OS SETE DIAS DA CRIAÇÃO

"O Quarto Dia"

Sermão pelo Rev.Cristóvão R.Nobre

 

"E disse DEUS: Haja luminares na expansão dos céus, para distinção entre o dia e entre a noite. E serão para sinais, e para tempos determinados e para dias e anos.
"E serão por luminares na expansão dos céus, para dar luz sobre a terra. E foi feito assim.
"E fez DEUS dois luminares grandes; o luminar grande para dominar o dia, e o luminar menor para dominar a noite, e as estrelas.
"E pô-los DEUS na expansão dos céus, para darem luz sobre a terra.
"E para dominar no dia, e na noite, e para distinguir entre a luz e entre as trevas.
"E viu DEUS que [era] bom. E houve tarde, e houve manhã, o dia quarto."

 (Gênesis.1:14-19)

Nos estudos que temos feito da série da criação, aprendemos vários ensinamentos das Doutrinas Celestes a respeito das etapas do novo nascimento ou criação espiritual do homem. Já vimos que os seis dias da criação do universo representam seis períodos ou estados sucessivos por que passam a vontade e o entendimento da criatura humana em sua preparação para receber a verdadeira vida, que dura para a eternidade.
Aprendemos que o primeiro dia ou estado abrange desde o período anterior a este processo, quando o homem se acha como morto quanto ao seu espírito, até à criação da luz. A luz é criada para o homem quando ele pela primeira vez percebe a realidade Divina e espiritual acima de sua limitada concepção da vida.
Vimos que no segundo dia é criado o céu ou a expansão que representa o homem interno, porque agora o homem passa a saber que existe um homem interno ou um espírito e qual a sua natureza; é como se o espírito e as coisas do espírito passassem a existir pela primeira vez. Nesse dia, faz-se a distinção ou separação das águas que estão acima, na expansão do céu, das que estão abaixo. As águas de cima são as cognições da fé, que pertencem ao espírito ou seu homem interno; as águas abaixo dos céus são os conhecimentos e fatos da memória externa, que são do homem externo chamado "terra" ou homem natural. O homem, no segundo estado da regeneração, vê, agora, as verdades da fé como princípios supremos, preceitos celestes que instituem uma Ordem, Ordem que deve ser seguida, se ele quiser receber a vida real. São, portanto, leis eternas, que estão acima dos vãos raciocínios humanos.
O terceiro diaé quando o homem, tendo tido conhecimento da existência das leis Divinas, compele-se a fazer algo em relação a elas, quer viver de acordo com o que elas determinam. Compreendendo a necessidade premente de seguir esses princípios, é levado a produzir algo útil em favor do Senhor e do próximo, e começa a praticar as boas obras. As primeiras obras que então pratica nascem de sua disposição natural e externa de fazer o que a verdade ensina. Isso foi representado no fato de a terra começar a produzir vegetais no terceiro dia. Produz primeiro a erva tenra; depois, a erva dando semente; por fim, a árvore frutífera. Mas como nessa fase o homem é levado mais por sua própria vaidade do que por um amor genuíno, imagina e acredita que essas obras vêm dele mesmo, de sua boa vontade para com Deus e a religião ou de sua própria bondade e santidade. Ele ainda não sabe -ou ainda não crê de coração- que do homem em si nada pode vir de bom e verdadeiro, pois o próprio do homem consiste em amores que foram corrompidos e estão, assim, dispostos para os males e falsidades infernais, nos quais estão também enraizados. E sendo assim, as obras que ele então pratica são contaminadas pelo mal e por isso não são vivas. Por isso é que suas obras ,nesta fase, são comparadas aos vegetais e ditas "inanimadas". Mas sempre há uma progressão: "erva tenra, erva que produz semente e árvore que produz fruto", porque, pouco a pouco, a pessoa vai compreendendo que todo bem e toda verdade vêm unicamente do Senhor, que é o Bem mesmo e a Verdade mesma; e que, de si mesmo, o homem nada pode fazer, mas faz e vive pelo Senhor. A compreensão e a crença dessa verdade vai trazendo o homem para um entendimento cada vez mais claro, quando ele progride da ignorância para a instrução, da escuridão para a luz, da tarde para a manhã, do terceiro dia.
Entra então no quarto estado ou quarto dia, quando nascem nele a verdadeira fé e o verdadeiro amor.
