Elias e a viúva de Serepta

Sermão pelo Rev. Cristóvão Nobre

Porque assim diz o SENHOR Deus de Israel: A farinha da panela não se acabará, e o azeite da botija não faltará até ao dia em que o SENHOR dê chuva sobre a terra.

I Reis 17:8-15.

 

Convidamos nesta manhã a que elevemos nossos pensamentos em meditação sobre esta história do profeta Elias e uma viúva, porque é uma história de obediência à Palavra e que nos inspira dedicação ao Senhor.
Por volta do século 10 antes de Cristo, por causa de uma seca na terra de Israel, o Senhor mandou que o profeta Elias fosse a um lugar a Zarephat, também chamada, Serepta de Sidon, porque ali uma mulher viúva o sustentaria até que houvesse de novo chuva na terra.
Elias se levantou e foi, conforme o Senhor dissera. Ao chegar ali, encontrou a pobre mulher, que estava apanhando lenha. Elias primeiro se dirige a ela e lhe pede água. Saindo ela, Elias a chama e agora lhe pede também um bocado de pão, ao que ela lhe disse: “Vive o SENHOR teu Deus, que nem um bolo tenho, senão somente um punhado de farinha numa panela, e um pouco de azeite numa botija; e vês aqui apanhei dois cavacos, e vou prepará-lo para mim e para o meu filho, para que o comamos, e morramos”.
Vem então a réplica de Elias, agora mais uma ordem do que um pedido:  “E Elias lhe disse: Não temas; vai, faze conforme à tua palavra; porém faze dele primeiro para mim um bolo pequeno, e traze-mo aqui; depois farás para ti e para teu filho..
A extrema penúria daquela mulher já seria de deixar o leitor da Bíblia penalizado, mas agora qualquer um que lê a história pela primeira vez fica também admirado, porque, ela tinha apanhado somente uns poucos gravetos para cozer um último punhado de farinha e óleo, para fazer um bolo para si e seu filho, sabendo que depois daquele resto miserável de alimento, só restaria a morte. Aparece então um homem, um estranho, e ordena que ela primeiro o sirva e só depois coma, ela e o filho. E se pergunta: Por que o Senhor dera ordens a uma pobre viúva para que, de sua penúria, tirasse para sustentar o profeta?
Causa também admiração o fato de que a mulher foi e fez conforme ordenara Elias. E a razão porque ela o fez só pode ser atribuída à sua extraordinária obediência à palavra ditada por Deus, porquanto Elias lhe dissera: “Porque assim diz o SENHOR Deus de Israel: A farinha da panela não se acabará, e o azeite da botija não faltará até ao dia em que o SENHOR dê chuva sobre a terra”.
Para aquela mulher, então, Elias não seria tão estranho como pode nos parecer. Ela talvez não conhecesse Elias, mas conhecia o Senhor. E não foi para cumprir a ordem de um homem qualquer, um desconhecido, mas sim mediante a palavra da promessa do Senhor que ela foi e fez como tinha sido ordenado, a despeito de sua fome, de sua aflição. E trouxe a Elias o que preparara. E então veio o milagre porque “assim comeu ela, e ele, e a sua casa muitos dias. Da panela a farinha não se acabou, e da botija o azeite não faltou; conforme a palavra do SENHOR, que ele falara pelo ministério de Elias”.
Toda esta história está repleta de símbolos, de correspondências, que nos fala a respeito da natureza humana e sua atitude diante da Palavra de Deus. A obediência à doutrina da verdade e a disposição determinada em se dedicar ao Senhor, acima de seus próprios interesses, de seguir ao que o Senhor ensina, acima de seus próprios princípios pessoais, e de fazer de acordo com a verdade, praticando a justiça como novo hábito, acima de sua maneira tradicional de agir. Procuremos o significado de alguns símbolos correspondenciais da história para que este aspecto espiritual da história se nos apresente de modo mais claro.
A primeira coisa a saber é que “Elias”, aqui, não significa o homem, mas o ensinamento da Palavra e sua compreensão no seu sentido literal, como era, aliás, a significação de todos os profetas e também de Moisés, como vimos há poucos dias (ver 5247).
Havia uma fome na terra, o que representa o estado devastado da Igreja naquela época, porque “terra” é a Igreja, e “fome” é a ausência de bem e verdade, pois quando faltam o bem e a verdade o espírito humano padece de inanição (Ver AC 4844).
A “viúva”, na Palavra, representa aqueles que estão na verdade mas desejam ter o bem, pois a esposa significa o vero e o marido o bem. E quando a esposa se torna viúva, representa a verdade que sente a falta do seu respectivo bem e anseia por ele (AC 4844).
Notamos, logo no início do relato, que aquela viúva, quando Elias a encontrou, estava apanhando lenha. Ora, assim como a “pedra” na Palavra representa verdade natural, a madeira, aqui a “lenha” representa o bem natural. Sabendo dessas poucas correspondências, já podemos ver o significado espiritual por trás desta história, como veremos.
