O CÉU E O INFERNO REAIS

Sermão pelo Rev. Douglas Taylor


“A Impiedade lavra como um fogo” (Isaías 9:18).
“O reino de Deus está dentro de vós”

(Lucas 17:21).

É bastante óbvio por nosso segundo texto que o céu é primeiramente e essencialmente um estado de mente.  O céu não vem com observação, assim, não podemos dizer:  "Eis aqui, eis ali."  Céu, ou o reino de o Senhor, é essencialmente um estado de mente no qual o Senhor é o rei e soberano governante;  um estado de mente que visa a Ele acima de tudo mais.  Ainda que seja tido como se estivesse fora de nós, como um lugar -- um muito belo lugar -- o céu é em sua essência um estado de mente.  Todo os paraísos e jardins que são vistos ao nosso redor no céu, são simplesmente manifestação exterior ou reflexão desse estado celeste de mente em que os Dois Grandes Mandamentos são livre e alegremente obedecidos;  isto é, quando o Senhor é amado com todo o coração, alma, mente, e força, e o  próximo como a si mesmo.  Isto  é o céu em sua essência.  Isto é que faz o céu ser céu.  Isto é o que se entende no Antigo Testamento pela terra de Canaan, a terra que manda leite e mel -- porque mana com abundância o leite da caridade e o doce sabor do mel de delícias espirituais.  Imaginemos o que seria uma sociedade onde cada indivíduo, sem exceção, se preocupasse com o bem do Senhor acima de todas as coisas e o bem de seu próximo. Então podemos entender o que o céu realmente é.
Davi, no Salmo 15, faz a seguinte indagação: "Senhor, quem habitará em Teu Tabernáculo? Quem morará em Teu santo monte?" (15:1).  É bem claro que " Tabernáculo " e "santo monte" significam o céu, especialmente quando lemos no Salmo 3, 4 ¶ Com a minha voz clamei ao SENHOR, e ouviu-me desde o seu santo monte”. (Sal. 3:4).
Ora, tendo feito a indagação sobre quem entrará no céu e habitará ali pela eternidade, o salmista, divinamente inspirado, dá-nos a resposta:  " 1 ¶ <<Salmo de Davi>> SENHOR, quem habitará no teu tabernáculo? Quem morará no teu santo monte?  Aquele que anda sinceramente, e pratica a justiça, e fala a verdade no seu coração.   Aquele que não difama com a sua língua, nem faz mal ao seu próximo, nem aceita nenhum opróbrio contra o seu próximo;   A cujos olhos o réprobo é desprezado; mas honra os que temem ao SENHOR; aquele que jura com dano seu, e contudo não muda.   Aquele que não dá o seu dinheiro com usura, nem recebe peitas contra o inocente. Quem faz isto nunca será abalado. " (Sal. 15:1-5).  E, no Salmo 24, encontramos idéias muito semelhantes:  ¶ Quem subirá ao monte do SENHOR, ou quem estará no seu lugar santo?  Aquele que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente.  Este receberá a bênção do SENHOR e a justiça do Deus da sua salvação. "  (Salmo 24:3-5).
As qualidades celeste que devem estar dentro nós, se quisermos ser participantes do reino Senhor, podem, por conseguinte, ser enumeradas desta maneira: andar sinceramente, fazer o que é reto, justo e honesto em todos os negócios; falar a verdade em nossos corações, ser integralmente honestos conosco mesmos; não difamar com nossas línguas, não se entregar à vingança por qualquer afronta; não fazer mal algum ao seu próximo - individual e coletivamente; não aceitar suborno contra o próximo, isto é, não tratar mal uma pessoa boa; não apoiar a maldade de um ímpio, mas honrar aqueles que têm consideração ou temor pelas coisas do reino do Senhor; compelir-nos a manter nossos compromissos com o Senhor, mesmo quando os nossos interesses materiais forem contrariados; ser constante e não volúvel; não visar a recompensa - retorno do bem que se faz, como se fosse um investimento; não se acovardar por considerações pessoais em caso de termos de nos levantar contra a injustiça feita a um inocente. Ter o coração puro, isto é, ter somente intenções puras nos íntimos de nossa mente, da mesma forma que demonstramos ter em nossos atos; evitar a vaidade, o orgulho e o preconceito; evitar toda espécie de engano, especialmente os juramentos falsos.
