Deus Conosco

 

Sermão pelo Rev. Cristovão R. Nobre

"Eis que a virgem conceberá e dará a luz um filho,
e chamá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que traduzido é: Deus conosco".

Mateus 1:23

    O relato da geração e do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo nos é dado em dois dos evangelhos: Mateus e Lucas. Tanto um como o outro procuram deixar bem claro que Aquela concepção era intervenção Divina, do JEHOVAH do Antigo Testamento, que estava entrando no espaço e no tempo para assumir um Humano corporal que até então não dispunha. Lucas assim descreve este evento, transcrevendo as Palavras do anjo Gabriel a maria: "Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus" (l:35). Era o cumprimento da antiga profecia de Isaías: "Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus forte, Pai da eternidade, Príncipe da paz" (9:6).
Pelo nascimento desse Menino que é chamado Filho e Pai e Deus forte, houve uma grande alegria entre os fiéis que há muito O aguardavam. A grande alegria dos pastores, dos magos, da própria Maria, de Isabel, Zacarias, Ana e Simeão, por causa do Advento do Salvador, também foi predita em Isaías (25;9): "E naquele dia se dirá: Eis que este é o nosso Deus, a quem aguardávamos, e Ele nos salvará; este é jehovah, a quem aguardávamos: na Sua salvação gozaremos e nos alegraremos".
Nascido, o menino recebe o nome designado pelo anjo: JESUS. Jesus, em hebraico, é JEHOSHUA, que quer dizer: JEHOVAH Salvou. Porque era o próprio JEHOVAH que viera, pela instrumentalidade de um corpo natural, para realizar a gloriosa obra de "salvar o seu povo de seus pecados", como nos diz Mateus (l:21). O Messias ou enviado não era mais um profeta nem outro emissário que Deus costumava enviar no passado: era o Deus Mesmo, numa pessoa agora visível. Mas, para que isto nos ficasse absolutamente claro, um outro nome foi-lhe ainda dado: "EMANUEL, que traduzido é: Deus Conosco".
Para os seguidores da Nova Igreja, que têm aceitado como verdade essencial esta suprema Revelação, tudo é muito evidente. Compreendem que Jesus Cristo é a manifestação encarnada da Divindade. É o modo pelo qual Deus Mesmo Se enviou ao mundo. Entretanto, para muitos da Igreja Cristã precedente, que desenvolveu a crença numa Trindade de pessoas, esta passagem que diz: "Deus conosco" lhes traz obscuridade e pertubação. Eles se indagam em que sentido deve ser ela compreendida, uma vez que dizem Jesus Cristo não é propriamente Deus, mas uma pessoa distinta e separada de Deus. Como pode Ele ser "Deus conosco"? E passam a elaborar teorias para explicar isto a que chamam mistério.
Mas não há mistério algum. E o sentido em que se deve entender este ponto, se o comparamos com o corpo de toda mensagem bíblica, é o sentido mais claro e simples possível: literalmente, Jesus Cristo é Deus conosco, Emanuel.
Nesta época em que se convencionou celebrar o nascimento de Jesus, é útil a reflexão sobre o que implica para o homem o fato de Deus Se ter feito presente como ele. Em relação a celebração do natal, a maioria das pessoas chamadas cristãs se limita ao culto ao consumismo e à satisfação dos prazeres corporais; outras cedem a um indiferente materialismo; muitos se dedicam a prestar homenagens ingênuas ao Deus nascido, até por meio de uma mistura confusa com símbolos pagãos, sem saberem que, como diz a obra "O Céu e o Inferno", 404: "Deus não tem necessidade de louvores nem de celebrações". Mas uma atitude sensata em relação ao Natal é procurar entender o que vem a ser realmente o Advento do Senhor, o que importa o fato de Deus se fazer presente conosco. é uma reflexão que deve ser feita com um entendimento aberto e esclarecido pela luz da Palavra, porque o modo como encaramos a presença de Deus conosco tem profundas implicações em nossas vidas.
Um doutrinal que se assenta nas verdades do texto que lemos é o da Divina Trindade. Sabemos que em Deus há uma trindade, mas não de pessoas, mas de Corpo, Alma e Operação, e que esta Trindade habita na pessoa de Jesus Cristo. Sua Alma Divina é JEHOVAH e Pai, porque gerou o corpo em Maria; o Humano Natural que assumiu o pelo qual Se fez visível é o Filho dessa Alma, chamado JESUS; e a Operação que procede da união da Alma com o Humano é chamada Espírito Santo.
É conhecido que, se o homem não tivesse deixado porimitiva integridade, não teria havido a necessidade da Vinda de Deus para assumir um corpo Natural. Porque antes da queda o homem podia adorar a Deus como Ele Se lhe manifestava, num Humano celeste. Todavia, caindo o homem de seu estado celeste para o estado corporal, fez-se portanto necessário que Deus também descesse ou Se enviasse até àquele nível corpóreo para que dali pudesse reerguer o homem caído de volta à confição celestial. Eis o motivo porque Ele veio num Corpo Natural. á Palavra Se fez carne e habitou entre nós", disse-nos João (l:l4).
