A DÚVIDA DE JOÃO BATISTA

Um sermão pelo Rev. Cristóvão R.Nobre

“E João, chamando dois dos seus discípulos enviou-os a Jesus, dizendo: És Tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro?”

Lucas 7:19
A pergunta que João Batista endereçou a Jesus exprime uma dúvida que nos deixa admirados, pois era uma dúvida quanto à realidade da vinda do Messias, dúvidas quanto à presença de Deus na terra. João sabia, pelas Escrituras Santas, que o  Senhor viria para redimir o Seu povo, e que o tempo havia chegado para isso se cumprir; mas, será que o Messias era aquele homem que agora estava passando pela Galiléia, fazendo milagres em Cafarnaum e Naím? Seria Ele o esperado Salvador? João teve dúvidas. Como poderia saber ao certo? Que sinal lhe poderia dar Jesus para manifestar a Sua Divindade? E João, do cárcere onde estava, manda dois de seus discípulos ao Senhor Jesus, com a pergunta: “És Tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro?”
João Batista... o maior dos profetas, um homem que Deus preparou desde o ventre materno a fim de desempenhar a grande missão: anunciar a vinda do Senhor a um mundo incrédulo, ao seio de uma igreja que chegava ao seu fim. João tinha uma mensagem firme; se bem que às vezes áspera, transmitia, porém, esperanças e urgia quanto à necessidade vital do arrependimento para a recepção do reino de Deus. Com intrepidez, proferia as verdades que combatiam as males da vida, tanto dos fariseus - a quem certa vez chamou de  “raça de víboras”- quanto do rei Herodes, a cujo pecado João enunciava diretamente, sob pena de perder a própria vida. João Batista, que prontamente se submeteu a Jesus logo que O reconheceu no Jordão, onde João batizava, e de quem testemunhou: “eu vi o Espírito descer do céu como pomba, e repousar sobre Ele. (...) e eu vi, e tenho testificado que Este é o Filho de Deus”.
Com uma mensagem tão convicta, tendo já testemunhado e testificado a manifestação do Salvador ao mundo; tendo já visto as profecias se cumprirem tal como dizima as Escrituras, João se vê agora preso pela dúvida e manda que portadores a declarem ao Senhor.
Tal mudança em João nos surpreende; é bem incoerente com o todo de sua pregação. Qual teria sido o motivo dessa dúvida? O que o levou a formular pergunta tão direta, mas tão elementar a respeito do Advento do Messias? Poderíamos levar em conta que João estava no cárcere injustamente, por perseguição de Herodes Antipas, sofria inocentemente; sofria por ter declarado a verdade. Em uma tal condição, uma pessoa pode facilmente se revoltar, especialmente se não vê sinais de livramento. Teria ele por isso se tornado decrescente? OU talvez os feitos do Senhor, até então, não tinham sido conforme João esperava que fossem. Lembremo-nos de que João era mais duro, mais rude, mais contundente na forma de ensinar as verdades e, por causa desse seu caráter, talvez esperasse mais energia e menos mansidão da parte de Jesus. Talvez. Não sabemos ao certo. Somente pelo relato do sentido literal permaneceríamos nessa obscuridade.
A Palavra do Senhor é viva; para que seja compreendida em sua mensagem genuína, é necessário que a examinemos tanto sob o aspecto do seu corpo quanto do seu espírito. Assim, nunca tiraremos desse sentido literal verdades genuínas da fé, se não soubermos antes o que é significado aí por João. Aliás, foi somente por causa de sua significação no sentido espiritual que João Batista foi mencionado, nesse texto de Lucas, com anta distinção pelo Senhor, quando disse: “entre os nascidos de mulheres, não há maior profeta do que João Batista”.
João Batista representa o Senhor quanto à Divina Verdade, a Palavra (AC 5620); os ensinamentos de João, bem como vestes de pêlo de camelo, e a sua alimentação, representam a Palavra quanto ao sentido externo, ou sentido da letra (AC 9828). De um modo geral, João representa a Palavra em seu sentido externo. Ter este arcano em mente é fundamental para que se compreenda muito do que há nos Evangelhos sobre João, e para que se saiba verdades espirituais a respeito da Palavra do Senhor.
A correspondência de João com a Palavra pode ser confirmada por um grande número de ensinamentos dos Evangelhos, mas aqui destacaremos apenas alguns, especialmente os que constituem o nosso texto básico, em Lucas.
