Escavar e Estercar

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

“E, respondendo ele, disse-lhe: Senhor, deixa-a esta ano,
até que eu a escave e a esterque”.

Lucas 13:8

Esta parábola nos ensina, em seu sentido interno, a respeito do natural da Igreja quando é estéril, e a respeito dos cuidados que o Senhor provê, para que se torne um natural frutífero.
Algumas pessoas, conversando com o Senhor Jesus, falavam sobre uns certos episódios ocorridos possivelmente por aquela época; num deles, vários galileus foram vitimados pelas práticas idolátricas de Pilatos, e no outro caso, uma torre, em Siloé, desabou causando a morte de dezoito homens. O ponto em discussão era que aquelas pessoas evidentemente julgavam que tais coisas sucederam àquelas vítimas como castigo de seus próprios pecados. Mas o Senhor afirmava enfaticamente que não; aquelas vítimas não eram mais pecadoras do que os homens de Jerusalém. E com efeito, eles mesmos, os judeus, eram semelhantemente homens pecadores, que pereceriam, como qualquer outro, em seus pecados, caso não se arrependessem. E para frisar a condição faltosa de todos os homens sem exceção diante de Deus, afirmou duas vezes: “Se vos não arrependerdes, todos de igual modo perecereis”.
Falando, assim, da condição dos judeus, é, em geral de todo ser humano, mostrava a necessidade vital da penitência. E para ilustrar sua afirmação, Jesus Cristo passa então a lhes contar a parábola da figueira estéril: “Um certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi procurar nela fruto, não o achando; e disse ao vinhateiro: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho; corta-a; por que ocupa ainda a terra inutilmente? E, respondendo ele, disse-lhe: Senhor, deixa-a este ano, até que eu a escave e a esterque. E, se der fruto ficará, e, se não, depois a mandarás cortar”.
O vinhateiro moveu-se em seu coração pela figueira estéril e pediu por ela; queria cuidar mais dela, dar-lhe ainda um ano, quando escavando revolveria a terra ao seu redor, possibilitando que o oxigênio do ar penetrasse mais em suas raízes. Depois também a adubaria, pondo-lhe o esterco, do qual a planta pudesse retirar os seus nutrientes. E que ela tivesse ainda um ano; se nada disso desse resultado, só então a mandassem cortar.
Sabemos pelas Doutrinas Celestes que todas as coisas existentes no mundo natural são representações de coisas que se passam no mundo espiritual o mundo onde nossa mente habita. E que assim também é com as coisas do reino vegetal, em que, por exemplo, o desenvolvimento de uma árvore representa o nova formação, a regeneração do homem, ou, quanto ao seu espírito, o seu novo nascimento. Por esta e outras representações  que se encerram por todo este texto de Lucas é que podemos saber que aqui se trata de uma certa fase, um estado da vida espiritual do homem em que o processo regenerador se acha interrompido, não se completou ainda. De fato, ele já tem alguma coisa propícia à regeneração, mas, se não prossegue em sua marcha, se não continua, será como um aborto, cujo geração não se completou. É o estado da figueira estéril que tem folhas, mas por já estar há três anos sem produzir frutos, está prestes a ser cortada.
A “vinha” aqui representa a Igreja espiritual, ou o aspecto interno da Igreja; e a “figueira” é o seu natural ou a sua parte externa, pois toda Igreja é constituída de um externo e um interno. Entretanto, aqui o Senhor se referia especialmente aos judeus com quem falava, e assim se dirigia à Igreja Judaica. Ora, em virtude de esse povo ter sido extremamente corporal, não pôde haver uma Igreja interna com eles. Tal interno era então provido pela presença de anjos e espíritos que a eles se ligavam através dos rituais representativos do seu culto externo. Havia, portanto, somente a Igreja externa para o judeus, a “figueira; mas mesmo assim era uma figueira infrutífera, danosa para a salvação espiritual deles. Dai o porque o Senhor ter lhes dito antes: “Se vos não arrependerdes, todos de igual modo perecereis”.
Todavia este padrão é aplicável também as demais pessoas, de outras Igrejas. Nesse caso, a vinha significa o homem da Igreja quanto a sua parte espiritual, e a figueira, o seu natural, ou a sua vida natural, vida do pensamento, da ação, da linguagem, da atitude, do relacionamento mútuo, numa palavra, toda sua vida consciente e presente.
Que a figueira há três anos não produzia frutos significa o estado de uma completa ausência das obras da fé nessa vida natural. Daí se vê que todo homem pode estar em semelhante condição da Igreja judaica, da figueira infrutífera, quando não há o bem no seu natural. Não se refere ao bem natural  que toda pessoa geralmente prática diariamente, mas trata-se do bem no natural. Há uma diferença. O bem no natural é o bem que procede do homem espiritual, das verdades espirituais da Palavra, e que é com esforço efetuado na vida natural. Ele é exercido a partir  da doutrina que o homem apreende, e o exerce sempre como resultado de ma escolha consciente entre esse bem e o mal que lhe é aposto. É, portanto, o bem que desce racionalmente até a atitude, por isso dito bem natural ou bem no natural. (Veja AE 403:20:  ‘pelo bem natural aqui se entende o bem natural espiritual, ou o bem no natural procedente do espiritual’).
Há, repetimos, uma importante diferença entre a bondade natural de alguém e os bens que ela pratica, e o bem que é feito a partir da mentalidade nova, regenerada. Um é natural, e não salva: mas o outro, é o natural que nem do espiritual, nem do Senhor e por isso salva o homem.