No Novo Testamento -- no Sermão da Montanha -- o Senhor, ao proferir a bem-aventuranças celestes, acrescentou à lista de bem-aventuranças as qualidades que fazem o céu ou o reino de Deus:  pobreza de espírito -- a conscientização de quão pouco sabemos e entendemos acerca da sabedoria do Senhor. Acrescentou também uma espécie de lamento que surge quando encaramos realisticamente nossa falta de bondade. Falou da mansidão da caridade ou boa vontade para com próximo. Citou os que têm fome e sede de justiça, ou seja, o apetite espiritual por uma vida de acordo com a ordem Divina do Senhor. Falou ainda sobre a misericórdia, a pureza de coração; a qualidade de ser amante da paz,  e da disposição de ser perseguido pelo aqueles que odeiam os caminhos do Senhor, a disposição de seguir o Senhor mesmo quando se é ridicularizado pelo outros.
Esta não é uma lista completa, mas algumas das qualidades da mente que constituem o reino de Deus.  A liste é infindável, pois a Palavra Divina, do começo ao fim, não trata de outra coisa.  Mas essas qualidades aqui enumeradas nos dão alguma idéia do que o Senhor nos falou quando disse:  "O reino de Deus está dentro de vós”.
Contudo, é igualmente verdade que o reino de inferno está também em nós.  O inferno, assim como o céu, é essencialmente um estado de mente -- embora muito oposto ao estado de mente do céu.  Mas se nós tivermos o inferno dentro de nós, ele será visto também à nossa volta como um lugar -- um lugar medonho, que reflete os horrores da maldade que está dentro.  Todos os males proibidos nos Dez Mandamentos e em toda parte da Palavra Divina são as coisas que fazem o inferno ser inferno.  Eles são o oposto das boas qualidades que formam o céu; é a desonestidade, a prática de injustiças;  é enganar-se a si mesmo e querer enganar os outros; é usar os dons de Deus para proferir injúrias e difamar; é lesar o próximo -- não apenas o próximo individualmente mas também o bem público, assim, agir contra a sociedade; é tratar os bons de forma iníqua, mas valorizar e prestigiar os que são malfeitores. É nunca se compelir a deixar de fazer o mal, mas agir de acordo com as paixões e cobiças; é sempre esperar alguma espécie de recompensa, elogio ou vantagem no bem que se faz, e não querer ajudar se daí não puder obter tais coisas. É se deixar envolver em suborno e outras formas de corrupção, em detrimento do inocente; é ter o coração impuro e uma alma consumida pela vaidade e pela soberba; é prometer enganosamente e zombar da sinceridade; é não ter pobreza alguma de espírito, mas considerar-se suficiente e rico aos próprios olhos; é ter presunção da própria justiça e bondade, sem a humildade  da caridade; é não ter desejo ou apetite espiritual algum por uma vida baseada na obediência aos mandamentos de Deus; é ser cruel e não ter compaixão; é ter somente motivos externos em tudo o que faz; e, ao invés de ser perseguido por causa da justiça, promover a perseguição daqueles que se esforçam para fazer o que é direito e falar o que é verdadeiro.
