Discípulos do Senhor

 

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

 

«Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos,
se vos amardes uns aos outros»

João 13:35.

 

Este é o sinal pelo qual o verdadeiro cristão é conhecido: o amor espiritual ou a caridade para com o próximo. Não é por levar o nome de cristão, nem por professar uma fé, nem por praticar rituais de sua crença, religião ou culto, mas pela maneira como se relaciona com os seus semelhantes. «Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros».
Podemos ser chamados «discípulos» do Senhor? Nossas atitudes com nossos irmãos estão de acordo com a fé que professamos ou falam contra ela?
Sabemos que os atos falam mais alto do que as palavras. Pelos frutos de nossos atos seremos conhecidos, diz o Senhor.
Nós, como congregação cristã, que almejamos ser fiéis discípulos do Senhor, devemos fazer freqüentemente um auto-exame de nossas vidas. Ao fim de cada dia, pensemos não só no nos atos que praticamos, nas palavras que pronunciamos, mas também nos pensamentos e intenções que tivemos. Em todas as ocasiões e em todas as circunstâncias, todos os estados de nossa vida, em todos os aspectos da comunhão com nossos irmãos e amigos. Temos tido essa comunhão de que nos fala o Evangelho? Temos sido conhecidos como cristãos por causa de nosso viver?
Avaliemos nossa atitude em casa, nosso relacionamento com o cônjuge, os filhos, e demais parentes. Reflitamos sobre nossa atitude na Igreja, nossa participação nas atividades externas da vida da congregação, nosso relacionamento com os demais irmãos. Reflitamos também sobre a atitude que temos adotado em nosso local de trabalho, no cumprimento dos deveres profissionais de nossa função, e no convívio com os colegas. Ainda, pensemos em nosso relacionamento com os vizinhos. Que testemunho temos dado nesses lugares e a essas pessoas? E quanto aos compromissos sociais e civis?  Em suma, em todas as áreas de nossa vida, pois a regeneração só se realiza quando está assentada nas atividades de nosso dia a dia, na prática diária da vida social, em todo e qualquer relacionamento com todas as pessoas. É aí que se exerce realmente a caridade, o amor espiritual para com o próximo. E é que temos de prestar o culto interno, o culto verdadeiro a Deus, quando obedecemos ao que o Senhor nos manda. «Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros».
Cada um de nós, membro adulto da Igreja, tem conhecimento do dever de se fazer regularmente o auto-exame, pelo menos quando se aproxima da Santa Ceia. O auto-exame é individual; cada um se examina e se confessa diante de Deus, pois a responsabilidade da salvação é pessoal; cada um responde por seus próprios males, como diz a Palavra: «A alma que pecar, essa morrerá».
Mas é na vida em comum na família, no trabalho e na congregação da Igreja que estão os planos onde a vida da fé deve ser praticada. E aí surgem situações em que muitas vezes os interesses individuais divergem e entram em conflito. Na convivência, as variedades de caráter se manifestam; gostos, preferências, princípios e pensamentos diferentes. Qualidades e virtudes variadas se revelam. Mas aí também se manifestam eventuais falhas e imperfeições de nosso caráter, e estas se tornam de conhecimento geral, afetando negativamente as outras pessoas, causando perturbações na convivência e no relacionamento. Por isso, é saudável que às vezes se façam auto-exames coletivos, por assim dizer, a fim de examinarmos a qualidade de nossa vida em comum e conhecermos os males mais aparentes e que mais impedem o bom convívio cristão.
Tomemos, por exemplo, o casamento. Há muitos problemas conjugais que pertencem e afetam a ambos, marido e esposa, e por isso só são resolvidos e solucionados quando ele e ela examinam mutuamente a questão, conversam para saber o que cada um tem feito para criar ou fomentar tais problemas, e então descobrem, em conjunto, as áreas onde devem trabalhar, a quatro mãos, a penitência, em prol de sua regeneração espiritual.
