Os Sete Dias da Criação

O dia quinto

Sermão pelo Rev.Cristóvão R.Nobre

"E disse DEUS: Façam as águas rastejar o réptil, a alma vivente. E a ave voe sobre a terra, sobre as faces da expansão dos céus. E criou Deus as baleias grandes e toda alma vivente que rasteja, que as águas fizeram rastejar, segundo a sua espécie; e toda ave de asas, segundo a sua espécie. E viu Deus que (era) bom. E os abençoou Deus, dizendo: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei as águas nos mares; e a ave será multiplicada na terra. E houve tarde, e houve manhã, o dia quinto". (Gen. 1:20-23).

Já vimos que a implantação da caridade e da fé é um processo gradativo que vai do externo para o interno. O Senhor reforma e regenera o homem levando-o do caos ou de não-homem que ele era, até torná-lo espiritual e, finalmente, celeste.
Estudando pelos "Arcanos Celestes" os seis dias da criação, vimos que o primeiro estado vai desde antes da regeneração, da ausência de caridade e fé ou de vida espiritual, até o momento em que se dá na alma o primeiro clarão de luz, a conscientização profunda acerca de Deus e da vida eterna. O segundo estado é quando o homem discerne entre as suas próprias convicções e princípios, de um lado, e a revelação Divina, de outro, e os põe em sua devida ordem: as coisas Divinas são superiores e as dele inferiores. Isto é representado pela separação das águas, acima e abaixo da expansão dos céus. É aí que o homem toma conhecimento da existência do seu homem interno ou espiritual, e por isso é dito que são criados os céus.
O terceiro estado é o da penitência. Instruído nos conhecimentos - as águas acima e abaixo - o homem se compele a fazer aquilo que a verdade lhe ensina. E começa a produzir algo, a fazer obras, deixando de fazer o mal e aprendendo a fazer o bem, segundo o que prega o profeta Isaías, cap.1, vers.15 e 16. Entretanto, nesta fase ele ainda se acha tão dominado pelas cobiças e ilusões, que as obras que então pratica não podem deixar de estar contaminadas pelos amores irregenerados. Não são obras vivas, mas inanimadas,  por isso  comparadas a vegetais que a terra -  o homem externo - produz.
Apesar dessa natureza de suas obras nesta fase, o Senhor permite que o homem assim aja, pois ele ainda não adquiriu outros amores e outra vida para si. E também porque, persistindo na auto-compulsão e na penitência, abstendo-se dos males como pecados e dedicando-se à prestação de bons usos ao Senhor, ele será gradativamente levado ao quarto estado, quando finalmente o Senhor implanta nele o verdadeiro amor em forma de caridade, representado pelo Sol, e a verdadeira fé, representada pela lua, além dos conhecimentos, representados pelas estrelas. Os "Arcanos" dizem que é então que "o homem começa pela primeira vez a viver. Antes, mal se pode dizer que vivesse, pois o bem que ele fez, pensou que o fizera por si mesmo; e o vero que falou, que de si mesmo o dissera. E, como o homem é morto em si e nele nada  há senão o mal e o falso, por isso, tudo o que ele produz por si mesmo não é vivo, ao ponto de não poder por si mesmo fazer o bem que em si é o bem... O bem não pode vir senão da Fonte mesma, que é única, como também diz: "Ninguém é bom, exceto um, Deus" (Lucas 18:19)."
"E disse DEUS: Façam as águas rastejar o réptil, a alma vivente. E a ave voe sobre a terra, sobre as faces da expansão dos céus".
Agora é o quinto estado, quando são criados os répteis e as aves. As coisas que o homem pratica neste estágio são representadas pelos répteis e peixes que as águas produziram e pela ave que voou sobre a terra e sobre as faces dos céus.
Agora, quem produz é a água e não mais a terra. As águas fazem rastejar o peixe e os répteis.
Como já foi visto, a terra representa a mente natural do homem, e as águas representam os conhecimentos da fé. Ora, como aqui se trata de águas acumuladas em um só lugar, temos, então a representação de todos os conhecimentos da fé que agora constituem um entendimento novo chamado mais comumente de consciência. Pois a verdadeira consciência é uma espécie de ditame interno que adquirimos por meio da revelação, é a voz do Senhor falando no homem por meio das verdades. Quanto mais esse ditame é ouvido, mais se torna vivo e mais governa a mente e todo o homem. É essa consciência ou esse entendimento reformado que dará o réptil, pois os "répteis" e "peixes" significam na Palavra os conhecimentos que pertencem ao homem externo. São todos os doutrinais que o homem agora conhece e nos quais crê, e podem estar em seu pensamento consciente ou em sua memória, como peixes e répteis estão em maior ou menor profundidade nos rios e no mar.
