O Menino envolto em panos

Sermão pelo Rev.C.R.Nobre

 

«E isto vos será por sinal: Achareis o menino envolto em panos, deitado numa manjedoura».

Esta foi a indicação que o anjo deu aos pastores, para que estes localizassem com certeza o Salvador, que havia nascido naquele dia na cidade de Davi: eles encontrariam o menino envolto em panos, deitado numa manjedoura.
Todas as vezes que lemos o relato do Natal nos Evangelhos, vemos uma face nova dessa história. Uma simples sentença traz uma visão renovada a respeito da vinda do Senhor a este mundo. E sabemos que tudo o que se refere ao nascimento físico de Jesus em Belém, aplica-se também ao Seu nascimento espiritual no coração de cada indivíduo da igreja.
Assim é o caso também aqui: o sinal indicado pelo anjo era que os pastores O encontrariam envolto em panos, deitado numa manjedoura. A primeira visão do Deus nascido seria essa para eles. Os pastores não haveriam de encontrar ali alguém «trajado de vestidos delicados» (Luc. 7:25), como o Senhor disse a respeito de João Batista, porque «os que andam com preciosos vestidos, e em delícias, estão nos paços reais". Mas veriam a criança Divina envolta em simples faixas de pano, talvez um linho grosseiro, posto num cocho de animais por não haver um berço.
A Palavra de Deus é santa porque nela está encerrado um sentido espiritual, oculto, que faz com que seja repleta de Divina Sabedoria, uma fonte infinita de inteligência e afeição para anjos e homens. Nas expressões aparentemente mais insignificantes, nas palavras mais comuns, existe um significado simbólico, repleto de ensinamentos, que fala de coisas do espírito humano, da vida da Igreja e do céu e, no sentido supremo, do próprio Deus e Senhor Jesus Cristo. Nada absolutamente é em vão na Palavra, nem sequer um vocábulo. Se cada coisa ali não envolver algo Divino, não é vivo e não é a Palavra.
Por isso é que o sinal dado pelos anjos, de que o menino seria achado envolto em panos, é mais do uma simples informação transmitida aos pastores; é muito mais do que um exemplo que o Senhor teria querido nos dar de humildade e renúncia à riqueza material.
Observamos que as roupas e vestimentas, na Palavra, têm uma significação importante. Algumas vezes encontramos expressões em que a existência desse significado interno da roupa aparece mais claramente, e, outras vezes, esse significado não é tão evidente. Desde o livro de Gênesis, quando o homem e sua mulher, no jardim de Éden, se vestiram com folhas de figueira e, depois, o Senhor lhes vestiu com túnicas de peles, até no último capítulo do livro do Apocalipse, quando lemos que «bem-aventurados são aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro», toda a Palavra dá ao assunto da roupa uma atenção especial, às vezes com detalhes aparentemente insignificantes. Tudo isto seria inútil, a menos que a roupa tivesse, como de fato tem, uma significação específica que deve ser examinada e compreendida no contexto em que se acha, para que a doutrina interior da Palavra seja exposta com maior clareza.
Através de um estudo mais atento da própria letra da Palavra, chegamos à conclusão que a roupa representa as verdades da fé ou os princípios segundo os quais a pessoa age. Se João Batista, por exemplo, vestia-se de roupas tão rudes como pelos de camelo, era porque seu discurso e suas palavras eram realmente duras e rudes, necessárias para levar um povo insensível a um mínimo de arrependimento para que pudessem receber o Senhor. Se, nos livros proféticos, é dito que as pessoas às vezes se vestiam de pano de saco e se cobriam de cinza, era porque tal roupa era índice de sua extrema humilhação e abatimento por causa dos males. Se o Senhor foi visto, ao Se transfigurar, com vestes de luz branca e resplandecentes, é porque Ele então Se manifestava como a Divina Verdade, cuja luz esclarece as mentes com um tal brilho.
Os panos com que o menino Jesus tinha sido envolvido na manjedoura foram suas primeiras roupas, as primeiras vestimentas com Seu Humano se revestiu neste mundo. Outras roupas que Ele usou enquanto esteve aqui foram também mencionadas diversas vezes nos Evangelhos, como a orla do Seu manto, por onde a mulher com o fluxo de sangue recebeu virtude, ou os Seus vestidos, que os soldados romanos dividiram ente si em quatro partes, e Sua túnica, sobre a qual lançaram sorte, pois a não puderam rasgar porquanto era toda tecida de alto a baixo, sem costura (Jo.19:24). Depois de Sua glorificação, Jesus foi novamente visto por João, no Apocalipse: «E estava vestido com uma veste salpicada de sangue; e o nome pelo qual se chama é a Palavra de Deus» (19:13).