Numa situação em que não há conhecimento da fé nem prática do bem na religiosidade humana (a fome na terra), a Palavra do Senhor (Elias) é dirigida àqueles que estão na verdade da fé, mas anseiam em conhecer e praticar o bem da caridade (estes são a “viúva”). E mais: embora não tenha ainda o bem genuíno, que é espiritual, eles têm todavia o bem natural (a mulher apanhando lenha”).
Elias lhe pede água e depois pão. A “água” significa a verdade natural, a instrução direta do sentido literal e moral do Antigo e Novo Testamentos, e o “pão” representa o bem. A mulher vai buscar a água, o que, talvez, significa a disposição da pessoa em admitir e reconhecer que a instrução verdadeira procede da Palavra, Elias. Mas quando ele lhe pede pão, ela tem dificuldade em atender, e questiona. Isto talvez indique a dificuldade que temos de atribuir ao Senhor o bem que porventura praticamos. Trazer o resto de pão para Elias implicaria por conseguinte uma renúncia a si mesmo, a tudo o que se tem, à sua própria vida, seus valores, para depositá-los aos pés do Senhor. A relutância nessa hora é comum ao espírito humano, mesmo ao que está sendo regenerado.
A mulher estava apanhando lenha para com ela acender fogo e usar o último resto de farinha e azeite, cozer um bolo e comer dele ela e seu filho. A princípio, acreditamos que o bem natural (a “lenha”) nos é dado para nosso próprio proveito, e imaginamos que, praticando o bem natural, iremos alcançar a vida espiritual, a vida eterna, isto é, que comeremos do bolo feito com a lenha.
A “lenha”, ou este bem natural, cumpre saber, existe quando a pessoa pratica a obediência às verdades mais elementares em que ela crê. São as primeiras ações, feitas em simplicidade, quando se é levado pelo sentimento dever somente aos Mandamentos Divinos. Tomemos alguns exemplos desse bem natural: quando uma se relaciona com outros com polidez, porque isto é parte de sua educação e dos hábitos adquiridos em família. Ou quando a pessoa evita falar palavras grosseiras ou torpes porque é contra a moralidade. Ou quando ela se esforça, pela sua força de vontade, em deixar um vício ou um mal hábito. Ou seja, ela age pelas suas próprias forças e sua própria determinação para fazer o que entende ser correto diante da sociedade.
Mas a Palavra do Senhor nos diz que não é assim. O bem natural não é salvífico. Não podemos ser sustentados pelo fogo da lenha, e também não podemos, por nossa própria força, praticar o bem espiritual se acharmos que esse bem vem de nós mesmos. Não é segundo nossa própria inteligência que nos conduziremos na prática do que é bom, acreditando que assim estamos traçando nosso caminho na eternidade. É necessário que sejamos conduzidos pelo Senhor, por uma instrução genuína acima de nós, a Palavra, para que possamos exercer a verdadeira caridade. E embora o bem natural (quer seja chamado de bondade, boa criação ou moralidade) seja uma base para preparação, ele não pode prover a caridade espiritual, o bem genuíno, assim como a lenha prepare o alimento, mas não possa produzi-lo de si mesma.
Foi essencial, portanto, que a lenha fosse queimada a fim de se preparar o bolo primeiro para Elias. Em outras palavras, a motivação de nossos atos, nosso bem natural, deve ser o Senhor e o próximo e não nosso próprio bem estar e nossa ventura pessoal.
O punhado de “farinha” que a viúva tinha na panela representa as verdades genuínas, de uma origem espiritual, embora poucas, que a pessoa adquiriu neste estado. E o resto de “azeite” representa os resíduos de bem espiritual adquiridos desde a infância. Uma e outro, a farinha e o azeite, são o que as Doutrinas chamam de relíquias. São todos os sentimentos e todos os pensamentos realmente bons, verdadeiros, que o Senhor implanta por uma origem celeste nos estados principalmente da infância, e que o Senhor preserva para sustentar a mente adulta em tempos de desolação espiritual, quando sua fé e sua caridade desaparecem em meio à sequidão dos valores materiais e terrenos.
O bolo que a viúva preparou representa, portanto, um segundo nível de bem, chamado de bem espiritual, porque vem da obediência indubitável das verdades da Palavra. O bem espiritual é tão superior àquela bondade natural quanto o bolo cozido é diferente da fogo da lenha. Este bem espiritual, representado aqui pelo bolo, existe quando ajuntamos os conhecimentos da fé com uma conduta justa, porque assim o Senhor requer. Quando ajuntamos assim bem e verdade, é como se misturássemos azeite e farinha. A retidão, a honestidade, a sinceridade, agora, são praticados por uma razão superior, vinda da consciência espiritual em nós. Agora, pela primeira vez, poderemos ter algum nutrimento com o qual nosso espírito poderá de fato viver.
