Esforçai-vos

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

“Esforçai-vos, e Ele fortalecerá o vosso coração,
vós todos que esperais no SENHOR”

(Salmo 31:24).

A maior parte deste salmo é uma súplica para que o Senhor dê auxílio na adversidade e livramento da perseguição dos inimigos. No final, porém, torna-se uma declaração de confiança no Senhor.
Temos aprendido que os salmos descrevem, em seu sentido espiritual, as lutas que o Senhor travou, as dores que Ele sofreu e as perturbações em que Sua mente natural esteve, quando, em Sua vida neste mundo, glorificava gradativamente o Seu Humano. Mas temos aprendido também que todas as circunstâncias da vida de uma pessoa que está sendo transformada por Deus e preparada para a vida eterna, estão retratadas nessas lutas do Divino Homem, pois o processo de regeneração assemelha-se ao da glorificação do Senhor, guardadas as devidas proporções, evidentemente. Assim, estes salmos são, realmente, expressões que nossa alma eleva a Deus nos diversos estados, miseráveis ou gloriosos, de sua caminhada em direção aos céus.
Assim como neste, em todos os salmos da Palavra se encontram súplicas, cânticos, preces e poesias que constituem manifestações de exultante louvor ou de profunda angústia, de lamento pela condição de desamparo do homem ou de gratidão pelo favor Divino, de humilhação por causa das fraquezas humanas ou confiança inabalável na justiça e salvação do Senhor. Em suma, aqui se encontram todos os sentimentos a que nossos corações estão sujeitos.
Saber que o nosso Senhor, quando veio ao mundo, assumiu um Humano que, pela herança materna, era frágil e se inclinava para o amor do mundo e amor de si, Humano pelo qual o Senhor Se submeteu a tentações; saber que Ele teve lutas, receios e dores; que Se angustiava até à morte mas também Se exaltava em Sua glória; saber essas coisas nos faz o Senhor parecer mais Humano. Mas esta não é apenas a aparência, pois Ele é Divinamente Humano, embora hoje glorificado e não mais sujeito aos sacrifícios a que Ele próprio quis Se entregar por amor a nós. E é nossa fé num Deus Humano, o Senhor Jesus Cristo, que nos conforta e nos assegura que, por ter lutado as nossas lutas, Ele pode perfeitamente conhecer todos os nossos estados. É como diz o Salmo, no seu versículo 7:  “Eu me alegrarei e regozijarei na Tua benignidade, pois consideraste a minha aflição; conheceste a minha alma nas angústias”. 
É útil sempre nos lembrarmos disso, dessa Humanidade divinal do Senhor, especialmente nos momentos em que passarmos por revezes e aflições, quando nos sentirmos perdidos e aniqüilados nas escuras profundezas de nossas almas. Não estaremos sós nem perdidos, de fato, pois o Senhor, embora inocentemente e sem o merecer, esteve lá e de lá retornou, triunfante. Ele pode, sabe o caminho por onde fomos parar ali e pode ir até lá, para estar conosco, como disse um outro salmo: (139:8) “Se subir ao céu, lá Tu estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que Tu ali estás também”.
É confortante saber que o Senhor não está ausente, mas próximo, junto a nós em todos os nossos estados. Ao nosso lado, Ele nos compreende e Se move de íntima  compaixão por nossas mágoas. Mas é ainda mais confortante saber que Ele vê os nossos corações, conhece nossas agruras, e quer nos dar consolo efetivo.
Ao conhecer nossa condição, o Senhor, por ser o Amor mesmo, sempre nos contempla com compreensiva ternura. Ele nunca minimiza nossos motivos, por mais mesquinhos que sejam, se todavia eles parecem razoáveis e justos para nós. Ele não desfaz da intensidade de nossas dores, ainda que os sofrimentos dEle tenha atingido proporções cuja gravidade sequer os próprios anjos podem imaginar.  Sendo a Divina Sabedoria, Ele não zomba de nossos argumentos e justificativas, por mais cegos e tolos que sejam, se nos parecerem razoáveis e retos.  É como disse o profeta Isaías 42:3 “A cana trilhada não quebrará, nem apagará o pavio que fumega; com verdade trará justiça”.
