Os Sete Dias da Criação

O Dia Segundo

"E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas e haja distinção entre as águas para as águas. E fez Deus a expansão e distinguiu entre as águas que estavam abaixo da extensão e entre as águas que estavam acima da expansão. E foi feito assim. E chamou Deus à expansão, céu. E houve tarde, e houve manhã, o dia segundo." - Gênesis 1:6

No segundo dia da criação, Deus criou um espaço amplo, uma extensão vazia para distinguir entre dois grandes ajuntamentos de água, um abaixo e outro acima. A essa grande extensão Ele deu o nome de "céu". É assim que lemos nos versículos 6 a 8 do primeiro capítulo do Gênesis.
No dia segundo da criação o texto fala em "águas" e "céu". Porém não diz que as águas são criadas nesse dia, mas sim o "céu". As águas são mencionadas como se já estivessem lá, como se já existissem e precisassem apenas ser ordenadas, uma parte sendo distinguida da outra, uma abaixo e outra acima da expansão.
Vejamos o que os "Arcanos Celestes" e os demais Escritos nos ensinam a este respeito.
Vimos todos os sete dias da criação têm referência com os sete estados espirituais por que passa o homem que está sendo regenerado. Vimos, também, que no primeiro dia é criada a luz, representando que o primeiro estado é aquele em que o indíviduo tem o primeiro esclarecimento sobre Deus, quando pela primeira vez compreende "que o Senhor é, e que o Senhor é o bem mesmo e a verdade mesma, e que não há bem e verdade se não vêm do Senhor". Vimos, ainda, que esse primeiro estado só é possível porque a Misericórdia Divina estava influindo nas relíquias do espírito, avivando e estimulando o que havia de bem e verdade, procedentes dEle, com o homem. Esse é o primeiro estado, quando se dá a primeira luz do entendimento espiritual.
Como não podia deixar de ser, o segundo estado, ou  o segundo dia da criação, é a continuação, quando o homem passa a perceber a distinção entre a sua mente externa e a interna; ou, como é dito, entre o homem externo e o homem interno. Porque até aí ele não sabia que havia tal distinção, e nem ao menos sabia que havia um homem interno. Como já vimos nos "Arcanos", o homem não regenerado, por estar imerso nas coisas corporais e mundanas, confunde e mistura os conceitos das coisas espirituais e "faz, de coisas distintas entre si, uma unidade confusa e obscura" (AC 24). E como só agora ele passa a saber que existe um homem interno, por isso é dito que este é criado. "O homem interno chama-se `expansão'" (AC 24).
"Expansão" ou "céu" são os termos muito bem empregados para corresponder ao homem interno, pois nos dão a idéia de uma grande extensão de espaço, uma vastidão, um universo, pois o homem interno ou o espírito do homem é, de fato, um universo em si, como já foi reconhecido por muitos na antiguidade.
Dentro desse imenso espaço que é o espírito humano, a primeira coisa salvífica que se organiza são os conhecimentos e as concepções: os conhecimentos são, a partir daí, vistos como coisas distintas das concepções. Os conhecimentos são representados pelas "águas debaixo da expansão" e, portanto, são os conhecimentos abaixo do homem interno, isto é, conhecimentos que estão no homem externo, na mente externa. E as concepções são representadas pelas "águas acima da expansão" e, portanto, pertencem ao homem interno, sendo provenientes do Senhor.
Os termos aqui usados, "conhecimentos" e "concepções", representados pelas águas de baixo e de cima, respectivamente, vêm do latim "scientifica" e "cognitiones". Temos de admitir que, aqui, a princípio é difícil compreender com clareza a distinção que há entre os dois vocábulos. É certo que a tradução para o português é discutível: poderíamos traduzir para "conhecimentos científicos" e "cognições". O inglês, por exemplo, traduz "conhecimentos da memória" e "conhecimentos". A dificuldade é que tudo parece ser a mesma coisa. Os dicionários não ajudam muito em distinguir "conhecimento", "concepção" e "cognição". Mas o fato há que há uma distinção entre os dois tipos de conhecimento, digamos assim, e os próprios "Arcanos", em outras passagens, que nos ajudam a compreender a distinção, para além da confusão de palavras.
Deixando um pouco de lado os vocábulos, pensemos na imagem das águas que estão abaixo do céu e as que estão no céu. Façamos a comparação das águas de um rio ou mar com as águas contidas nas nuvens. A distinção entre elas é marcante; não apenas porque umas estão abaixo e outras acima, mas também porque umas estão próximas às impurezas que são do solo e por aí contaminadas, ao passo que as outras foram sublimadas, purificadas pela evaporação, por assim dizer, e agora se acham bem alto, como que armazenadas para fluir na terra, no lugar e no tempo propícios. E, no entanto, ambas são águas e aparentemente as mesmas.
Pois bem, o que a Palavra chama de "águas abaixo do céu" são os conhecimentos do homem externo, os "scientifica", ou, como diz a tradução inglesa, "memory-knowledges" -conhecimentos ou fatos da memória. Estão abaixo do homem interno e, portanto, no homem externo, corporal. Estão, por conseguinte, contaminados por ilusões e fantasias próprias do mundo e das cobiças: têm a cor, o odor e o gosto do solo por onde corre ou onde se deposita. E o que a Palavra chama de "águas acima da expansão" são outro tipo de conhecimento: são os conhecimentos dos bens e verdades que são do Senhor. Estão no espírito do homem ou no homem interno, e de lá fluem no homem externo. São, pois, de uma outra natureza: são águas puras, porque vêm do Altíssimo e fluem sobre a terra para gerar a vida, como diz o Salmo 147 (1,8): "Louvai ao Senhor... que cobre o céu de nuvens, que prepara a chuva para a terra, que faz produzir erva sobre os montes".