"E disse DEUS: Haja luminares na expansão dos céus, para distinção entre o dia e entre a noite. E serão para sinais, e para tempos determinados e para dias e anos. E serão por luminares na expansão dos céus, para dar luz sobre a terra. E foi feito assim. E fez DEUS dois luminares grandes; o luminar grande para dominar o dia, e o luminar menor para dominar a noite, e as estrelas. E pô-los DEUS na expansão dos céus, para darem luz sobre a terra. E para dominar no dia, e na noite, e para distinguir entre a luz e entre as trevas. E viu DEUS que era bom. E houve tarde, e houve manhã, o dia quarto.
Conforme lemos nos "ARCANOS CELESTES", o "luminar maior ou sol" significa o amor e, por derivação, a caridade, que é como o homem recebe o amor de Deus. O "luminar menor ou lua" significa a verdade e, assim, a fé, que é como o homem vê a Divina verdade. As estrelas são os fatos da memória ou "os conhecimentos da verdade e do bem". A criação do sol, da lua e das estrelas é, portanto, o simbolismo do surgimento da caridade e da fé no espírito do homem, bem como da multiplicação dos conhecimentos da verdades e do bem. Isto se dá somente no quarto estado da regeneração. A caridade é estabelecida na vontade, a fé em seu entendimento e os conhecimentos em sua memória.
No quarto estado, o homem é tocado pelo amor e iluminado pela fé. Antes disso, o amor que o movia não era realmente um amor espiritual, como se falou acima, porque procedia da vontade natural do homem e, por conseguinte, dele próprio. Até aqui, ele vivia pela fé do entendimento, constrangendo-se a fazer o que a fé ensinava. Para isso, tinha sempre de lutar contra a sua vontade própria, que era oposta. Assim, era por lutas, combates e angústias que ele fazia o bem. Com efeito, a primeira coisa da caridade é deixar de fazer o mal e em seguida fazer o bem. Mas agora, num estado tão avançado como o quarto dia, o Senhor implanta no homem uma vontade nova, aqui chamada "sol". É o amor espiritual, genuíno, pois foi recebido do Senhor por meio das verdades da fé.
O amor é comparado ao sol quanto ao calor que dele emana, calor que gera a vida. Quanto à fé, esta apenas procede do amor, e por isso é comparada à lua, que não tem luz própria nem calor. Sem o amor, a fé é escura, fria e sem vida.
O amor espiritual do quarto estágio da regeneração passa a formar uma espécie de segunda vontade, implantada na parte intelectual da mente. Esse amor é a consciência segundo a qual o homem passa agora a querer e a agir. "A fé e a caridade são agora acesas no homem interno, e são chamadas `par de luminares'". Fé e caridade nunca podem ser separados, sob pena de ambos perecerem. Ninguém deve crer numa verdade e viver diferentemente do que ela ensina, senão estará destruindo em sua mente tanto a verdade quanto o bem. Aliás, separar a crença do viver é o que faz a Igreja chegar ao seu fim, e isto é verdadeiro tanto do ponto de vista da Igreja em geral quanto da igreja no seio de cada um de seus membros.
Por um lado, a vontade sozinha, sem a instrução, se perde pelos enganos dos sentidos e é atacada e aniqüilada pelas falsidades do mal. A instrução das verdades é como luz indicadora do caminho e como muralha que defende os bens na vontade. Por outro lado, a fé só, sem seu exercício nas práticas da vida, o que se chama caridade, é como a semente que não cresceu nem frutificou. A fé e a caridade constituem uma única coisa, e por isso é que, na criação deles, Deus pronunciou o verbo no singular:  "Sit" [haja] luminares, e não "Sint", no plural.
"O amor e a fé no homem interno são como o calor e a luz no externo corpóreo; por isso, aqueles são representados por estes(...) A vida da fé sem o amor é como a luz do sol sem o calor, como sucede no inverno, quando nada cresce mas todas as coisas ficam entorpecidas e mortas. Mas a fé que procede do amor é como a luz do sol no tempo da primavera, quando todas as coisas crescem e florescem, porque é o calor do sol que as produz. Sucede semelhantemente nas coisas espirituais e celestes, que são comumente representadas na Palavra pelas coisas que estão no mundo e sobre a terra. A ausência da fé e a fé sem o amor são também comparadas pelo Senhor ao inverno, onde Ele predisse a consumação do século, em Marcos: `Orai para que vossa fuga não se dê no inverno, pois aqueles serão dias de aflição' (13:18,19). A `fuga' é o último tempo também para todo homem que morre; o `inverno' é a vida sem nenhum amor, e os `dias de aflição' são o seu estado miserável na outra vida." (AC )
Há no homem duas faculdades: a vontade e o entendimento. Quando o entendimento é governado pela vontade, então estas faculdades constituem conjuntamente uma mente só, assim uma só vida. Pois então o que o homem quer e faz, ele também o pensa e a isso se aplica. Mas quando o entendimento está em desacordo com a vontade, como nos que dizem ter a fé mas vivem dum modo diferente, a unidade da mente então está dividida em duas partes: uma quer elevar-se ao Céu, a outra tende para o inferno. E como a vontade faz tudo, o homem inteiro se precipitaria no inferno, se o Senhor não tivesse compaixão dele.
