Os Dez Mandamentos em Geral

Sermão pelo Rev. Cristovão R.Nobre

"Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos Meus olhos; cessai de fazer o mal; aprendei a fazer o bem ..."

Isaías 1:l6.

Com este, estamos concluindo a série de estudos sobre os Dez Mandamentos ou Decálogo. Através das Doutrinas Celestes, procuramos alargar um pouco mais nossa visão acerca da essência da Palavra, a Lei Divina, lei suprema que vigora para a eternidade. Porque, quando se adquire um entendimento mais claro justo da verdade, também se adquire mais capacidade de examinar, discernir e julgar entre o vero e o falso, o bem e o mal. Com isto a pessoa fica mais apta a escolher. De fato, é como o Senhor mesmo nos disse: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará".
Já vimos que o numeral "dez" significa o todo, o que é completo. "Consequentemente" dizem os Escritos - "as dez palavras significam todas as coisas da Palavra, e assim todas as coisas da igreja em um sumário" (AE l024). Quando se diz que ali estão resumidos todos os ensinamentos da Palavra e todos os doutrinais da Igreja, entenda-se que ali também  estão, em resumo, todas as regras de conduta do ser humano nesta vida, todas as normas de vivência e convivência de que a pessoa necessita para sua breve vida neste plano da existência. Porquanto os ensinamentos da Palavra  e os doutrinas da Igreja  se referem não a conceitos abstratos de uma fé cega, como se pensa no mundo, mas às práticas diárias da vida do indivíduo, sua conduta, seu modo de agir em todas as circunstâncias. Pois as matérias da fé têm de estar inseridas, integradas na coisas da vida cotidiana, têm de ser aplicadas à base sólida dos atos, para que se tornem salvíficas e coisas da caridade.
Os Dez Mandamentos ou Decálogo, sendo a essência da Palavra, nos ensinam, então, exatamente isto: a maneira pela qual devemos viver nossas vidas nestes mundo a fim de que possamos cumprir o propósito de nossa existência. Os Dez Mandamentos nos ensinam que "não se deve querer, nem pensar, nem fazer o mal contra Deus nem contra o próximo' (VRC 329). Os Dez Mandamentos dizem isto, em sumário. Dizem-no, porém, de uma forma muito peculiar, em conformidade com tudo o mais que procede da Palavra Divina. Vejamos.
A obra "Verdadeira Religião Cristã" nos chama a atenção para o seguinte fato: dos dez preceitos, como vimos, oito não falam que se deve fazer o bem.Aliás, podemos mesmo dizer que, de um modo geral, os Dez Mandamentos não prescrevem bens para serem feitos. Este ponto é muito  importante. Eles não dizem, por exemplo, "que é preciso amar a Deus, nem que é preciso santificar o nome de Deus, nem que é preciso amar ao próximo, nem, por conseqüência, que é preciso agir para com ele com sinceridade de coração", diz VRC 329.
Mas, então, o que os Dez Mandamentos dizem? (Devemos compreender bem este ponto doutrinal, porque é essencial para entendermos nossa relação espiritual com Deus, com os nossos semelhantes e com o bem e o mal).
De fato, os Dez Mandamentos não usam o imperativo afirmativo: "Farás isto, farás aquilo". Em geral, nem na Palavra nem no Decálogo encontramos  ordens como: "Farás este e aquele bem ao teu próximo' ou "Farás este e aquele bem ao teu Deus". Ao invés disso, os Dez Mandamentos ou, pelo menos, oito dos Dez Mandamentos determinam: "Não farás tal e tal coisa. Como se sabe, e como acabamos de ver em seu sentido da letra e seu sentido espiritual, o primeiro mandamento diz: "Não haverá outro Deus diante de  Minhas faces; o segundo: Não tomarás o nome de Deus em vão; o quinto: Não  matarás; o sexto: Não adulterarás; o sétimo: Não furtarás; o oitavo: Não dirás falso testemunho; e o non e o décimo: Não cobiçaras o que é do teu próximo (veja VRC 329). em resumo, dizem, em geral "que não se deve nem querer, nem pensar, nem fazer o mal contra Deus nem contra o próximo" (329).
Mas, premanece ainda a questão: Por que o Senhor não usou a forma mais simples e direta, mandando fazer os bens? por que determinou coisas para "não serem feitas? Realmente, pode parecer mais direto e mais simples  ordenar fazer o bem. E muitas pessoas entendem assim, achando que o Decálogo e a Palavra mandam fazer o bem, e saem a fazer boas ações, a cultivar a bondade a seu modo, não sabendo que estão enganadas e enganam assim os outros.