Assim, no segundo estágio da regeneração, o homem passa a saber a distinção que há entre os conhecimentos dele mesmo, armazenados em sua memória, adquiridos por motivos mundanos e pessoais, e entre os bens e verdades que são do Senhor, só. O homem, caindo em sua pequenês diante da bondade e sabedoria divinas, humilha-se e reconhece que ele mesmo nada é e nada sabe, e que só o Senhor é bom e por isso todo bem e toda verdade tem de vir necessariamente do Senhor. A aceitação deste fato eterno é parte da expansão dos céus, o início da consciência do homem interno e preparação para o começo de uma nova vida.
É interessante notar que, mesmo os conhecimentos do homem interno, ou seja, as concepções chamadas "águas acima da expansão", têm de ser adquiridos por via externa; precisam vir através dos sentidos da visão e da audição, especialmente. O homem deve procurar em sua religião, lendo na Palavra, ouvindo as pregações e as doutrinações, o que é realmente o bem e a verdade. E isto ele deve fazer desde a infância, porque nenhuma informação dessa espécie pode vir diretamente do íntimo do homem, pela via do seu espírito. Assim como toda água contida nas nuvens teve de ser antes evaporada, todo conhecimento do vero e do bem do homem interno veio desse labor externo. Se não for assim, o Senhor nada terá em que influir no homem. Se não houve instrução religiosa metódica na infância e se não há preocupação e zelo com relação a isto na idade adulta, o espírito do homem será como um deserto, onde não há água para ser evaporada, daí não há chuva e, por conseguinte, nada há de vida.
É certo que, antes de ser regenerado, o homem busca o conhecimento por outros motivos que não os da vida eterna. Mas o Senhor, mesmo assim, permite que o homem os adquira, pois tais conhecimentos poderão vir a ser úteis. Na verdade, antes de ser regenerado, o homem nada busca para si a não ser o que pode satisfazer seu egoísmo, sua vaidade, suas ambições, cobiças, etc., etc. No número l486 dos "Arcanos" lemos o seguinte: "Assim é com o conhecimento ("scientifica") que pertence somente ao homem externo; ...são buscados por causa das coisas terrenas e mundanas por meio de impressões dos sentidos, a fim de poderem servir ao homem interior ou racional, e este ao homem espiritual, e este ao Senhor. ...Todo conhecimento deve ser por causa de algum uso e esta é a sua utilidade".
Quando o homem está sendo criado de novo, quando está nesse seu segundo dia, os conhecimentos do bem e da verdade que ele adquiriu -não importa por que motivo- começam a ser estimulados em seu espírito. Eles são sublimados pela reflexão, pela razão, e neles o Senhor influi. Tais conhecimentos então passam a ficar organizados numa região superior de sua mente; ali, esses conhecimentos do bem e da verdade, agora chamados "concepções", começam a formam um protótipo de verdadeira consciência, por asim dizer. Isto é o que se verá no terceiro dia da criação. O que se quer referir agora é, apenas, que esses conhecimentos não estão mais entre os outros fatos da memória, mas já estão elevados ou se elevando da mente externa, como a evaporação dá água sobe da terra úmida mas aquecida pelo calor vivo do sol.
Ainda quando o homem, por sua ignorância, atribui a si mesmo as qualidades de bondade e sabedoria em suas ações e palavras, ele é conduzido pelo Senhor a fazê-lo, a "fazer o bem e a falar a verdade como se obrasse por seus próprios. (...) É também um arcano celeste que o homem, por seus próprios, tanto por meio das ilusões dos sentidos como por meio das cobiás, seja conduzido e direcionado pelo Senhor para as coisas que são verdadeiras e boas", dizem os Arcanos. E acrescentam que, por esse motivo, a ordem em que as águas são mencionadas é: primeiro as águas debaixo da expansão e depois as de cima da expansão, ou seja, primeiro o homem busca o conhecimento, ainda que guiado pelo amor de sua própria grandeza, e depois pode, mesmo por meio desse conhecimento, receber o bem e a verdade reais, se se dispuser a isto.
Outra coisa interessante a observar é que o Senhor, no início, aproveita tudo o que é possível no coração do homem para a regeneração. Ele utiliza mesmo os motivos egoísticos comuns ao homem, e, na verdade, o homem então não tem outras coisas a oferecer. Em Sua Sabedoria e Sua misericórdia, o Senhor não dissipa de uma vez os conhecimentos falhos, os conceitos gastos de uma razão pretensamente ilustrada, o acúmulo de falsidades e erros; tãopouco Ele expele de uma vez do coração humano as iniquidades e as cobiças, pois, de uma forma ou de outra, é disso que o homem não regenerado se nutre, são essas as molas que o impulsionam antes da regeneração. É como está nos profetas: "A cana pisada não quebrará, nem apagará o pavio que fumega; com verdade produzirá o juizo". O que é assim explicado pelos Escritos: "Ele não quebra as ilusões nem apaga as cobiás, mas as direciona para a verdade e para o bem..." (AC 25).
Assim, como em todos os outros estados da regeneração "houve tarde e houve manhã", isto é, a partir de um estado de sombra e de egoísmo, o homem vem a um estado de luz e verdadeiro amor. E, no "dia segundo", começa a saber que existe um homem interno, que existe nele um espírito que se alimenta dos bens e verdades do Senhor e, por outro lado, existe o seu homem externo em completa carência de tudo o que é verdadeiramente bom e salvífico. Mas sabe, também, que é nas verdades e bens que fluem agora do seu espírito desde o Senhor, que ele encontrará sua nova vida e sua salvação. Amém.

Lições: AC 24; Salmo 147