A consumação do tempo

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

“Que sinal haverá da Tua vinda e da consumação do tempo?”

Mateus 24:3

Desde os primeiros tempos do cristianismo têm havido as mais variadas  doutrinas sobre acontecimentos temíveis que deverão ocorrer num futuro determinado por Deus e que acarretarão o fim do mundo. A idéia comum é que este mundo natural desaparecerá quando o Senhor fisicamente voltar à terra. No entanto, como há inúmeras interpretações sobre a ordem ou seqüência desses fatos, existe também uma grande confusão ou, pelo menos, obscuridade sobre como as coisas realmente deverão suceder. Além de Mateus, o Apocalipse também fala, como se supõe, de uma destruição final de todas as coisas, e os relatos de um e de outro livros são de difícil e até mesmo impossível conciliação.
A idéia de que haverá um fim do mundo, a destruição do universo físico, surgiu, como se sabe, da compreensão literal de muitas dessas passagens, mas, sobretudo, de um engano dos tradutores da Bíblia, e esse engano é repetido por todos os que pregaram e pregam sobre o assunto sem um maior exame até do sentido literal.
Se tomarmos como início de nosso estudo as profecias do Senhor nestes dois capítulos de Mateus teremos, desde já, de refazer esse mal-entendido. Em geral, em todas as traduções da Bíblia, lemos, no versículo 3, que os discípulos perguntaram ao Senhor: “Dize-nos... que sinal haverá da Tua vinda e do fim do mundo?”
Por entenderem que a vinda do Senhor e o fim do mundo seriam um mesmo evento, ou que a vinda dEle acarretaria o fim do mundo, os tradutores das Bíblias em nossa língua, em espanhol, em inglês e outras, traduziram assim: “fim do mundo”, mesmo sabendo na língua original, e também na Vulgata latina, é dito que a pergunta dos discípulos foi: “...que sinal haverá da Tua vinda e da consumação da tempo”.
Ora, “fim do mundo” e “consumação do tempo” não são a mesma coisa. Por “fim do mundo” compreende-se a destruição ou desaparecimento da Terra, senão do universo natural, ao passo que “consumação do tempo” pode bem ser apenas o cumprimento de um período determinado de tempo. Porque “consumado” se diz de algo que se completa, que se cumpre, conforme as palavras do próprio Senhor em sua última tentação, na cruz, quando disse: “Tudo está consumado”, ou seja, tudo estava cumprido, embora não terminado. Portanto, “consumação do tempo” é, como veremos adiante, quando se completa um período determinado, uma dispensação religiosa.
De qualquer maneira, a pergunta dos discípulos foi:  que sinal haveria da consumação do tempo. Qualquer interpretação de que aí se referiam à destruição do mundo é uma interpretação errada. Muito menos o Senhor falava da destruição física da Terra. Na verdade, as coisas que o Senhor tinha para ensinar aos discípulos e a nós hoje eram muitos mais importantes do que um eventual fim do mundo físico. Porque o mundo é material, criado e finito, mas as almas humanas são imateriais e foram criadas para viver eternamente. O que se passa com elas é o que realmente importa para o Criador.
O Senhor falava de eventos de um caráter espiritual, e isso não foi compreendido pela Igreja até os dias de hoje. Mas Ele bem sabia desse risco de suas Palavras serem tomadas apenas literalmente; porque a Igreja cristã em seu começo seria uma Igreja simples de mente, infantil, por assim dizer. E enquanto estivesse nessa condição, só poderia pensar naturalmente. E era necessário que assim fosse, até que o espírito humano estivesse preparado para que o Senhor instaurasse uma igreja nova, desta vez espiritual, que pudesse entender racional e espiritualmente as Suas Palavras. Foi para essa nova Igreja e para essa nova dispensação cristã que o Senhor veio de novo e desvendou o sentido real de Suas profecias.
A prova de que o Senhor não podia estar falando de um fim do mundo material é que, se forem entendidas literalmente, as palavras do Senhor ali mostrar-se-ão falhas. Literalmente, Suas profecias não se cumpriram. Porque, no versículo 35, ao falar a respeito das coisas que se passariam na consumação do tempo Ele disse: “O céu e a terra passarão, mas as Minhas palavras não hão de passar”. E também, em outra passagem: “Não cairá um til ou um iota da lei sem que tudo seja cumprido”. Pela crença simples segundo a qual as palavras do Senhor devem se cumprir literalmente, como estão escritas, é de se esperar que nenhuma daquelas promessas deixe de ser cumprida.
Mas no versículo 34 Ele também disse: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam”. E também no capítulo 16, vers. 27 do mesmo livro de Mateus, Ele disse: “Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem...” Então, entendendo-se ao pé da letra, todas aquelas coisas do sermão profético deveriam ter acontecido ainda no tempo de vida daqueles discípulos. Mas isto não aconteceu.
