senhor, por meio dos anjos, vem e combate os males pelo homem e os vence. A parte que cabe ao homem é afastar-se do mal, fugir dele como fugiria de tropas infernais.
Um cristão prudente normalmente se afasta do mal, não se entrega conscientemente à prática dos pecados previstos nos Dez Mandamentos, como exemplo, o roubo: não assalta, não saqueia e não furta, isto é, não comete com suas mãos os atos que constituem o pecado do roubo. Assim, em toda aparência, está se afastando do roubo como pecado. Todavia, se em seu pensamento ou intenção, ele não fugir também do desejo de possuir o que é alheio, se não fugir do prazer reter ocultamente o que não lhe pertence, se não fugir dos raciocínios da fraude ou da maquinação para conquistar bens dos outros, então, não estará realmente fugindo do roubo como pecado, o qual permanece em seu coração como uma ligadura a prender-lhe àquela tropa infernal que se compraz com o mesmo crime.
Deve-se fugir do mal e também da cobiça e do pensamento do mal, pois o desejo oculto no coração torna a pessoa uma presa fácil dos infernos.  Por causa das cobiças, a hoste infernal alcança o homem como por ciladas, aprisionam sua vontade e, finalmente, destroem no fogo infernal toda a vida do bem que houver nele, a saber, as afeições genuínas celestes que o Senhor implantou nele desde a infância.  Quando isso acontece, o homem está perdido espiritualmente.
O mesmo se dá com os outros pecados previstos no Decálogo, como o do adultério. Se o homem ou mulher cristãos não comete adultérios fisicamente, para toda a aparência está se afastando desse pecado. Todavia, se costuma dar trela aos pensamentos de sua imaginação e aos seus desejos lascivos, e se costuma se dar a conversas obscenas, se tem prazer em diversões indecentes, então, não está realmente fugindo do mal do adultério. Ao contrário, por esses pensamentos e intenções ocultos, está se expondo ao ataque da turba infernal que intenta destruir e queimar nele ou nela as afeições celestes de um amor verdadeiramente conjugal. Fugir da turba infernal, nesse caso, é ter o cuidado de afastar prontamente os pensamentos libidinosos da luxúria, é não se dar a conversas torpes, brincadeiras obscenas e de sentido malicioso. Porque todas essas coisas, embora pareçam pequenas e sem importância, são cunhas, são laços, são armadilhas pelas quais, com o cooperação da própria pessoa, a tropa infernal assalta tudo o que é puro, casto e bom, e que vem do casamento celeste entre o Senhor e Sua Igreja.
Fugir do mal quer dizer, obviamente, sair de perto do lugar de infestação, afastar-se o mais que se pode das situações de perigo, vigiar para não se expor à ação maligna dos perseguidores espirituais. Fugir é, pois, não confiar em sua própria resistência. Fugir é não menosprezar a enormidade do poder das trevas. Lemos no livros dos Provérbios (6:26, 27):  “Porventura tomará alguém fogo no seu seio, sem que suas vestes se queimem? Ou andará alguém sobre brasas, sem que se queimem os seus pés?”
O Senhor nosso Deus é Todo-poderoso, Onipotente. O poder dEle é incomparavelmente, infinitamente superior ao poder de todos infernos. E esse poder Ele dá aos anjos que combatem os infernos em favor do homem. Esse poder angélico foi descrito na leitura que fizemos de O Céu e o Inferno (229, 230) (ver na última página). Se há um tal poder para os anjos, isto vem de que todos eles, antes de terem se tornado anjos, foram homens e mulheres que venceram o mal, ou melhor, permitiram que o Senhor vencesse o mal por eles, em suas vidas. O bem foi confirmado nos seus corações, e é dito que os espíritos malignos não ousam jamais atacar um bem que foi assim confirmado.
Mas isto é lá, nos céus. Porque aqui, para nós, e por enquanto, a luta ainda está em pleno andamento. Aqui, estamos pendendo ainda entre bem e mal, o céu e inferno, o Senhor e o diabo, conforme lemos no texto de nossa lição em Doutrina de Vida (18,19): “Enquanto o homem está no mundo, está em um meio entre o Senhor e o diabo, e é mantido na liberdade de voltar-se ou para um ou para o outro; se se volta para o diabo, desvia-se do Senhor; mas se se volta para o Senhor desvia-se do diabo”.
Enquanto estivermos no mundo, a obra de novo nascimento não estará terminada. Estamos sendo gerados espiritualmente, é certo, mas há o risco de, se retrocedermos, tornamo-nos abortos espirituais e não novas criaturas dos céus. Para nós, o perigo de sermos assaltados pelos infernos só vai passar completamente quando alcançarmos os céus e estivermos em plena segurança.
“Quando pois vos perseguirem nesta cidade, fugi para outra”. “Saí de Babilônia, fugi de entre os caldeus”, o Senhor nos exorta, para nossa salvação. E fugir do mal é evitar não somente o mal, mas também as situações que se parecem com o mal. Assim Paulo escreveu aos Tessalonicenses 5:21-23:  “Examinai tudo. Retende o bem. Abstende-vos de toda a aparência do mal. E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”.
Irmãos, procuremos guardar a consciência pura, irrepreensível, mantermo-nos distantes de tudo o que pode contaminar nossa vida espiritual ou servir de brecha para a infestação maligna.
Sejamos vigilantes, estando conscientes das situações de risco, dos momentos em que as hostes infernais insinuam pensamentos e sentimentos em nossas mentes e corações, como sementes de plantas daninhas que, se dermos condições, brotarão, crescerão e tomarão conta de toda a terra, destruindo a vinha e a seara de Deus em nós. Se permanecermos vigilantes e confiarmos não em nós, mas no Senhor, Ele, somente Ele, com nossa cooperação e por meio de Seus anjos, poderá combater os infernos por nós e vencer.
Nas leituras diárias que estamos fazendo, a de sexta-feira tinha um comentário bastante pertinente, do Rev. Sperry, sobre a temperança. Citemo-lo, como conclusão de nossa exortação de hoje: “Cada pessoa deve praticar a temperança, que é a vigilância e a correção oportuna de tendências que descobre em si própria, tendências essas que, se não forem emendadas, podem dar fim à utilidade de sua vocação”. Amém.

