Causas de frieza no casamento

  pelo Rev. C. R. Nobre

“...Não serão dois, mas uma só carne”

Marcos 10:8

O membro da Nova Igreja tem uma noção bem clara de que o casamento é uma instituição Divina, porque tem origem no casamento do Divino Amor e a Divina Sabedoria em Deus, e que essa união se realiza em vários níveis, tanto no próprio indivíduo, entre sua vontade e seu entendimento, como fora, entre um marido e uma esposa. A partir daí, pode-se compreender com maior profundidade por que o Senhor disse que, no casamento, “não serão mais dois, mas uma só carne”.
Nos Escritos da Nova Igreja encontramos instruções que diferem dos dogmas de outras religiões pelo fato de serem informações de cunho prático, de aplicação direta à vida, pois que essa Doutrina é para a vida da Nova Igreja.
É evidente que, mesmo tendo à nosso alcance um imenso tesouro de arcanos na Nova Igreja, não pretendemos saber tudo nem possuir resposta para todas as questões da vida. No entanto, sabemos que, se nos dirigirmos à Palavra em sua forma integral, na letra e no seu Sentido Interno, poderemos ver, a seu tempo, as respostas essenciais de que precisamos. E, à medida que atingimos uma idade espiritualmente adulta, veremos solucionadas inúmeras questões que antes se nos apresentavam como mistérios.
Um ponto difícil em que os Escritos lançam sua luz esclarecedora e prática, no que diz respeito ao casamento, é o das razões por que muitos casamentos terminam. Aprendemos que existem várias causas de frieza que acabam acarretando a separação, e elas podem ser classificadas em três tipos: causas interiores, causas exteriores e causas acidentais. O “Amor Conjugal”, dedica um capítulo inteiro ao tema das causas de frieza, de separação e também das causas de divórcio. São tratadas num mesmo capítulo porque essas causas são interligadas, como se poderá ver depois. Procuraremos examinar em série estas causas em três sermões. Veremos hoje o que nos ensina a obra “Amor Conjugal” sobre as causas internas das friezas no casamento.
Logo de início, ficamos sabendo que as separações acontecem por causa de friezas internas e não de friezas externas. Essas friezas passam a existir no casamento por várias razões, podendo aparecer junto com o casamento ou mais tarde (Am.Con. 234). Porque, em geral, todo casamento tem seu início de calor, um abrasamento do amor que leva um homem e uma mulher a se unirem. Esse primeiro calor é o amor que normalmente se chama “paixão” ou então o calor do amor físico, chamado de “amor do sexo” nos Escritos.
No mundo se conhecem as causas de friezas externas, mas não as internas, as que, realmente, levam o casamento ao seu fim. As friezas internas, desconhecidas, dizem respeito à alma humana, e por isso somente uma revelação Divina pode nos ensinar com segurança sobre a sua natureza. Realmente, a frieza externa tem origem nas frieza internas e é derivada desta. Quando um casamento se rompe, em geral o que se manifesta como motivo causador do rompimento são as causas da frieza externa, mas as da frieza interna, que foram a razão real, jazem ignoradas.
Para que saibamos o que são essas friezas internas, é preciso que saibamos antes que existe um calor espiritual e um frio espiritual. O calor espiritual vem do Sol dos céus, e é a esfera de Amor que procede do Senhor Deus Jesus Cristo. E a luz é a sabedoria que procede desse Amor. A essência de Deus é o amor com a sabedoria que daí procede. Pelo influxo desses dois essenciais, o Senhor aquece todas as criaturas com o amor espiritual e dá a todo ser humano a faculdade de compreender a verdade (Am 235). Lemos no Apocalipse a este respeito, quando é dito que nos céus, a saber, na Santa Jerusalém, não há necessidade de sol e de lua, porque o Senhor é o sol.
O sol do mundo natural foi criado em correspondência com o Sol dos céus. O calor e a luz naturais são para aquecer o corpo e dá a luz dos olhos, fazendo vivos corpo e mente naturais, da mesma forma e ao mesmo tempo que o calor espiritual aquece a vontade com o amor de Deus e esclarece com o entendimento com o brilho da fé. Quando o homem é receptivo do influxo do sol natural ao mesmo tempo que o é do Sol espiritual, ele está na ordem da criação; esses dois calores e essas duas luzes se conjuntam nele e o fazem criatura realmente humana, natural e espiritual.
Mas quando isso não acontece, ou seja, o homem deixa de receber o influxo do Sol espiritual que é o Senhor, o calor natural está nele separado do calor espiritual, e então o homem se afasta de sua qualidade realmente humana. Isto ocorre quando a pessoa ama as coisas naturais e rejeita as espirituais. Quanto mais ela faz isso, mais o calor espiritual se retira, e os interiores do homem se esfriam, pois não podem mais ser receptivos do calor e da luz dos céus. No mundo espiritual, isto foi presenciado por Swedenborg quando viu espíritos que eram de caráter inteiramente natural serem tomados de um frio intenso quando estavam ao lado de um anjo que estava em um estado de amor, porque o calor espiritual, quando não é recebido, se torna em semelhante frieza. (Am Con. 235).