E agora? Estamos diante de um dilema: O Senhor não disse que nenhuma palavra dEle passaria? Como é, então, que as coisas aqui preditas, que ele disse que aconteceriam no tempo daquela geração, não aconteceram? Ele prometera que alguns dos discípulos não morreriam sem ver aquelas coisas e a Sua vinda, e eles morreram... Então, será que o Senhor falhou? Afinal, Suas palavras sempre se cumprem ou às vezes falham?
Os cristãos primitivos, do mesmo modo que a Igreja Cristã que existiu até hoje, também se basearam na interpretação literal das palavras de Jesus. Nada sabiam da existência de um outro sentido nas verdades ensinadas pelo Senhor. E eles viveram tão certos de que Jesus voltaria logo, ainda no tempo de vida dos primeiros apóstolos, que muitos deles, por causa disso, renunciaram aos bens do mundo - já que o mundo estava para ser destruído, segundo acreditavam -, renunciaram aos casamentos e passaram a viver somente na expectativa da volta física e súbita de Jesus. Paulo até pregou assim, e disse que eles, ainda vivos, veriam Jesus voltar... Todavia, todos eles morreram, sem ver as profecias serem cumpridas. Então, se formos interpretar os sermões proféticos do Senhor literalmente, teremos de dizer que pelo menos algumas deles falharam... E o pior: não teremos explicação para responder corretamente àqueles que afrontam a Palavra à Igreja, por acreditarmos em coisas que jamais podem ser cumpridas.
A Igreja Cristã de hoje tem diante de si uma questão seríssima para resolver. Pode, por um lado, fingir que não vê essa aparente falha das palavras de Jesus, de uma promessa aparentemente não cumprida, e continuar acreditando literalmente no que a Bíblia diz, mesmo que lhes roa por dentro o pensamento da dúvida de que nem tudo o Senhor falou era verdadeiro e real, e que Ele pôde estar errado em algumas coisas...
Ou pode a Igreja, por outro lado, tomar uma atitude lúcida, racional e adulta, e dizer: Ora, sabemos que o Senhor é Deus, é Onisciente. Portanto Ele não falha, absolutamente. Todas as Suas palavras são fiéis e verdadeiras. Então, todas as profecias dEle aqui, como em todos os outros lugares, sem exceção, não podem deixar de se cumprir. Sendo assim, a única possibilidade de que isto ocorra é que Suas profecias se cumpram fora do alcance de nossos olhos materiais. De fato, quando os discípulos insistiram com a pergunta sobre a Sua vinda, Ele disse: “O reino de Deus não virá com visível aparência, porque o reino de Deus está dentro de vós”.
Poderá a Igreja então entender que não há jamais falha alguma nas palavras do Senhor, só que elas são a respeito de eventos espirituais. Ele mesmo disse certa vez: “As palavras que Eu vos falo são espírito e são vida”. Conforme também está escrito: “Todas as coisas ele falava em parábolas e nada lhes falava senão por parábolas.” E assim foi: o Senhor sempre falava numa linguagem  correspondencial, em forma de parábolas.
Quando finalmente compreender isto, a Igreja Cristã não estará mais na dúvida e na ignorância quanto às Palavras do Senhor. Não ficará mais sem entender por que algumas coisas na Palavra são claras, verdadeiras e boas, enquanto outras parecem obscuras, erradas e nocivas, as quais tem vergonha de pregar. Quando compreender que existe um sentido interno ou espiritual na Palavra, a Igreja poderá reconhecer que não foi o Senhor, mas o homem mesmo, a Igreja natural, que errou, ao esperar um cumprimento material de profecias espirituais. O homem errou ao aplicar interpretação material e terrena a coisas que são do espírito e do céu.
Realmente, as palavras do Senhor nunca falham, mas quando as pronuncia, Ele está Se dirigindo especialmente aos estados da alma humana, aos seus conflitos, de suas necessidades e esperanças. O Senhor, em Sua Palavra, quando entendida espiritualmente, descreve todas as etapas do processo de transformação da mente, reforma do entendimento e regeneração da vontade, processo esse que resulta na salvação da criatura humana. São essas coisas, espirituais e celestes no homem, as  que realmente importam para a eternidade, e não necessariamente os estados naturais da vida, as ambições terrenas, os eventos terrenos, políticos etc., porque são coisas que vêm e se vão, e em poucos anos passam e já não existem mais.