Por semelhante modo, esta é uma lista incompleta, mas também nos dá uma noção do que é o estado da mente dos que estão no inferno.  Por essas coisas, podemos ter uma idéia do que o fogo infernal é, ou seja, não é fogo que está fora, fisicamente, mas dentro de nós; é um fogo que queima não nossos corpos, mas nossa vontade, pois é um incêndio de desejos maus que nunca se satisfazem e nunca se realizam, e queimam para sempre, consumindo-nos por dentro.  Quando pensamos dessa maneira, podemos entender o sentido do versículo de nosso tema, que diz: “A Impiedade lavra como um fogo”.
A impiedade de fato queima como um fogo.  A impiedade aqui é o resumo de todos os males condenados pelo o Senhor nos Dez Mandamentos; ardem, consomem e nunca se apagam. Que outra espécie de fogo o inferno pode ser? Que outra espécie de fogo o inferno precisaria ser? Que outra coisa é o inferno senão o ardor desenfreado do egoísmo e do ódio daqueles que deliberadamente rejeitaram o bem, rejeitaram o Senhor?
O ardor de suas vinganças, a inflamação de suas cobiças e iras, provêm do fogo do amor de si, que lavra no íntimo de seus corações.  E se nós tivermos habitualmente esse ardor dentro de nós, o fogo do amor de si, qual o fogo do inferno, nós ainda o teremos aceso dentro de nós quando transpormos as portas da morte, e traremos para sempre conosco, pela eternidade. O fogo infernal só se apaga em nós por meio da penitência dos males e pela mudança de nossos caminhos --e nós somos livres para fazê-lo.
Quando entendermos que o fogo do inferno está dentro e não fora de nós, podemos também ver que o castigo do inferno é realmente auto infligido. É a natureza do nosso egoísmo ou nossos erros que trará o castigo sobre nossas cabeças.  O que faz o inferno ser um lugar de tormento e não de paz é que, lá, cada um quer ser maior que os outros, cada um quer governar e dominar a vida dos outros. O amor egoístico de dominar é que faz o inferno ser inferno.
Se quisermos compreender como o inferno é, basta imaginarmos uma sociedade onde cada um, sem exceção, arde com a ambição de governar e dominar os outros - por todos os meios que puder.  Uma vez que a pessoa chega ao domínio, ela se enche de ódio mortal em relação aos outros, pois sabe que cada um quer a posição que ela alcançou e está possivelmente tramando para destituí-la do poder. Ela também sabe que tem muitos inimigos, que irão atacá-la e tomar-lhe a posição de governo. Não pode confiar em ninguém absolutamente, nem ter paz alguma. Este é o inferno -- o inferno real - para essa pessoa, aqui e na vida eterna.
Quase não é necessário dizer por que o céu e o inferno são opostos -- assim como o bem e o mal são opostos.  Mas podemos ver, pela parábola do Senhor sobre o homem rico e Lázaro, no mundo espiritual, que há um grande abismo - um abismo intransponível - entre o céu e o inferno. Mas esse abismo começou a surgir aqui, pois aqueles que são sumamente  egoístas detestam estar com os que amam os bens do Senhor.  E aqueles que amam suas posições terrenas mais do o uso ao bem do próximo, não se interessam em permanecer com aqueles que querem promover o bem comum, isto é, os que amam o semelhante como a si mesmos. E visto que têm afeições tão opostas, por isso o grande abismo a separá-los.
Isto nos conduz à conclusão de que seria mesmo cruel se se forçasse os de um lado passar para o outro, se uns fossem obrigados a viver junto aos outros, que lhes são opostos. Pois aqueles que são governados pelo amor de si sofreriam atrozmente se fossem obrigados a viver na companhia de pessoas angélicas. Seriam como peixes obrigados a viver na terra seca. De fato, a existência desse grande abismo no meio é uma prova da imensa misericórdia do Senhor, para que cada um possa viver a sua vida livremente, os que escolheram o céu e os que escolheram o inferno. Enquanto estamos aqui, nesta vida, estamos fazendo escolhas e moldando, dentro de nossos corações, o ambiente espiritual que haverá à nossa volta: céu ou inferno, e nesse ambiente viveremos para sempre.