Os que separam a fé do amor não sabem o que é a fé. Quando estão na idéia da fé, alguns dentre eles não sabem outra coisa senão que é um mero pensamento; outros, que é um pensamento no Senhor; e poucos, que é a doutrina da fé. Mas a fé é, não só o conhecimento e o reconhecimento de tudo o que a Doutrina da fé abrange, mas, principalmente, a obediência a tudo o que esta doutrina ensina. A coisa primária que ela ensina e que se deve obedecer é o amor ao Senhor e o amor ao próximo, e quem não está nos amores não está na fé. Isto o Senhor assim ensina em Marcos, de um modo tão claro que é impossível duvidar: `O primeiro de todos os preceitos é: Escuta, Israel, o Senhor nosso Deus é um só Senhor;  por isso amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de toda a tua mente, e de todas as tuas forças; é este o primeiro preceito. E o segundo, semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro preceito maior que estes' (12:28-33)" (AC .
É dito que os luminares "serão para sinais e para tempos determinados, e para dias e para anos". Neste ponto, os ARCANOS CELESTES nos explicam que há, nestas expressões, muitos significados ocultos, mas que elas se referem, em geral, às sucessões de estados espirituais ou vicissitudes. Porque, assim como o sol, a lua e as estrelas têm o uso de fixar e limitar a duração do tempo ou das partes do dia, do mês, das estações e, por conseguinte, dos anos, também ocorre coisa correspondente no espírito humano. Para o espírito, o amor e a fé não são coisas estáticas e inertes, mas estão num constante movimento e numa contínua atividade. Nessas evoluções, o amor e a fé passam por estados alternados de maior ou menor intensidade, a saber, de maior ou menor afeição do bem e de maior ou menor clareza de entendimento.
É sabido que o espírito do homem às vezes se sente mais inspirado e arde em desejo intenso pelas coisas boas e verdadeiras, mas também passa por períodos em que se sente entorpecido e frio, distante da Fonte mesma de luz e calor espirituais. Como esses sentimentos se repetem a intervalos, fazem criar estados sucessivos que são chamados "vicissitudes" e "estatutos" na Palavra. São essas alternações que marcam os "tempos" ou estados espirituais. Porquanto o tempo material não existe para o espírito, mas sim estados, estados determinados por seu amor e sua fé.
É dito que esses estados são determinados pelo amor e pela fé, mas, na verdade, isto é uma aparência. Tal como sucede no mundo natural, são os diversos movimentos da globo terráqueo, especialmente os de rotação e translação, que fazem existir os dias, os meses e os anos, e não o sol. Também isto é verdade quanto ao espírito, pois as coisas são correspondentes: o Senhor é o Sol dos céus. O homem, quanto ao seu espírito, vive sob a luz e o calor dos céus, que vêm do Senhor. Assim, é o espírito do homem que está, por turnos, mais ou menos voltado para o Sol dos céus, fazendo com que se alternem nele esses estados de calor, luz, frieza e sombra espirituais. Não é o Senhor, portanto, pois Ele, como é dito em Mateus, "faz que o Seu Sol se levante sobre maus e bons" (5:45).