Um ensinamento das Doutrinas é que a recepção dos internos deve ser feita por meio dos externos. O Senhor provê sempre estados externos no homem para que Ele possa ser recebido depois nos internos. Em outras palavras, à medida em que o homem dispõe em ordem as coisas exteriores e naturais, o Senhor pode ser recebido pelas coisas espirituais. Pois o externo é a base onde o interno se funda e se erige. No caso da Palavra, é por meio das verdades naturais, que estão no sentido da letra, que o homem adquire o conhecimento das verdades espirituais, a doutrina genuína da Palavra. A recepção do Senhor pelo homem se faz, primeiro, no nível de uma mentalidade forma de acordo com os ensinos do bem e da verdade, no Novo e no Velho Testamentos, para que, em seguida, haja a racionalidade a partir dos ensinamentos das Doutrinas.
Assim, a letra da Palavra vem primeiro, preparando mente e coração para a acomodação das verdades interiores. Sem o conhecimento e a aceitação da letra, as Doutrinas do sentido interno não podem jamais ser recebidas. Daí é porque João veio antes, ensinando. Preparando o caminho aceitável ao Senhor. Sem essa preparação por João, as mentes dos homens na terra não poderiam ter recebido o Advento do Messias.
Que João tenha representado a letra da Palavra, pode ser ainda mais evidente pelo que foi dito sobre ele, em Lucas 1:17: - “E irá adiante dEle no espírito e virtude de Elias, para converter os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à prudência dos justos, com o fim de preparar ao Senhor um povo disposto”. Essa conversão é a obra regeneradora que o Senhor efetua através da letra da palavra, em suas verdades genuínas.
João Batista pregava no deserto; deserto significa o estado desolado da Igreja Judaica, onde estava a Palavra no tempo da vinda do Senhor. Naquela Igreja havia uma obscuridade tão grande quanto á fé, que o Senhor não foi mais reconhecido (AC 9372); por isso ela foi representada pelo deserto, onde nada há de vida útil. Quando uma igreja chega nesse estado de devastação, nega até mesmo a letra da Palavra quanto às profecias da vinda do Senhor. Por isso é que João foi rejeitado, lançado à prisão e ali assassinado, numa representação da rejeição da Palavra por parte da Igreja Judaica.
Entra-se na Igreja, isto é, a Igreja tem seu início no coração do homem quanto ele adquire e pratica as verdades mais gerais, que são as da letra da Palavra. E o que elas primeiro ensinam é a penitência das más obras. Por aí, então, vemos porque João batizava nas águas e pregava o arrependimento; era a purificação dos males através das verdades naturais da Palavra, quando aplicadas à vida. E que isto introduza o homem na Igreja, pode-se ver pelo fato de o batismo ser no rio Jordão, que foi a porta de entrada dos filhos de Israel na terra de Canaan, a Igreja no sentido espiritual.
Sabemos que João se vestia de pêlo de camelo, e isto é porque o pêlo de camelo significa as verdades naturais e que são admitidas pelos sentidos; são essas verdades mais gerais, próprias para o homem simples e as crianças. Há tais verdades em abundância em toda a letra da Palavra (AC 5620). O cinto de couro que ele usava em torno dos lombos é o “laço externo que liga e mantém em ordem todas as coisas interiores”(AC 9372). O cinto envolvia e prendia as vestes de pelo de camelo; podemos ver uma ilustração disso quando refletimos sobre a ordem das palavras, sentenças, versículos e capítulos da letra, que conserva, mantém em ordem e contém a ordem contínua da série do sentido interno (veja AR 46). A alimentação consistindo de gafanhotos e mel silvestre corresponde ao “nutrimento espiritual que procede do conhecimento do vero e do bem na Palavra” AC 9372); os gafanhotos correspondem aos conhecimentos mais comuns e o mel silvestre corresponde ao deleite que esses conhecimentos proporcionam.
Falando de João Batista às multidões, o Senhor perguntou: “Que saístes a ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento?”, e aqui também se vê que é uma referência não a João mesmo, mas à letra da Palavra, pois ela é como um caniço - as coisas mais últimas - agitado pelo vento, quando seu ensinamento é torcido, revirado de um lado para outro, explicado de diversas maneiras, ao bel prazer do raciocínio do homem. É o que acontece no fim da Igreja, e o que também se passava na Igreja Judaica.