Fazemos a decisão agora e somos completamente livres para escolher nossos caminhos. Não devemos nem podemos ser constrangidos. Mas nossas escolhas terminam quando deixamos este mundo. Não podem mais ser mudadas, e nem o queremos. Será tarde demais para mudar nossos sentimentos, pois eles terão se tornado parte de nossa natureza, nossa vida, e mudá-los seria mudar nossa própria vida, nossa identidade e nossa individualidade.
De todas estas coisas fica evidente que, para que possamos estar no céu, é preciso que o céu esteja primeiro dentro de nós. Devemos ser preparados para o céu enquanto estivermos aqui. Devemos receber a vida celeste dentro de nossas vidas. Nossas mentes devem ser um pequeno céu, uma pequena imagem do reino do Senhor. A finalidade de nossas vidas neste mundo é adquirir do Senhor as qualidades celestes que constituem o seu reino.
Em razão de nossas tendências herdadas, nós nos inclinamos ao amor característico do inferno.  Amamos a treva mais do que a luz, porque nossas obras são más.  Sendo assim, se não houvesse alguma influência do Senhor sobre nossas mentes, se o Senhor não influísse em nós desde os céus, se o Senhor não nos tivesse revelado o caminho da vida em Sua Palavra, nós permaneceríamos no fogo infernal, o fogo destruidor, e morreríamos em nossos pecados.
A verdade mais clara sobre este ponto veio da boca do Senhor mesmo, quando falava com Nicodemos: “Aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. (João 3:3).  A Palavra de Deus é cheia de passagens como esta, ensinando-nos que precisamos ser preparados para o céu, a fim de podermos ser recebidos e nos sentirmos em casa lá.
Tomemos, por exemplo, este conselho que o Senhor deu aos  Seus discípulos: “Portanto, estai vós também apercebidos; porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais” (Lucas 12:40).  Aplicada ao indivíduo, a vinda do Filho do Homem significa a hora de nossa morte, quando o Senhor, por assim dizer, retorna, pois  nós vamos à Sua presença.  Assim, o Senhor exorta a todos os Seus discípulos para se prepararem para o tempo que por certo chegará.
Novamente, na parábola sobre as bodas do rei, as quais o Senhor assemelha ao reino do céu, Ele diz: “E o rei, entrando para ver os convidados, viu ali um homem que não estava trajado com veste de núpcias.  E disse-lhe: Amigo, como entraste aqui, não tendo veste nupcial? E ele emudeceu. (Mateus 22:11-12).  Então o rei ordenou que ele fosse lançado fora, nas trevas exteriores.
Devemos ser preparados para podermos permanecer no reino de céu. Podemos até ser admitidos lá temporariamente, mas nós poderemos permanecer lá se não tivermos recebido o céu dentro de nós.  Nós temos o céu dentro de nós na medida que fizermos a vontade do Senhor - na medida que vivermos pelo que tivermos aprendido da Palavra.  Na medida que tivermos nascido de novo.
Quão importante é, portanto, dar ouvidos ao que o Senhor disse: “Aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. (John 3:3).  Pelo nascimento neste mundo nós herdamos tendências que nos levam a amar as coisas doe inferno, onde “A Impiedade lavra como um fogo” (Isaías 9:18). 
Mas se nós aprendermos a fugir dos males como pecados contra Deus, isto é, mudar nossas vidas e nascer de novo, então poderemos ver o reino de Deus, entrar e permanecer nos céus. Sem isso, não podemos sequer entender o que o céu é.
Então, cooperemos com o Senhor para que Ele possa nos criar de novo, para que ele possa nos dar um novo coração e uma nova mente, e isto será o reino de Deus dentro de nós. Porque, se não tivermos recebido o céu em nós, aqui, não poderemos ser recebidos no céu, quando chegarmos lá.

Amém.

Lições: Salmo 15; Lucas 18:9-22; CI 420