A importância dos ensinamentos espirituais é tão grande, em comparação com os ensinamentos naturais, que, às vezes, para transmitir um ensinamento espiritual, o Senhor sacrifica a verdade científica ou natural envolvida. Por isso, embora espiritualmente verdadeiro, o ensinamento nem sempre o será se visto sob o ponto de vista material. Por exemplo, quando Ele disse: “O que entra pela boca não contamina o homem, mas o que sai do coração”. Isto é plenamente verdadeiro no sentido espiritual, porque a boca se refere ao entendimento, e não são os pensamentos que passam pelo entendimento que condenam o homem, mas o mal que sai de sua vontade. Não obstante, do ponto de vista meramente natural, as palavras do Senhor são um erro, porque há milhares de males ou doenças que a pessoa contrai pela boca. Mas o que era mais importante para Ele? Falar de um fato material que o homem inteligente pode descobrir por si mesmo, ou ensinar uma verdade espiritual que ninguém poderia saber sem a Divina revelação?
Ao invés de pensar que existe alguma dificuldade ou passagem obscura na Palavra de Deus, o cristão sensato deve admitir que a falha está em si mesmo,  precisamente na interpretação material que ele tenta dar àquilo que é celeste e espiritual. Se não admitir sua ignorância, abrindo os olhos, os ouvidos e a mente para um ensinamento mais elevado que suas próprias interpretações literais e vesgas, o cristão jamais poderá ser guiado pelo Espírito da Verdade que conduz a toda verdade.
É assim que devemos ver não só as profecias sobre a segunda vinda do Senhor e a consumação do século, mas também todos os demais ensinamentos da Palavra. Todos eles precisam ser vistos, examinados e reconhecidos a partir da doutrina da verdade genuína, que vem do sentido interno da própria Palavra. Só o Senhor pode nos abrir o sentido espiritual para entendermos a Palavra, porque só o Cordeiro foi digno de romper os selos e abrir o livro selado com sete selos.
Quando soubermos prestar atenção aos ensinamentos do sentido espiritual, tal como o Senhor revelou nos Escritos para a Nova Jerusalém, poderemos tirar valiosas lições sobre as palavras proféticas do Senhor nestes capítulos de Mateus, pois veremos que elas falam dos estados por que estamos passando, agora mesmo,  em nosso espírito. Falam das variadas condições de nossa vontade e nosso entendimento. Falam do tempo em que se findará em nós uma época espiritual, a consumação de uma dispensação religiosa antiga que nos travava o progresso espiritual, por ser incapaz de atender às necessidades de nosso espírito. Falam, em suma, do tempo em que o Senhor vem de novo para cada um de nós, não com visível aparência, mas dentro de nós, abrindo em nossas mentes os internos de Sua Palavra, para começar a criar em nosso seio uma Igreja Nova, uma maneira nova de crer, um novo céu, e uma maneira de viver  a vida realmente cristã, uma nova terra.
Sem a compreensão do sentido espiritual, tudo o que lermos na Palavra sobre o apocalipse, a vinda do Senhor e a consumação do século será um enigma apavorante, ao mesmo tempo que vazio, inútil e falho, porque nunca se cumpriu nem jamais se cumprirá materialmente.
Lemos nos Escritos da Nova Igreja que “O fim da época” ou, também “consumação do século” não é o fim do mundo físico, mas “o último tempo da Igreja, quando é feito o juízo final... depois do juízo final, uma igreja é instaurada pelo Senhor; essa Igreja agora é a Nova Jerusalém; a ela virão aqueles que estão nas verdades procedentes do bem...” AR 187.
A luz do sentido interno da Palavra nos mostrará que o Senhor não cogita jamais em destruir o que quer que seja, embora o homem possa fazê-lo, e muito menos deseja Ele pôr um fim tão pavoroso, como se pensa, à vida humana material. Ao contrário, o término de uma fase é sempre o começo de outra. O fim de uma dispensação religiosa dá o surgimento de outra. A consumação da velha Igreja Cristã será para a instauração de uma Nova Igreja, a Santa Jerusalém, a igreja espiritual chamada noiva do Cordeiro. Quando o tempo está consumado, o que é velho deve morrer, para que o novo tome seu lugar. Porque não se põe vinho novo em odres velhos, nem se costura remendo de pano novo em vestido velho.
O Senhor convida a todos nós para fazermos parte dessa nova dispensação, desse novo céu e nova terra que é a Nova Jerusalém. Para o convite ser aceito, é necessário que reconheçamos o Senhor Jesus Cristo como nosso Deus Único e Salvador, e busquemos dEle a cada dia o poder para cumprirmos os Seus mandamentos. É com estes que o Senhor formará a Nova Igreja.
Oremos para que o Senhor confirme em nós essa obra, e que possamos permanecer fiéis à visão espiritual que Ele já nos tem dado. Para que possamos alcançar a compreensão espiritual e genuína das profecias de Sua vinda, porque são lições a respeito do universo de nosso espírito.
Assim seremos edificados pela Palavra do Senhor em sua forma integral, o sentido literal claro, perfeito, sem falhas e sem sombra de contradições, esclarecido pela brilhante luz espiritual das Doutrinas Celestes, que são para doutrina e para vida da Nova Jerusalém. Amém.

Lições: Mateus 24
VRC 735.