Em todos esses casos, a citação da roupa do Senhor não é mero detalhe, mas índice de como Ele estava sendo visto ou considerado pela fé do homem da igreja. A mulher foi curada ao simplesmente tocar na orla das vestes Divinas, porque a Divina Verdade tem esse poder de restaurar nossa sanidade espiritual. Os soldados romanos dividiram os vestidos, índice do que a Igreja Cristã, com sede em Roma, faria à Palavra, aniqüilando-a por suas tradições. Mas não puderam partir o manto, isto é, a Igreja Cristã não pôde destruir o sentido espiritual interno da Palavra, porque ignorou e ainda ignora absolutamente a existência de um tal sentido. E as vestimentas tintas de sangue, no Apocalipse, são evidentemente a violência que se faz hoje à Palavra de Deus, quando se deturpa sua doutrina por meio de falsidades.
Mas as primeiras roupas do Senhor neste mundo foram simples faixas de pano. Se aceitamos o fato de que as roupas dEle tiveram essa função de serem símbolo ou emblema de como Ele é visto pelo homem, temos então de concluir que as faixas com que Ele estava envolto são, por conseguinte, a primeira forma pela qual Ele Se manifestou ao mundo, ou seja, as primeiras verdades (ver AE 706) da fé pelas quais conhecemos e começamos realmente a conhecer o Senhor.
Se pudéssemos tirar de nossa memória tudo o que sabemos da Palavra a respeito do Senhor Jesus Cristo, se pudéssemos esquecer todo doutrinal, toda instrução e todo ensinamento que recebemos na Igreja, e fôssemos em seguida reexaminar a Palavra a fim de aprendermos sobre Ele, o que veríamos? quais seriam as primeiras verdades pelas quais teríamos de começar a reedificar nossa visão de Deus? Pois essas primeiras verdades seriam como que faixas envolvendo o Humano do Senhor Jesus. Aliás, são essas primeiras verdades que aprendemos em infância, pois as faixas com que o menino fora envolto são as verdades da inocência (Ibid.).
Se começássemos pelo livro do Gênesis, veríamos, logo no capítulo 3, vers.15, a primeira profecia da vinda do Senhor ao mundo e Sua luta contra a morte do pecado e os infernos; ali Ele Se chama «Semente da mulher» e é dito que iria pisar a cabeça da serpente. Nos Salmos e nos Profetas, iríamos ver todas as profecias da vinda do Senhor ao mundo e das obras que Ele aqui iria realizar. Quando chegássemos ao livro de Isaías, cap. 9, (vers. 2 e 6) veríamos esta promessa: «O povo que andava em trevas viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na região da sombra de morte resplandeceu a luz. (...) Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus forte, Pai da eternidade, Príncipe da Paz». Veríamos aqui, nessas primeiras verdades, que o Menino que havia de nascer seria chamado "Filho" mas ao mesmo tempo "Pai", "Pai de eternidade". Seria "Menino", mas também seria o "Deus forte". Em outras palavras, o próprio Deus nasceria aqui como um menino, como está claramente expresso neste versículo. Aliás, seria uma confirmação do que já teríamos visto no mesmo profeta, cap. 7:14: «Eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel (Deus conosco)». E mais adiante, veríamos profecias como esta: «E naquele dia se dirá: Este é o nosso Deus a quem esperávamos; em Sua salvação gozaremos e nos alegraremos».
E assim, através de todo o Antigo Testamento, iríamos estabelecendo firmemente as primeiras verdades de nossa fé, sabendo que as promessas das profecias eram que o próprio Senhor JEHOVAH, Ele mesmo viria ao mundo, nasceria aqui como Menino e Filho para efetuar a salvação. Ao nascer aqui, Ele seria aqui Deus presente conosco. E ao chegarmos ao Novo Testamento, veríamos com satisfação o cumprimento dessas promessas. Em João, veríamos que «No princípio era o Verbo (ou Palavra), e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... E o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a Sua glória». Ora, se o Verbo era Deus e o verbo se fez carne, logo, Deus se fez carne e habitou entre nós. Deus mesmo veio a este mundo e aqui andou entre nós, como Homem Divino; Seu nome, Emanuel, Deus conosco, era Jesus, que em hebraico, Jehoshuah, quer dizer: JEHOVAH salvou, numa patente demonstração da verdade de que o próprio JEHOVAH Deus veio efetuar a salvação, como prometera.