Mas este assunto é tratado em maiores detalhes na obra "O CÉU E O INFERNO", no capítulo XVII, que trata "Das mudanças de estado dos anjos no céu". Traremos aqui somente algumas passagens, a título de ilustração, porque as coisas que ali são ditas a respeito dos anjos também se aplicam ao homem que está sendo regenerado, já que este está em consociação com aqueles: "Os anjos não se acham constantemente no mesmo estado quanto ao amor, nem por conseguinte no mesmo estado quanto à sabedoria... Às vezes eles se acham no estado de um amor imenso, às vezes no estado de um amor sem intensidade... Quando estão no maior grau de amor, estão na luz e no calor de sua vida, ou em sua claridade e em seu prazer... Do último estado voltam ao primeiro, e assim por diante. (...) As diferenças das mudanças de seu estado em geral são como as variações do  estado dos dias nos diversos climas da terra. Fui informado do céu por que há, ali, tais mudanças de estado; os anjos disseram-me que há várias causas. A primeira é que o prazer da vida... tornar-se-ia insípido se eles ficassem continuamente nesse prazer, como sucede aos que permanecem sem variedade nas delícias e nos divertimentos. A segunda causa é que eles têm, como os homens, um próprio, e esse próprio consiste em se amar; todos os que estão no céu são desviados desse próprio, e, quanto mais são desviados dele pelo Senhor, mais estão no amor e na sabedoria; mas, quanto menos são desviados, mais estão no amor de si próprios; e como cada um ama seu próprio e é atraído por ele, por isso é que eles têm mudança de estado ou voltas sucessivas. A terceira causa é que assim eles são aperfeiçoados, porque assim ficam habituados a ser mantidos no amor do Senhor e a ser desviados do amor de si próprios. E, além disso, pelos retrocessos de prazer e desprazer, a percepção e a sensação do bem se tornam mais deliciosas". (154 a 158).
"E pô-los DEUS na expansão dos céus, para darem luz sobre a terra."
Como o homem é espírito quanto aos seus interiores, a luz em que ele se acha é uma luz espiritual. Se irregenerado, seu espírito está em consociação predominante com espíritos infernais. Assim, a luz em que ele está é uma luz escura ou, antes, treva, e por isso esse homem raciocina pela luz natural, que lhe entra pela mente externa e pelos sentidos. Se, porém, está sendo regenerado pelo Senhor através das verdades da Palavra e da penitência contra os males, seu espírito está em consociação predominante com os anjos dos céus. A luz em que ele está espiritualmente é, portanto, a Luz do céu, que é a Divina Verdade proveniente do Divino Bem, o Senhor. Esta luz celeste dá ao seu espírito a faculdade da visão real das coisas, visão essa que se chama entendimento e inteligência. Esta Luz lhe entra pelo espírito ou homem interno e vai esclarecer também a sua mente natural, o homem externo. Tal homem também pensa e compreende pela luz natural, mas, nele, as matérias do pensamento são também esclarecidas pela luz dos céus, espiritual. Isto se faz possível quando o amor e, por conseqüência a fé, se levantam como o sol e a lua na expansão do céu de seu homem interno. Deus põe o amor e a fé no seu espírito "para darem luz sobre a terra"; a "terra" aí significa o homem natural externo.
Vers. 18. "E para dominar no dia, e na noite, e para distinguir entre a luz e entre as trevas; e viu DEUS que era bom". Pelo "dia" se entende o bem, pela "noite" o mal; por isso os bens são chamados obras do dia, e os males obras da noite. Pela "luz" se entende o vero e pelas "trevas" o falso".
Que o "sol e a lua deviam dominar o dia e a noite" isto quer dizer, evidentemente, que a caridade e a fé agora implantados no homem teriam supremacia sobre o mal e as cobiças provenientes do próprio do homem irregenerado. Porque, à proporção que o homem combate resolutamente as suas próprias perversões e desumanidades pela razão de estas coisas serem pecados contra Deus, elas serão gradualmente removidas para as periferias de seu espírito, até que sejam finalmente afastadas e remidas pelo Senhor. Embora não possam ser completamente separadas do homem, ficarão como que dormentes, não o infestando mais como faziam antes. Agora, o centro de sua vontade será o novo amor implantado, o amor ao Senhor e para com o próximo. Depois e abaixo deste estarão, subordinados, os amores do mundo e o amor de si, que agora são tidos como instrumentais e serviçais necessários do amor ao Senhor que agora reina, e por isso é que se diz que o Sol dominará no dia e na noite.
Vers. 19. "E houve tarde, e houve manhã, o dia quarto".
Estas são apenas algumas poucas coisas das que se acham explicadas nos "ARCANOS CELESTES" e nos demais Escritos a respeito da regeneração ou criação espiritual do homem. Muito mais poderia ser dito, pois muitíssimas outras coisas foram reveladas pelo Senhor e estão à disposição de todo aquele que se interessar, nas Doutrinas Celestes para a Nova Jerusalém. Amém.