A congregação ou rebanho espiritual da Igreja também enfrenta problemas e dificuldades coletivas que são frutos da atitude individual de cada um de seus membros. A Igreja é um corpo espiritual; se um membro se enfraquece ou é ferido, todo o corpo sofre. A maneira como cada um de nós age individualmente, correta ou incorretamente, sempre afetará o todo, o grupo do qual participamos. A Igreja, como uma congregação de discípulos do Senhor que pretende ser, deve ser conhecida pelo amor mútuo ou caridade espiritual que existe entre os irmãos. Este é o sinal maior e o testemunho de que é uma Igreja em que o Senhor está presente e reina. Os atos de cada um de nós dizem respeito não só a nós mesmos, mas também ao corpo espiritual de que fazemos parte.
Pelo bem da igreja é que precisamos às vezes nos examinar e examinar que tipo de contribuição temos dado ao conjunto geral. Pelo bem da Igreja é que cada um de nós, membros, devemos nos perguntar: Se todas as demais pessoas da congregação vivessem como eu vivo, agissem como eu ajo, assumissem as responsabilidades como eu assumo, falassem como eu falo, o estado do grupo seria melhor ou pior?
É evidente que somos indivíduos diferentes, e cada um de nós a dá uma contribuição diferente ao conjunto. Não podemos nos avaliar pelo que os outros são. Mas podemos - e devemos - julgar nossos próprios atos, e daí refletir. Que tenho feito em prol do corpo espiritual do Senhor, que é a Igreja de que faço parte?
Aqui, eu, ministro, me incluo como membro. Façamos pois um exame sincero de nossa atuação como crente da Nova Igreja. Minha influência nas pessoas seria positiva a ponto de todos me conhecerem como discípulo do Senhor, por eu amar o meu semelhante como o Senhor ordenou? Ou minha influência sobre eles é nula e estéril em relação à Igreja? Ou, pior ainda, negativa, sendo os maus atos contrários ao nome de cristão?
Voltemos hoje nosso pensamento para as coisas mais elementares, mais práticas,  que são públicas e manifestas em nossas vidas. Nas coisas em que, às vezes, nem ao menos pensamos, por acharmos que são muito externas.
A vida da Igreja começa pela vida dentro de cada casa. E este é exatamente o lugar mais difícil de se operar a regeneração. Ser cristão dentro de sua própria casa é o maior desafio de todos. Não porque os familiares sejam inimigos, mas pelo fato de ser o lar o ambiente mais íntimo onde o caráter real do homem interno mais tem oportunidade e liberdade de se manifestar, um tanto livre dos laços externos da vida social.
A vida em família traz, naturalmente, muitos problemas de relacionamento. Isto é normal, pois cada membro de uma família é obviamente um ser espiritual único que deve ser regenerado pelo Senhor. Há afeições más que devem ser manifestas a fim de serem reconhecidas e expulsas; há pensamentos e princípios errôneos que são permitidos manifestarem-se na linguagem para que sejam julgados e corrigidos. No lar é que começa a primeira instrução, a correção das coisas mais básicas da vida civil, moral e espiritual.
Mas é justamente por isso que o ambiente da família vem a ser a melhor oportunidade de se exercitar a vida realmente cristã, a caridade espiritual e se prestar usos. A vida em família é o maior desafio para o amor mútuo. É onde precisamos começar a ser conhecidos como discípulos do Senhor. Se não for assim, a vida fora de casa será uma vida hipócrita e falsa.