Nos casamentos, essa frieza espiritual é o que provoca a desunião de almas e a disjunção de mentes, e daí a separação. Pois o amor verdadeiramente conjugal foi inscrito na alma como um amor que reside acima de a todos os outros amores. É o fundamental de todos os amores porque é a correspondência do casamento Divino do Amor e a Divina Sabedoria. Assim, quando os interiores não estão na recepção de calor e luz espirituais, esse influxo Divino que tende a formar uma imagem sua, que é o casamento, não pode prosseguir em sua descida da alma, pois os interesses abaixo dali são contrários, estão voltados para si mesmo e por tendem para a disjunção.
Em conseqüência, tão logo a paixão inicial, o primeiro calor do casamento se esvai e o atrativo natural entre duas pessoas se apaga, e como o calor espiritual não pode ser recebido, o amor oposto começa a tomar o seu lugar, e desse amor oposto não pode vir senão a ausência do calor, isto é, a frieza espiritual. Daí vem primeiro uma indiferença de um pelo bem do outro, depois a discórdia entre os dois, depois o desgosto de um com o outro, em seguida a falta de esperança, depois ainda a aversão e finalmente a separação, do leito, do quarto e de casa (ver Am.Con 236). “Daí vem que esta frieza aí começa, e decorre sucessivamente nas coisas que seguem, e as infecta, e assim muda as alegrias e os prazeres do amor primitivo em tristezas e desprazeres”.
O amor conjugal é recebido e reside em regiões tão íntimas e tão elevadas da criatura humana, para que, quando o bem e a verdade se conjuntarem ali, todas as coisas abaixo estejam em ordem e formam na pessoa uma imagem do casamento Divino. É esse casamento de bem e vero, caridade e fé, que constitui a Igreja na pessoa.
Ora, para que a recepção do calor e luz Divinos seja possível e desça em sua ordem, é necessária a fé no Deus Criador e a vida condizente com essa fé. Vê-se, então, que uma religião sã é o único meio pelo qual esse amor pode descer e se realizar como casamento na mente natural, porque a religião é que ensina quem é o Deus que deve ser adorado qual é a fé salvífica.
Portanto, se não houver religião, também não há o amor verdadeiramente conjugal. Este é o motivo pelo qual há hoje um descaso tão grande para com o casamento: é o mesmo motivo pelo qual se despreza a fé e a religião como conduta de vida. É certo que existem muitíssimas religiões, mas cada religião é qualificada pelos os veros de sua doutrina. Assim, se não há veros reais na religião, ela deixa de ser religião e passa a ser uma fé persuasiva e falsa (Ver Am.Con. 239), o que dificulta a existência do amor verdadeiramente conjugal nas mentes e corações de seus seguidores.
As Doutrinas Celestes nos ensinam que há quatro causas internas de frieza no casamento.
A primeira causa de frieza interna é quando um dos dois rejeita a religião. Porque “naquele que repele a Igreja não há nenhum amor bom”. Pode até haver alguma bondade no corpo e na mente natural, mas não no espírito. Quem rejeita a religião, rejeita ao mesmo tempo as coisas espirituais a que a religião conduz e, conseqüentemente, rejeita o amor conjugal, que é um amor espiritual por excelência. E quando a religião é rejeitada, o amor oposto, que é o amor pelo adultério, não pode deixar de ser favorecido e finalmente é recebido em lugar do casamento. É dito que os que rejeitam a religião têm mais frieza pelo cônjuge do que todos os outros, e só se unem ao cônjuge por motivos externos. (Am. Con. 240). Pela rejeição das coisas espirituais os interiores do espírito são fechados e os interiores do corpo, por não receber vida espiritual, ficam obstruídos. É então que o amor natural pelo sexo oposto se torna amor vil, lascivo e finalmente desaparece.
A segunda causa interna de frieza no casamento existe quando um tem religião e outro não tem. No caso anterior era a rejeição à religião, neste é ausência da religião. Quando este é o caso, as almas estão em desacordo, porque, enquanto a de um está aberta para receber o conjugal verdadeira, a do outro, pela falta da religião, está fechada. O calor do casamento que um recebe não é sentido pelo outro senão como frieza. Lemos que “essa frieza desce da alma ao corpo até à pele, donde resulta que enfim um não suporta olhar diretamente a face do outro cônjuge, nem lhe falar respirando o mesmo ar, ou de outro que não seja em tom seco, nem tocá-la com a mão, mas apenas de costas, sem falar das loucuras que, por esta frieza, se insinuam nos pensamentos, e que eles não divulgam, o que é causa de que esses casamentos se rompem por si mesmos...” (Am. Con. 241).