Para diferenciá-lo do bem natural, tomemos alguns exemplos desse bem espiritual: é quando a pessoa aprende que dirigir-se com rispidez a alguém é contra a benevolência, portanto contra a caridade e, enfim, contra o Senhor, e então ela procura ser branda e paciente e cuidadosa no falar, para não ofender ao próximo e ao Senhor. Antes, no estágio de bem natural, ela o fazia por educação e polidez, mas agora ela faz a mesma coisa, mas pelo Senhor. Ou quando adquire a noção de que palavras e brincadeiras com sentido obsceno são contra a santidade e a moral do amor conjugal, e ela se restringe e não se permite mais a tais indecências, porque o amor conjugal e o amor do sexo são em si mesmos santos e puros. Ou também quando conhece que a sinceridade é requisito essencial para a caridade da vida cristã, e ela se torna intransigente quanto a não dizer mais mentirinhas ou fazer promessas que sabe que não irá cumprir, a fim de não ser mais insincera, porque seria contra o Senhor, que é a Verdade mesma. Ou, em suma, quando descobre em si um mau hábito e passa a se esforçar para vencê-lo com a ajuda do Senhor, porque esse mau hábito a impede de exercer melhor o uso de sua vocação.
A pessoa exerce a prática da verdade e do bem sabendo que não é por si mesma, mas pelo poder do Senhor nela, a quem ela atribui todo bem e toda verdade. Isto é o que representa a viúva fazer um bolo pequeno primeiro para Elias, como lhe tinha sido ordenado. “E Elias lhe disse: Não temas; vai, faze conforme à tua palavra; porém faze dele primeiro para mim um bolo pequeno, e traze-mo aqui; depois farás para ti e para teu filho.” Porque, na verdade, diferentemente do bem natural, o bem espiritual tem origem nas afeições provenientes dos anjos à volta da pessoa, e eles, por sua vez, recebem do Senhor o amor com que inspiram a criatura humana a quem estão conduzindo. A pessoa o sabe, e por vezes sente, que é pelo Senhor que ela faz o bem genuíno.
Toda essa disposição, toda essa vontade e todo esse esforço agora, motivados por razões espirituais que são os veros de sua fé, são o bem espiritual de que sua alma agora se nutre. São o bem que sustentará e formará o corpo espiritual com ela se revestirá na vida eterna. Quanto mais este bem e esta verdade se tornarem constantes e comuns, mais a pessoas adquire e vida celeste e mais ela se torna realmente humana.
E o que ocorre, quando se atribui ao Senhor todo bem e toda verdade? Foi o mesmo que aconteceu à viúva quando ela foi e fez conforme lhe dissera Elias. O que acontece quando colocamos as razões do Senhor acima de nossas próprias razões, mesmo que, aparentemente, possamos perder algo que nos parece valioso? Foi o fez a viúva ao fazer o bolo pequeno primeiro para aquele homem, porque o Senhor o dissera, sob risco de ficar ela e seu filho sem o último bocado de alimento. O que acontece conosco, espiritualmente, quando damos ao Senhor o lugar mais importante em nossas vidas?
Acontece que se cumpre a promessa de Deus: “Porque assim diz o SENHOR Deus de Israel: A farinha da panela não se acabará, e o azeite da botija não faltará até ao dia em que o SENHOR dê chuva sobre a terra”. A verdade, quando é buscada para ser compartilhada mais nos ensina, mais aumenta em nós e forma a nossa inteligência. O amor, quanto mais é distribuído com o semelhante, mais cresce, ao invés de diminuir. A farinha e o azeite não tinham fim em seus vasilhames, assim como o Senhor multiplicou o pão que repartiu e deu à multidão. A riqueza verdadeira, espiritual, tem isso de sublime, que aumenta na proporção em que é distribuída.
E ela foi e fez conforme a palavra de Elias; e assim comeu ela, e ele, e a sua casa muitos dias. Da panela a farinha não se acabou, e da botija o azeite não faltou; conforme a palavra do SENHOR, que ele falara pelo ministério de Elias.
“E assim comeu ela, ele, e a sua casa...” Observe que, quando o bolo ficou pronto, de fato foi a mulher quem comeu primeiro e depois o profeta Elias, diferentemente do que ele dissera a ela. Porque, quando entregamos nossas vidas ao Senhor e atribuímos a Ele todo vero e todo bem, somos nós que estamos sendo realmente recebendo os bens, pois o Senhor no-los dá prontamente de volta. De fato, Ele não usurpa nada e nem quer nos privar de coisa alguma, mas quer que atribuamos a ele os bens e veros para que assim esses bens e veros sejam vivificados em nós e se tornem salvíficos.
Nós, que tínhamos ficado admirados ao notar que, ao ser enviado para Sarepta, foi dito que a pobre viúva sustentaria Elias, vemos que aconteceu exatamente o contrário. Elias foi ali para sustentar a viúva. Enquanto ali esteve, não faltou para ela o alimento, até que voltasse a chuva sobre a terra.
No começo, é preciso que sustentemos as verdades de nossa fé, que as defendamos os doutrinais da Igreja provenientes da Palavra, sob pena de sofrer a perda de nossas próprias convicções ou ao custo de abrirmos mão de nossos próprios princípios. Porque, se sustentarmos a veracidade de nossa fé, se defendermos nossos valores espirituais como verdadeiros tesouros, essas verdades se tornarão em nós  bens genuínos, e serão elas o alimento que em troca nos sustentará pela vida eterna. Amém.