Por compreender isso é que cada um deve, em casa, aprender a pôr o interesse do próximo acima do seu próprio interesse. A felicidade dos anjos consiste em que eles querem que os outros sejam mais felizes do que eles mesmos são, e assim eles amam os outros mais do que a si mesmos. Daí é que vem a harmonia, a paz e a felicidade celestes. Em casa, o cristão deveria exercitar a mesma disposição dos anjos, pensando no bem do seu cônjuge, filho, filha, mãe, pai, avós, tios, sobrinhos, netos etc., mais do que no seu próprio bem. Se cada um pelo menos tivesse em intenção fazer isso, o resultado certamente seria uma mais compreensão, mais harmonia, mais paz e mais felicidade no lar.
Mas nosso eu irregenerado não deseja isso. Todos nós temos a tendência irregenerada de reagir à implantação da ordem celeste. Se formos voluntariosos e agirmos por essa nossa vontade própria, pelo impulso e pelo bel-prazer do eu irregenerado, certamente provocaremos muita perturbação àqueles com quem vivemos.
Dentre as reações voluntariosas, impulsivas e comodistas do homem irregenerado no lar, vejamos, por exemplo, as mais comuns, que são a indolência, a intolerância e a maledicência.
A indolência é a acomodação letárgica com as coisas tais como estão. Nessa situação, a pessoa não se anima a buscar senão aquilo que favorece os apetites e amores naturais, corporais e terrenos. Tudo o mais, que diz respeito à vida espiritual, às virtudes, aos bons hábitos, se torna difícil, enfadonho e problemático.
Essa entrega ao comodismo é nociva à vida, tanto a social quanto à espiritual, pois o ser humano foi criado para prestar usos, sobretudo usos que contribuam para a felicidade espiritual do próximo. Nascemos neste mundo para servir, e fomos destinados a um reino eterno que é um reino de usos. Naquele reino, para o qual estamos aqui nos preparando, o prazer maior que se tem é ser útil ao seu semelhante. Lá, todos os esforços, toda a habilidade e todo o interesse são empregados nesse objetivo, o de ser útil ao semelhante e, assim, ao Senhor. Para que possamos um dia habitar ali, é imprescindível que aqui nos iniciemos nessa disposição, que nos eduquemos a vencer sempre essa vontade ou falta de vontade letárgica e oposta que quer prazeres que visam unicamente a si mesmo e aos seus.
Ninguém nasce com esse prazer de servir. Ninguém o adquire, a não ser que lute contra esse prazer oposto e negativo, que é, ao mesmo tempo, o prazer do amor de si. A pessoa que se furta a fazer o que lhe é devido furta-se à oportunidade de exercitar o prazer do céu. Despoja-se, assim, da vestimenta nupcial, sem a qual não poderá estar na boda do Cordeiro.
Muitas vezes nós nos omitimos a fazer algo que é necessário em benefício de alguém. Dentro de casa, muitas vezes nos furtamos a prestar pequenos usos que, às vezes, para nós nada custam, mas que são muito importantes para os outros. Deixamos de fazer uma pequena tarefa que não é nossa obrigação, é certo, mas que ajudaria muito a outrem. É a vontade infernal e irregenerada que impede o homem de olhar em volta e ver que há pequenas coisas que pode fazer, pequenos auxílios que são benéficos a outrem. Se quisermos ser conhecidos como discípulos do Senhor, não podemos nunca nos entregar ao comodismo e à indiferença. Saibamos usar, a partir de casa, nosso conhecimento, nossa boa disposição, nossos talentos em benefício de todos que ali vivem. Sem ser preciso que nos peçam, sejamos úteis, segundo o exemplo do Senhor, pois se Ele, que é Deus, «veio para servir e não ser servido», quanto mais nós não temos de ter tal intenção?
Outra coisa que perturba muito a paz no lar é a intolerância. Por causa da intolerância, é que às vezes somos levados a ser ríspidos ou a responder com impaciência e aspereza a alguém, e isto provoca o rompimento de um ambiente de paz e harmonia no lar.