No Antigo Testamento, quando o Senhor falava a Moisés no monte Sinai, desde a sarça ardente e Moisés Lhe perguntou: «Eis que quando vier aos filhos de Israel, e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós; e eles me disserem: Qual é o Seu nome? Que lhes direi?» O Senhor respondeu, dizendo o Seu nome: «Eu Sou o que Sou. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou a vós» (Êx. 3:13,14). Este nome pelo qual o Senhor Se deu a conhecer a Moisés é o mesmo que JEHOVAH em hebraico, ou seja, O que existe, O que É. Por isso é que, no Novo Testamento, quando o Senhor disse aos judeus: «Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abrahão existisse, Eu Sou. Então pegaram em pedras para Lhe atirarem» (Jo. 8:58), porque os judeus entenderam perfeitamente que Jesus dizia que Ele mesmo era JEHOVAH de Moisés e Abrahão.
Mas isto fica ainda mais claro quando o Senhor, ao conversar com os discípulos em João 14, ouviu de Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai, o que nos basta. Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não Me tendes conhecido, Filipe? quem Me vê a Mim vê o Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês tu que Eu estou no Pai, e que o Pai está em Mim?» (vers. 8-10). De fato, sendo Ele, Jesus Cristo, Deus que Se fez carne, não havia outro que mostrar. Que outro Deus há senão o que está em Jesus Cristo, que é Sua Alma Divina? Por entender isto é que o apóstolo Paulo afirmou: «Em Jesus Cristo habita corporalmente a plenitude da Divindade», e também João, em sua primeira epístola universal (5:20): «Jesus Cristo... é o verdadeiro Deus e a vida eterna».
Finalmente, no Apocalipse, o mesmo Jesus Cristo Se revela a João como o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ômega. Evidentemente, não pode haver mais de uma pessoa que seja primeira e última, mas unicamente uma, Jesus Cristo, Ele mesmo sendo, quanto à Alma, chamado Pai, porque é o Criador e a Origem da vida,  quanto ao corpo visível, chamado Filho, porque Seu corpo foi gerado em Maria pela Alma do Altíssimo para fazer a obra salvadora, para ser visível, compreendido e amado pela criatura humana, e, quanto à ação regeneradora de Sua Verdade, chamado Espírito Santo ou espírito da Verdade. Mas uma mesma e única pessoa Divina.
Estas são verdades elementares das Escrituras. São as primeiras verdades que revestem a idéia justa de Deus. São como pedra angular e como fundamento para edificarmos em nossa mente uma noção clara sobre nosso Senhor e Deus. E de uma justa idéia de Deus dependem todas as outras coisas em nossa mente. Não podemos ignorar essas verdades nem nos afastarmos delas, pois a negação da Divindade de Jesus Cristo é o que é significado pelo anti-Cristo que viria no fim dos tempos enganar a muitos, assim como engana aqueles que crêem que há três pessoas separadas na Trindade divina, ou aqueles que crêem que o Humano de Jesus Cristo é um ser inferior e abaixo de Deus.
O sinal do anjo, na noite do natal, foi indicação segura para que encontrassem o Salvador nascido na cidade de Davi. Também conosco, essas verdades tão elementares, tão básicas, mas tão importantes das Escrituras, são o sinal pelo qual podemos enxergar a Pessoa Divina do Senhor Jesus Cristo. A plenitude de Deus nasce em nossas mentes através de verdades simples como estas. Aquela criança, envolta em faixas e numa manjedoura humilde, era ninguém menos que o Salvador do mundo. Mas somente os pastores naquela noite foram lá e reconheceram esta verdade; quase todo o resto do mundo o ignorava.
Hoje, no mundo cristão, a maioria daquelas pessoas que ainda pensam em Deus se esquece de que nos ensinamentos genuínos das Escrituras, desde os mais simples e transparentes, o Senhor Se revela em Sua plenitude Divina. Saibamos reconhecê-Lo na Palavra e adoremo-Lo segundo essa visão dEle, sendo Ele mesmo o Pai, o Filho e o Espírito Santo, Deus que nasceu neste mundo para nos trazer a salvação. Amém.

Lições: Luc. 2:1-20; AE 706 (p)