E Deus Se fez presente, Emanuel. Mas, como é esta presença do Deus vivo com o homem? Será uma força, como uma vibração ou um magnetismo, vinda do alto? Será uma potente luz que orienta? Será um companheiro que anda ombro a ombro com a pessoa, acompanhando-a, amparando e protegendo na rua, em casa, nas ocupações? Vejamos o que dizem os Escritos sobre a presença de Deus conosco.
É uma presença universal, com todos e cada um dos homens. Lemos: "O Senhor está presente... em cada um; porque a vida não vem de outra  origem, e Ele governa as mínimas coisas, mesmo com o pior dos homens, e até no próprio inferno" (AC 2706). A presença Divina é perpétua e jamais se retira de homem algum, uma vez que o homem dela depende para que tenha as faculdades de querer e pensar. Porque tudo o que o homem pensa e quer procede do Senhor. Se pensa e que o verdadeiro e o justo, é porque o recebe direta e corretamente da Origem, que é o Bem e a Verdade Divinos. E se pensa e quer o falso e o injusto, é também porque o recebe da mesma Origem, só que de um modo pervertido e invertido na recpção. Portanto, Deus está sempre presente como toda pessoa, mas isto  de forma variável, condicional e proporcional ao modo de Sua recpeção.
Nos Arcanos Celestes encontramos a seguinte explicação: "O  Senhor realmente está presente com todo homem, mas ... de um modo com os bons e de outro com os maus; com os bons está presente em cada particular que eles pensam pelas verdades da fé e que querem pelos bens do amor; e está tão presente que Ele Mesmo é a fé e Ele mesmo é o amor com eles (...) Mas com os maus o Senhor não está presente em cada particular, por que esses não têm fé ou caridade; mas está presente de um modo geral, por qual presença eles possuem a faculdade de pensar e querer, bem como de receber a fé e a caridade. Na medida em que eles não desistem dos males, Ele parece estar ausente... Entretanto Deus não está ausente do homem, mas o homem é que está ausende de Deus, pois o homem que está nos males volta as costas para Deus... É bem semelhante à presença do sol deste mundo quando à sua luz e calor. O sol é igualmente presente em todo o tempo, mas quando a terra gira e se vira (para o lado oposto) ao sol, a luz perece e vêm as trevas; primeiro as sombras da tarde, depois as trevas da noite. E quando a terra não se volta diretamente para o sol, mas obliquamente, como na estação invernal, cessa o calor e vem o frio; em consequência, tudo na terra se entorpece e morre. Isto  se chama ausência do sol, quando, todavia, a ausência é da terra para  como o sol - não quanto ao espaço, mas quanto ao estado de luz e calor . Isto é dito para ilustração" (AC l0l46)
Existe uma diferença entre presença de Deus e conjunção com Deus, como se sabe. No Apocalipse lemos: "Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com  ele cearei, e ele comigo". A presença em si de Deus no homem tem a finalidade única de dar a vida, ou seja, as faculdades que o homem possui de pensar, querer e ser livre. Mas é somente quando há reciprocidade, isto é, quando o homem também estar presente em Deus, que o homem tem conjunção com Ele e se torna verdadeiramente humano, capaz de uma elevação do entendimento e do cumprimento dos propósitos da ventura eterna que o Criador lhe reservou. Daí, uma coisa é a presença, e outra, muito diferente, é a conjunção. Uma coisa é o Senhor estar sempre à porta, batendo, com Ele diz. E outra, muito diferente, é quando o homem abre a porta e O convida a entrar e ceia com Ele com alegria.
O Senhor está presente naquilo que possuirmos de caridade. Por meio do bem da caridade a presença Divina pode se tornar em conjunção  com o Divino. Lemos, também, nos Escritos: "O Senhor está presente no amor para como o próximo porque esta em todo bem; mas não está presente tanto na fé ... sem o amor" (AC 904).