A terceira causa interna de frieza no casamento é quando um é de uma religião e outro de outra. Porque, sendo assim, o bem de um não pode ser unido ao seu vero correspondente, e sabe-se que a esposa é o bem do vero do marido e o marido é o vero do bem da esposa; de duas almas, não podem ser feitas uma só alma. Por isso, naquele que está nos ensinamentos falsos da religião começa a existir uma frieza que é proporcional à diferença dos veros. (Am 242). Lemos também no Amor Conjugal a seguinte passagem: “Um dia, em uma grande cidade, percorri as ruas para encontrar um alojamento, e entrei em uma casa onde moravam esposos de religiões diferentes. Então como eu nada sabia a respeito, os anjos, dirigindo-me a palavra, disseram:  “Não podemos morar contigo nesta casa porque os esposos são de religiões discordantes”. Eles percebiam isso pela desunião interna de suas almas”.
Algumas pessoas da Nova Igreja acreditam que, por isso, não se deve celebrar um casamento quando um dos nubentes não pertence à nossa Igreja. No entanto, parece-me que deve ser exatamente o contrário: deve-se realizar a cerimônia, porque quando se aproximam do altar do Senhor para se unirem a Ele, reconhecendo-O como um só Deus e Salvador Jesus Cristo, e fazendo isso consciente e sinceramente, o casal pode estar tendo a oportunidade de dar o primeiro passo na direção de virem a ter a mesma fé, os mesmos bens e veros, por conseguinte o amor verdadeiramente conjugal. E essa oportunidade não lhes pode ser negada, o que certamente ocorre se se impede a eles esse acesso.
Mas a diferença de religião é realmente uma questão séria que se coloca diante de todos os casais, jovens e velhos. E é claro que a religião de que se fala aqui não é somente a filiação a uma Igreja, mas a crença e o viver da pessoa. Os casais devem conversar sobre este assunto, porque a vida espiritual e a felicidade deles depende muito disso. Caso contrário, deixa-se uma porta aberta a que a frieza entre mais tarde. Duas almas não poderão buscar elevação a Deus, se crêem em deuses diferentes. Não andarão pelo mesmo caminho, se tiverem rumos diferentes.
Finalmente, a quarta causa interna de frieza interna existe quando os ensinamentos da religião ou são falsos ou foram adulterados. Quando os ensinamentos são falsos ensinos, mas, apesar disso e ignorando isso, a pessoa se afastar do mal como pecado contra Deus e faz o bem, o Senhor pode, ainda assim, fazer que haja uma união entre as tais crenças errôneas e o bem da vida. Por isso, é possível, que haja nela o princípio do amor conjugal. Mas quando as verdades da fé foram deturpardes, o que acontece quando a pessoa se esconde atrás de sua fé a fim de desculpar o mal da vida, então não é possível nenhuma conjunção, porque no mal e em sua falsidade não pode haver a imagem do casamento que está em Deus. E mesmo, esses podem acabar adotando a idéia de que os adultérios são lícitos e que não são tão graves (v. Am.Con 243). Assim, a frieza espiritual entra e faz separação.
Todas estas quatro causas internas de frieza no casamentos têm a ver com a religião. E essas causas internas podem provocar friezas por dentro sem que haja nenhuma manifestação nos externos. Na realidade, muitos casais coabitam com essa frieza interna sempre presente um pelo outro, embora conservando nos exteriores da mente conservam várias aparências de amor (amizade, amor mútuo, amor carnal) por  razões de harmonia natural e conveniência. As aparências de amor podem conjuntar até as suas mentes e corpos, mas não conjuntam as suas almas nem fazem que elas sejam um, como é o propósito do Senhor. Os Escritos dizem que, nesse caso, como a frieza neles está oculta, eles não conhecem realmente os encantos e os prazeres do amor verdadeiramente conjugal, os quais, para eles são apenas fábulas.
Diante disso, a lição mais importante que podemos tirar deste ensinamento é uma verdade já bastante conhecida: amor e felicidade verdadeiros nunca existirão no casamento sem uma religião. Por isso dizemos que, se a esposa for sábia, procurará inspirar no marido a afeição pelos veros da fé, pois, por esses veros, ele alcançará elevação do seu entendimento e a inteligência espiritual que o guiará pela regeneração, em direção ao amor verdadeiro que vem de Deus. Por semelhante modo, se o marido for inteligente, procurará conduzir a esposa à luz de uma instrução racional que a elevará no amor conjugal.
Em outras palavras, um deve inspirar, instruir, fortalecer e animar o outro na busca e na prática da religião sã, tanto no entendimento como na vida. Sem isso, dificilmente os casamentos duram, porque há causas internas de friezas que estão instaladas nos interiores e elas irão, mais cedo ou mais tarde, aparecer nos externos e separar um do outro, se não aqui, certamente na vida eterna, quando os externos forem removidos. Amém.

Marcos 10
Am. Com. 236

(revisado)