Também foi dito: "a ave voe sobre a terra, sobre as faces da expansão dos céus". Não foi ordenado às águas que produzissem também a ave. Isto parece óbvio, mas deve ser lembrado para que se note que a ave representa, então, uma espécie diferente de conhecimento.  Lemos nos "Arcanos" que as aves representam "coisas racionais e também intelectuais, estas últimas pertencendo ao homem interno". No homem que está se tornando espiritual para regeneração, existe um racional novo que é formado a partir do influxo espiritual. Esse racional passa a constituir a região intermediária de sua mente, entre a mente natural e a espiritual ou interna em si. Através do espírito do homem, os céus influem nesse racional e dão ao homem a percepção e a iluminação. Essas regiões superiores da mente são representadas pelas faces da expansão dos céus. Logo, as concepções racionais e intelectuais que são do homem interno só poderiam ser representadas pelas aves, pois as aves pertencem aos céus.
Temos aí, portanto, duas classes ou duas espécies de conhecimentos que agora se encontram no homem: na mente natural, os répteis ou peixes, que são os conhecimentos acerca das coisas da fé; e na mente espiritual, as aves, que são as concepções e percepções racionais oriundas do espírito e dos céus.
Na verdade, não existem duas, mas três espécies de conhecimentos: os intelectuais e os racionais são ambos aqui representados pelas aves, enquanto os naturais são representados pelos répteis ou peixes.
Estes últimos, os naturais ou os peixes entram na mente através dos sentidos do corpo: a visão, a audição, etc. No caso da religião, os "peixes" são os ensinamentos, preceitos, instruções e tudo mais que recebemos pela leitura da Palavra e dos livros doutrinais, como também por ouvir as pregações, palestras etc. É segundo a ordem que essas coisas sejam adquiridas de fora, através dos sentidos e não por uma via interior. A leitura e audição da Palavra e da doutrina é dever de cada pessoa, pois cada um deve buscar dessa forma a instrução para si. A razão é que assim a pessoa está em liberdade, e quando ela assim adquire o conhecimento da verdade e o retêm em sua mente, o Senhor pode influir nesse conhecimento e vivificá-lo. Essa espécie de conhecimento natural, o peixe, é a própria base do pensamento do homem; "o homem pensa a partir deles", dizem os Arcanos (991).
As outras duas espécies de conhecimento, o racional e o intelectual, são coisas mais abstratas para nós enquanto vivermos nesta plano. Foram aqui representados pelas aves. Os "Arcanos" dizem que são coisas "interiores, não vêm tanto à percepção ou ao sentido do homem antes de ele se despir do corpo e entrar na outra vida" (AC 991).
"E criou Deus as baleias grandes e toda alma vivente que rasteja, que as águas fizeram rastejar, segundo a sua espécie; e toda ave de asas, segundo a sua espécie. E viu Deus que (era) bom".
E os "Arcanos" explicam: "Como foi dito, os "peixes" significam os conhecimentos, agora animados pela fé que vem do Senhor e assim são vivos. As "baleias" significam as coisas gerais dos conhecimentos, sob os quais e pelos quais existem os particulares. Nada há no universo que não esteja sob algum geral a fim de que exista e subsista. Os cetáceos ou baleias são algumas vezes nomeados nos Profetas e ali significam as coisas gerais dos conhecimentos."
A abundância de peixe significa, pois, o acúmulo de conhecimento ou a inteligência do homem regenerado.  É por causa desta representação que os peixes e as aves são muito citados na Palavra do Antigo e Novo Testamento. É de acordo com esta correspondência que o profeta Ezequiel falou da Igreja viva ou da inteligência e bem-aventurança do fiel em quem existe a Igreja: "O Senhor JEHOVAH disse a mim:... sucederá que toda alma vivente que rastejar por onde quer que venha a água dos rios, viverá. E haverá peixe em quantidade mui grande, porque ali chegarão estas águas. E sararão, e tudo viverá por onde vier o rio. E sucederá que estarão de pé sobre eles pescadores desde Engedi até En-Eglaim; estarão com redes estendidas. Seu peixe será segundo a sua espécie, como o peixe do grande mar, em mui grande quantidade " (47:8 a 10).
E pela mesma razão falou o profeta Isaías sobre a triste sorte da Igreja devastada ou do homem impenitente: "Por Minha repreensão farei secar o mar, tornarei os rios em deserto. Fétido será o seu peixe, por não haver água, e morrerá de sede. Vestirei os céus de negridão" (50:2,3).
Como os peixes são os conhecimentos da fé, por isso os pescadores, na Palavra, representam aqueles que ensinam as verdades. Não foi por outra razão que os discípulos eram pescadores. Isto, aliás, ficou claro pelas próprias palavras do Senhor no sentido da letra: "E Jesus, andando junto ao mar da Galiléia, viu a dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, os quais lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. E disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens" (Mt. 4:18,19). E a história nos ensina que eles realmente conquistaram milhares de fiéis para a nova Igreja cristã através do ensino das verdades que tinham ouvido do próprio Senhor.