À porta o Senhor bate, mas também fala continuamente com o homem e, como lemos, "faz pressão e insiste para ser recebido". Nunca, porém, violenta a vontade e a liberdade do homem de abrir ou não a porta  e deixá-lo entrar. A voz do Senhor, quando ouvida e atendida, gera em nós o que se chama de consciência. Consciência nada mais é do que o conjunto de verdade que aceitamos e pelas quais procuramos pautar nossa conduta. E esta consciência é formada, portanto, no lado intelectual de nossa mente; não pode ser formada no lado da vontade. é pela consciência que o Senhor forma em nós que podemos ter a conjunção com Ele. Outra vez lemos nos Arcanos: "Quando regenerado, o homem, quanto à sua parte intelectual pertence ao Senhor, mas quanto à sua vontade pertence ao seu próprio; estas duas partes são opostas no homem espiritual,,, A parte intelectual do homem regenerado é, pela caridade em que o Senhor está presente, o céu; sua parte da vontade é o inferno. Quanto mais o Senhor está presente nesse céu, mais esse inferno é removido. Porque de si mesmo o homem se encontra no inferno, mas pelo Senhor está no céu. E o homem está continuamente sendo elevado do inferno para o céu; e na proporção em que é elevado, assim o inferno é removido. Portanto, o "sinal" ou a indicação de que o Senhor está presente é que a parte da vontade... esteja sendo removida" (AC l044).
"O "Sinal" ou a indicação de que o Senhor está presente" - repetimos - "é que a parte da vontade... esteja sendo removida". Este é o ponto-chave para a compreensão da presença e da conjunção de Deus conosco. Tendo este importante ponto em mente, podemos formar algumas conclusões sobre o que a presença de Deus implica para o cristão  que se diz da Nova Igreja. Que faremos para que a presença de Deus conosco não seja somente aquela presença geral, que nos dá somente a faculdade de pensar e querer? Que faremos para que Sua presença conosco seja realmente conjunção e nos dê salvação e vida plena com seres humanos?
Vimos que, à medida que somos regenerados, nossa consciência, que está na parte intelectual da nossa mente, é o céu, onde o Senhor está presente conosco. Mas nossa vontade, sendo o nosso próprio, é o inferno conosco, como esclarecem-nos as Doutrinas. Por isso é que a presença Divina só se torna conjunção salvífica na proporção em que a vontade própria for removida, pois é ela que impede a recepção do Senhor, ela é que não nos deixa abrir a porta de nossos corações para que Ele entre e governe nossas vidas. É uma vontade que deve ser removida, quando então o Senhor implanta uma vontade nova em seu lugar. É por esta razão que  Ele disse a Nicodemos: "Necessário vos é nascer de novo".
Que faremos, pois? Diante desses ensinamentos, temos sempre a escolha: buscaremos a elevação de nosso entendimento para que possamos  subjugar e remover a vontade própria que é o inferno en nós? Ou ficaremos entregues aos caprichos da vontade, e só faremos o que ela nos permitir? Esforçar-nos-emos para vencer a indisposição de nossa vontade para prestar os usos do reino de Deus que nos foram confiados? Ou nos renderemos à lassidão e a soberania de nosso próprio? Poremos as obrigações  cristAs em primeiro plano de nossas vidas? Ou negligenciaremos  nossos deveres espirituais por causa de interesses materiais, passageiros e próprios, segundo nos impõe nossa vontade? Em suma, buscaremos o rino de Deus e a Sua justiça acima de tudo? Ou seremos eternos súditos do nosso eu? Que faremos, pois? A resposta que dermos a estas perguntas também responderá como há de ser a presença de Deus conosco; se nos externos, uma mera presença geral, Ele permanecendo do outro lado da porta, ou se nos íntimos, na caridade de uma vida de usos, quando Ele entra e habita conosco enos faz ser verdadeiros membros de Sua Igreja. O nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo é verdadeiramente Emanuel, Deus conosco. Mas cabe exclusivamente a cada um de nós determinaro o modo pelo qual Sua presença conosco se efetivará.
Uma reflexão que termina com estas conclusões pode, talvez, desentoar com o clima de festas natalinas em que vivemos.  A verdade, porém, é que a nossa lembrança do Advento do Senhor não pode ser confundir com  aquelas homenagens ingênuas e vazias, nem com celebrações vãs, porque, como vimos: "Deus não tem necessidade de louvores nem de celebrações, mas quer que se façam usos e, assim, bens que são  chamados bens da caridade" (CI 404). E também no livro do profeta Oséias (6:6): "Porque eu quero misericórdia, e não holocaustos; e o conhecimento de Deus mais do que os sacrificios".
Em seu Advento, ao nascer um dia neste mundo, o Senhor Se fez presente conosco de um modo ainda mais próximo, porque o fez no plano natural em que podermos recebê-Lo em nosso entendimento e vontade. E presente Ele para sempre estará. Mas isto Ele fez exclusivamente por causa de um fim, que é a nossa salvação. Ela se dá somente quando a presença de Deus é recebida com plenitude, acima de nossa vontade, para se tornar efetiva conjunção. é como Ele diz: "Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a Minha voz, e abrir a porta, entrarei em Sua casa, e cearei com ele, e ele comigo. ... Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas". Amém.

Lições Mt. l:l8-25
VRC 754,746.