O nosso Deus é o Amor em pessoa e tudo o que Ele faz é bom. Ele não nos mede com as medidas injustas com que normalmente medimos a nós mesmos e os outros; não nos retribui segundo a nossa iniqüidade nem nos trata segundo os nossos pecados.
Ao contrário, Ele está sempre ao nosso lado, do íntimo, vendo aspectos que nem nós mesmos vemos, velando por valores que nem nós mesmos sabemos que possuímos, ainda que Se entristeça por causa de enfermidades que nós, consciente ou inconscientemente, sempre trazemos em nossas almas.
O Senhor sabe que nós, homens e mulheres, estamos sujeitos a situações em que somos vitimados, como que apanhados em laços de falsidades, como disse o salmista: “Tira-me da rede que para mim esconderam, pois tu és a minha força”. Mas, em tempo, cumpre saber que a maioria das falsidades que nos enredam foram por nós mesmos forjadas, quando nos iludimos a respeito de nossa própria grandeza ou nossa suposta bondade; tecemos ilusões a respeito de própria importância, nossa capacidade de vencer com nossos próprios recursos. São ídolos que forjamos e dos quais fazemos deuses, dizendo: “Livrai-nos”. Arquitetamos sonhos, inventamos objetivos muito acima de nós.
O Senhor sabe que a nossa condição enferma tem como tendência dominante amar a si próprio em primeiro lugar e ao mundo. E são as nossas ambições, em não sendo satisfeitas, que nos deixa à mercê de frustrações e decepções, pelo que nos tornamos abatidos e infelizes, como também é dito no salmo: “...estou angustiado. Consumidos estão de tristeza os meus olhos, a minha alma e o meu ventre. Porque a minha vida está gasta de tristeza, e os meus anos de suspiros; a minha força descai por causa da minha iniqüidade, e os meus ossos se consomem.
Esses estados de abatimento e desânimo são contrários ao propósito Divino para nós, porque são nocivos, tiram-nos a capacidade de desejar progredir, de melhorar nossos caminhos e, assim, de prestar adequadamente os usos para os quais somos chamados. Enquanto nos detivermos nessa triste condição, somos imprestáveis, como o vaso quebrado de que também fala o nosso salmo: “Estou esquecido no coração deles, como um morto; sou como um vaso quebrado”.
Todavia, a Palavra de Deus não tem como finalidade única dar-nos o conhecimento de nossa condição espiritual. Mais importante que isso, a Palavra, neste salmo como em outras passagens, se destina a nos mostrar os meios de escaparmos de nossa fragilidade humana, o caminho para a saída, o acesso à nossa ascensão aos níveis angélicos e celestiais para os quais fomos criados.
A Palavra nos dá a luz e a direção. No salmo mesmo, para o final, esta saída de um tal estado de desânimo e abatimento nos é mostrada nas seguintes palavras “Esforçai-vos, e Ele fortalecerá o vosso coração, vós todos que esperais no SENHOR”.
Aqui está nossa saída da depressão, da rede infernal que nos prende, a porta de nossa fuga e o caminho de nossa revivificação. “Esforçai-vos”, porque, se nós fizermos algum esforço, o Senhor nos fortalecerá.
É interessante que a ordem de “esforçar-se” é dada a alguém que está fraco, preso, cortado e desolado. Parece que a força tem de vir da pessoa mesma, para só depois, então, Deus a fortalecer.
“Esforçai-vos”. Parece ser uma ordem inútil para quem está enfraquecido, sem forças para se levantar e caminhar. Mas é justamente na fraqueza que a pessoa pode se sentir como realmente é: fraca. É no sofrimento da doença que ela pode sentir a fragilidade de seu corpo. E é na humilhação causada pelos reconhecimento dos males e pecados que ela pode se arrepender e começar nova vida. Assim disse o apóstolo Paulo, em sua segunda carta aos Coríntios 12:9  “E disse-me [o Senhor]: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo”.
É dito que o homem deve fazer esforço por causa do livre arbítrio e da apropriação. A vida do céu nos é dada por Deus, mas para que a sintamos como nossa e tenhamos nela o prazer real, é necessário que a conquistemos. É assim como uma casa que sentiremos como se fosse realmente nossa e onde moraríamos com maior prazer se soubéssemos que nós mesmos a construímos conforme desejávamos e com nossas próprias mãos.
Assim lemos, a este respeito, nas Doutrinas celestes:
“O Senhor atrai para Si o homem que, pela liberdade, quer segui-Lo, mas não pode atrair ninguém que não O quer seguir, porque o Senhor opera de tal maneira com o homem que este pode segui-Lo como se por si mesmo. Assim, o Senhor influi na liberdade do homem, e isto Ele faz por causa da recepção e implantação da verdade e do homem com homem, por conseguinte, por causa da reforma e regeneração”. (AE 864)
Tudo o que uma pessoa recebe livremente, por sua própria vontade, passa a ser parte de sua natureza e sua vida.  Para que receba a vida do céu, isto é, o influxo celeste de amor e verdade, ela tem, por isso, que receber esse influxo dentro de sua vontade e seu entendimento, caso contrário a vida do céu lhe seria imposta, uma vida estranha na qual ela não se sentiria à vontade. Assim, a operação do Senhor só pode atuar com a cooperação do homem. O poder Divino só pode operar na força humana. Desta maneira, a liberdade é preservada e a vida do céu, com todas as bem-aventuranças, pode ser recebida pelo homem como se fosse a sua própria vida.
É por isso que a Palavra diz: “Esforçai-vos, e Ele fortalecerá o vosso coração”. Nessa operação combinada, a parte do homem é mínima, comparada à parte feita por Deus. O esforço que o homem tem de fazer é relativamente insignificante, comparado ao poder ou força que o Senhor influi nesse esforço. Mas, embora seja uma parte diminuta esse esforço quase nulo, é essencial que ele exista, para que o Senhor opere, pois aí está o livre-arbítrio e a recepção da vida celeste.
“Esforçai-vos”. É como se a Palavra estivesse dizendo a cada um de nós: “Esforça-te”, de algum modo, para saíres das redes que tu mesmo armaste para teus pés, com tuas pretensões tolas e teus conceitos errôneos. E, para fazer esse esforço, basta que examines teus pensamentos mais ocultos, comparando-os com a doutrina Divina que tens ouvido da Palavra.
“Esforça-te” para não te entregares de novo ao prazer das tuas cobiças, às seduções do mundo e da tua carne. Basta que, da próxima vez que fores tentado pelos infernos, lembres de dizer: “Quero isto, e tendo para isto, mas, como é um pecado contra Deus, não o farei”.
“Esforça-te” para não te deixares levar pelo vazio, pela falta de sentido de tua vida, e assim pelo abatimento e pela tristeza. Para afugentares esses pensamentos infernais, basta que te lembres sempre de que foste criado para um uso determinado, e teu lugar está reservado por Deus, os frutos de teu trabalho foram previstos e são desejáveis. E teu lugar ficará vazio se não atenderes ao chamado amoroso de teu Deus.
“Esforça-te” para não te deixares dominar pela soberba e pela sensação falsa de próprio poder. Basta que te lembres que, na verdade, nenhum poder tens, e todo poder, toda honra e toda glória pertencem a Deus, só. Se te despojares das ilusões de tua riqueza ilusória, poderá receber todos os dons que Deus concede aos que buscam dEle as riquezas do céu.
“Esforçai-vos”. Nosso papel é fazer todo esforço possível, como se a força fosse criada dentro de nosso peito, para dar o primeiro passo, talvez o mais importante, de uma longa caminhada. Ou se estivermos no caminho, aquele passo a mais, além do ponto onde normalmente paramos, aquele esforço a mais onde nossos braços habitualmente pendem cansados. É encontrar meios, dentro de nossa fé e confiança, para ter um pouco mais de resistência ao pecado, um pouco mais de firmeza quanto à verdade, um pouco mais de intransigência quanto ao que é justo, um pouco mais de boa vontade e tolerância para com nossos irmãos, tão fracos e desanimados como nós mesmos.
Se fizermos isso, se conseguirmos encontrar força para levantar, por pouco que seja, de nossa prostração, o Senhor poderá, em nosso auxílio, influir com todo Seu poder, através de todo o poder de legiões angélicas que estão ao nosso lado, o tempo todo, aguardando o momento de se aliarem a nós, de lutarem nossas lutas e nos auxiliar a que alcancemos a nossa vitória. “Esforçai-vos, e ele fortalecerá o vosso coração, vós todos que esperais no SENHOR”. Amém.

Lições: Salmo 31; VRC 576