Também os pássaros e aves têm suas diversas significações conforme os seus gêneros e espécies. Aqui, eles são chamados aves do céu, porque representam coisas racionais e intelectuais próprias do homem interno, como se falou. Mas, na Palavra, eles têm correspondências conforme o contexto em que são citados e os nomes que recebem: "ave", "alado", "volátil", "pássaro", etc. Os "pássaros dos céus" são as verdades intelectuais e os pensamentos ou, quando citados no sentido oposto negativo, as fantasias e falsidades (v.778) "O Senhor mesmo compara as fantasias e as persuasões do falso às "aves" quando diz: "A semente que caiu sobre o caminho batido... vieram as aves, e comeram-na" (Mt.13:4) (AC 778). E, no nº 866: "As verdadeiras coisas intelectuais são descritas pelas aves mansas, belas e limpas; mas as falsas pelas aves ferozes, feias e imundas e, de fato, conforme as espécies de verdade e falsidade."
A explicação do significado dos répteis e aves na Palavra podem parecer coisas muito abstratas para nós, mas a verdade é que, no espírito do homem, todas as coisas da caridade e da fé, que procedem do Senhor, são animadas e vivas e, no mundo espiritual, até se manifestam à vista dessa maneira, em forma de animais, répteis e aves, conforme a qualidade do pensamento ou afeição no interior dos espíritos e anjos que ali estão. Lemos nos Escritos que "quando os anjos estão conversando sobre conhecimentos, idéias e influxo, aparecem no mundo dos espíritos aves formadas de acordo com o assunto da conversação. Daí é que as "aves" na Palavra significam as coisas racionais ou que pertencem ao pensamento" (AC 3219).
Isto explica a passagem que encontramos em nosso estudo: "Tudo o que é próprio do homem não tem vida em si, e quando se manifesta à vista mostra-se duro como um osso e negro. Mas tudo o que é do Senhor tem vida, é espiritual e celeste em si, e quando se manifesta à vista mostra-se humano e vivo. E - o que talvez pareça incrível mas é bem verdadeiro - cada palavra, cada idéia e cada uma das mínimas coisas do pensamento de um espírito angélico são vivas. Em seus singularíssimos há uma afeição que procede do Senhor, Que é a vida mesma. Por isso, as coisas que vêm do Senhor têm vida em si, porque têm a fé em si, e são significadas aqui pela "alma vivente". Também têm uma espécie de corpo aqui significada por "aquele que se move" ou "que rasteja". Contudo, estas coisas ainda são arcanos para o homem, mas são aqui lembradas só porque aqui se trata da alma vivente e do movente" (AC 41).
Como os próprios "Arcanos" nos dizem, apenas umas pouquíssimas coisas são ditas sobre as significações existentes na letra da Palavra. Também sobre o que se passa no quinto dia da criação espiritual do homem, somente algumas poucas coisas são comentadas; mesmo assim já são suficientes para que a elas dediquemos horas e horas de estudos. Pois são ainda arcanos para nós.
Muitas outras particularidades ficam por comentar. Aqui conseguimos ver apenas as coisas mais gerais, isto é, as "baleias" acerca do que se passa no quinto estágio espiritual do homem. As particularidades sobre este estado seriam os inúmeros "peixes" que encontramos na explicação dada por meio de outras séries.
Na história do nascimento dos filhos de Jacó, por exemplo, encontramos o relato da regeneração do homem exposto de outro ângulo, ou em outra série. Na história da marcha do povo de Israel pelo deserto até à terra de Canaan, a entrada nessa terra e as batalhas contra os diversos inimigos até à completa conquista, encontramos novamente a história da regeneração do homem, agora exposta em diferente ponto de vista. E assim acontece em muitas outras histórias da Palavra, de sorte que, ao tomarmos conhecimento de umas e outras, vamos, aos poucos, compreendendo melhor as coisas, enxergando particulares que não tínhamos visto antes, entendendo detalhes que não tínhamos entendido em outra série. E esses detalhes, essas particularidades são como "peixes" menores que virão nadar no mar de nossa memória.
Os conhecimentos gerais da doutrinas, ou as "baleias" são fáceis de serem vistos e apreendidos. Mas os conhecimentos particulares ou "peixes" precisam ser procurados com mais trabalho, precisam ser pescados. Como discípulos do Senhor que somos, temos também a obrigação de nos tornarmos pescadores espirituais. E o que é um pescador espiritual? É o homem que investiga e ensina verdades naturais e espirituais de uma maneira racional. Devemos fazer isto primeiro em relação a nós mesmos, procurar os peixes com que alimentamos espiritualmente nosso entendimento. Devemos buscar sempre em nossa memória, através da meditação, os conhecimentos da Palavra ali armazenados que são de uso às nossas vidas. Devemos ser pescadores de homens, não só para nosso próprio benefício, mas também para o de nossos irmãos e semelhantes.

Amém.