Lições:  Salmo 42
Doutrina de Vida, 18,19
O Céu e o Inferno, 249

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Doutrina de Vida (18,19)
“Quanto  mais o homem foge dos males como pecados, mais pratica os bens, não por si, mas segundo o Senhor. Quem não sabe c não pode saber que os males impedem o Senhor de entrar no homem? Com efeito, o mal é o inferno e o Senhor é o céu; ora, o inferno e o céu são opostos; quanto mais o homem está em um, tanto menos ele pode estar no outro; porque um opera contra o outro e o destrói. Enquanto o homem está no mundo, está em um meio entre o inferno e o céu: abaixo está o inferno e acima está o céu, e então ele é mantido na liberdade de se voltar para o inferno ou para o céu; se se volta para o inferno desvia-se do céu; mas se se volta para o céu, desvia-se do inferno. Ou, o que é a mesma cousa, enquanto o homem está no mundo, está em um meio entre o Senhor e o diabo, e é mantido na liberdade de voltar-se ou para um ou para o outro; se se volta para o diabo, desvia-se do Senhor; mas se se volta para o Senhor desvia-se do diabo. Ou, o que é ainda  a mesma coisa, enquanto o homem está no mundo, está em um meio entre o mal e o bem, e é mantido na liberdade de voltar-se para um ou para outro; se se volta para a mal, desvia-se do bem, mas se se volta  para o bem, desvia-se do mal”.

O Céu e o Inferno (229, 230):
“O poder dos anjos no mundo espiritual é tão grande que se eu referisse tudo aquilo que vi excederia qualquer crença. Lá, se alguma coisa resiste e se for necessário removê‑la, por ser ela oposta à ordem Divina, eles a derrubam e destroem apenas por um esforço da vontade e por um olhar. Como umas montanhas que tinham sido invadidas por maus espíritos. Vi essas montanhas quebradas e desabadas e, às vezes, viradas completamente, como sucede nos terremotos. Vi, também, rochas se abrirem pelo meio até aos abismos, e tragar os maus que estavam em cima. Vi, ainda, centenas de milhares de maus espíritos dispersos e lançados no inferno pelos anjos. Uma multidão nada pode contra eles, nem artifícios, nem astúcias, nem coligações. Eles vêem tudo e dissipam tudo em um momento. ... Tal é o poder dos anjos no mundo espiritual. Que os anjos também tenham semelhante poder no mundo natural, quando lhes é concedido, é o que se vê na Palavra, pois nela se lê que eles entregaram à morte exércitos inteiros e que um só anjo propagou a peste pela qual morreram setenta mil homens. Assim está escrito sobre esse anjo: “O anjo estendeu sua mão sobre Jerusalém para destruí‑la. Mas, arrependendo‑se JEHOVAH de seu mal, disse ao anjo que destruía o povo: É bastante ! Agora retira a tua mão... E David via o anjo que feria o povo” (II Samuel 24:16 e 18). É porque os anjos têm tal poder que eles são chamados Potências. No Salmo 103:20 está escrito: “Bendizei a JEHOVAH, anjos poderosíssimos em força”.  Contudo é bom saber que os anjos não têm absolutamente poder algum por si próprios, mas todo poder lhes vem do Senhor, e que eles são potências tanto quanto reconheçam isso. Quem dentre eles crê ter o poder por si mesmo se torna logo tão fraco que não pode resistir até a um espírito mau; é o que leva os anjos a não se atribuírem absolutamente mérito algum e, por isso, detestam todo louvor e toda glória por qualquer ação que seja, e atribuem ao Senhor o louvor e a glória”.

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Pregado em 18/03/01;  revisado e enviado em 20/03/01