Ser impaciente, ser precipitado no julgamento, responder com aspereza é um índice da ausência de respeito pelo semelhante. Inadvertidamente, às vezes sem propósito deliberado, falamos com rispidez, com impaciência, às vezes aos berros e com uma criança, com o cônjuge ou com pessoas idosas, e assim cometemos não só falta de gentileza, mas fazemos um mal público, mal que, como os privados e ocultos, deve também ser evitado como pecado contra Deus. Se não for controlado, pode se tornar um hábito que fica tão enraizado a ponto de ser um traço comum de nossa personalidade. O problema de darmos respostas ásperas, além de ser, realmente, desprezo que demonstramos ter pelo nosso semelhante, é que isto é uma manifestação do engrandecimento do amor de si, é deixar que o eu irregenerado se erga em sua soberba de querer falar mais alto, de ser o maior, de convencer, de ter razão pela força. E a Palavra de Deus diz em Zacarias 4:6:  “Esta é a palavra do SENHOR a Zorobabel, dizendo: Näo por força nem por violência, mas sim pelo meu Espírito, diz o SENHOR dos Exércitos”.
Outra prática que pode ser bastante comum dentro de casa é a maledicência ou o hábito de se fazer comentários maliciosos sobre os outros. Que há por trás desse hábito senão o descaso e o ódio ao semelhante?  Ainda que o assunto fique dentro de quatro paredes, esse é um hábito nocivo, porque por ele a vontade irregenerada se exalta e sobrepõe aos outros. É nocivo principalmente para quem fala mal, porque essa atitude atrai para junto de si os maus espíritos associados aquele determinado mal, e assim o estado espiritual do maledicente é igualmente ruim.
A Palavra de Deus nos diz: «Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós» (Mt.7:1), mas quantas vezes não nos esquecemos disso, e cometemos o erro? É claro que nesta passagem o Senhor ensina que não devemos fazer mal juízo ou imputar o mal a quem quer que seja, mas a maledicência faz exatamente isso. Podemos - e devemos - examinar os atos externos alheios à luz da verdade, mas, por misericórdia, temos de separar o ato da pessoa, não lhe imputando o bem ou o mal. É difícil, mas temos de aprender a fazer isso, e o faremos especialmente quando corrigirmos o hábito de falar por falar, sem a intenção de ajudar a quem cometeu alguma falta. Além disso, as crianças aprendem pelo exemplo mais do que pela instrução. Se os mais velhos costumam fazer comentários maliciosos e ocultos a respeito dos outros, as crianças estarão diante da hipocrisia, que poderão depois copiar.
E haveria uma série de outras coisas, atitudes que são pecados ou males coletivos e familiares que precisam ser tratados também em família e coletivamente. Cada grupo homogêneo e cada família tem tendências próprias, umas para certos males mais do que para outros. Cumpre a todos procurar conhecer essas inclinações para, em conjunto, todos se esforçarem e combaterem tais hábitos, pois são destruidores da vida espiritual.
Deixamos de falar quanto à nossa atuação como membros da Igreja, porque uma coisa decorre naturalmente da outra. Se em casa procurarmos se realmente cristãos, discípulos do Senhor, haveremos de trazer para a Igreja a mesma atitude, a mesma disposição, os mesmos bons frutos. Se a Igreja no lar vai bem, a Igreja como todo prospera, vive e aumenta. E o contrário, aparentemente, também é verdadeiro. Porque, como foi dito, a Igreja coletiva depende do que cada um de nós somos individualmente, a começar pela vida que vivemos em casa, no trabalho, nas diversões e nos negócios. Se formos conhecidos por todos como discípulos do Senhor, teremos, no domingo, uma satisfação real, do fundo de nossas almas, em vir à casa de Deus para oferecer a Ele a nossa adoração, as primícias dos frutos de nosso campo de labor.
Possamos nós, nesta oportunidade, com o supremo auxílio do Todo-Poderoso, avançar na vida verdadeiramente cristã, mudando para melhor, a cada dia, o nosso viver, sendo conhecidos como fiéis discípulos do Senhor Jesus Cristo. «Vós sois a luz do mundo... assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus» (Mt.5:14,16). Amém.