Como sempre, é nos Escritos das Doutrinas Celestes que aprendemos a resposta para esta pergunta lá está dito: "As coisas que concernem diretamente ao amor e à caridade não foram ordenadas e... se diz unicamente que as que são opostas não devem ser feitas ... porque, quanto mais o homem foge dos males como pecados, tanto mais quer os bens que pertencem ao amor e à caridade" (VRC 329). Mas a recíproca não é verdadeira, e mesmo é impossível. Ou seja: a pessoa pode, na medida em que foge dos males, estar apta a fazer os bens. Mas ela não pode primeiro fazer os bens e nessa  medida fugir dos males. A primeira coisa da caridade é não fazer o mal; e a segunda coisa (vem somente depois da primeira, obviamente) é fazer o bem. É impossível começar fazendo o bem. Também é impossível fazer as duas coisas ao mesmo tempo, mas somente como está dito: primeiro, fugir dos males; segundo, fazer o bem. Essa ordem nunca pode ser invertida. E é por causa disso que vamos encontrar, no profeta Isaías, a ordenança que tomamos como texto de nossa lição: "Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante de Meus olhos; cessai de fazer o mal; "e só depois é que é dito: "aprendei a fazer o bem".
"Lavar", "purificar', remover a maldade e "cessar de fazer o mal' tem relação com os atos da penitência efetiva que precede a regeneração. É preciso primeiro lavar e purificar o entendimento com a água da verdade natural e o sangue da verdade espiritual, reformando o modo de pensar, examinando a natureza de seus pensamentos e intenções, discernindo os males na intenção e nos atos, julgando-os e condenando-se por causa deles, o mesmo em que, con sincera humilhação, se suplica a Deus por auxílio e salvação. Em seguida vêm as lutas contra a antiga vontade do próprio,  aquela que se acomoda nos prazeres egoísticos, na lei do menor esforço e do caminho mais fácil, no individualismo. Por essas lutas é que se remove os males que procedem do coração, como o Senhor mencionou em Mateus, males que estão  tanto nos atos quantos nas intenções e cobiças. É por meio disso tudo que se consegue "cessar de fazer o mal".
É através de todo este processo (repetido inúmeras vezes na vida, em cada aspecto a ser regenerado em nosso ser) que os males poderão ser desmascarados, julgados e removidos do centro de nossa vontade própria. Ali onde eles antes reinavam, o Senhor estabelece uma consciência nova, uma vontade nova é criada, vontade que é boa, pura e oposta à antiga, pois nasceu da operação do Senhor em nós. E é somente quando essa vontade gerada pelos céus existir no homem que ele se torna capaz de fazer algum bem que possa ser chamada bem. Antes disso (e se não for dessa maneira),  todo pretenso bem que o homem faz é apenas um bem espúrio, uma vez que  ainda vem de uma vontade não reformada e nem regenerada, ainda vem do seu  próprio, por mais angelical que pareça. É como um fruto que parece bom por fora, mas cujo interior está podre e venenoso. A boa ação que vem da vontade do homem não regenerado é como esse fruto: vem de uma árvore que é má desde a raíz. Ou, como bem compara o "Apocalipse Revelado", é como o esterco que é apenas revestido de ouro. E também como ilustra VRC 33l: "Um homem não pode ir ver um outro que guarda em seu quarto um leopardo e uma pantera com os quais habita sem medo porque lhes dá de comer, a não ser que este tenha antes afastado estas bestas ferozes".
Sabe-se que duas coisas tão opostas como o bem e o mal não podem estar juntas. Enquanto não combate seus males e suas  más intenções, enquanto não as doma e vence, a pessoa faz somente o que se chama de bem natural (vem da própria natureza humana). Esse bem em si mesmo em nada contribui para a salvação do homem: precisa ser instruído e regenerado, passando a ser proveniente de uma nova fonte, a mente e o coração regenerados. Antes disso, a pessoa não faz realmente nenhum bem real, nem realmente ama a ninguém a não ser ela mesma e aparenta amar aos outros, mas só enquanto os outros estiverem satisfazendo seu ego. A verdade é esta, como diz a Palavra do Senhor em muitos lugares; por isso Ele disse que era necessário  que o homem nascesse de novo. Que ninguém se engane, pois, a respeito do que é feito antes que os males sejam efetivamente combatidos e finalmente afastados.
Segundo tudo o que vimos no Decálogo e esclarecido pelo que as Doutrinas nos têm ensinado, devemos então nos preocupar em afastar os males; "cessai de fazer o mal", diz a Palavra. Somente na proporção em que fizermos isto, o que só é feito através dos graves e dolorosos combates de tentacão que temos de suportar, é que poderemos, um dia, vir a ser instrumentos úteis, embora não perfeitamente, porque durante muito tempo ainda em nossas vidas, os bens que fizermos serão  mais por impulso de nossa vaidade ou de outro interesse próprio do que realmente por um amor espiritual e isento da influência egoística. Quem tiver dúvidas quanto a isto, basta que examina profundamente os motivos encerrados na maioria de seus atos.
E, depois estar na luta contra os males, a pessoa ainda precisará  adquirir instrução nas verdades espirituais a fim de "aprender a fazer o bem", como é determinado no livro profético.  Pois o bem espiritual, o bem verdadeiro, é um bem discriminado, refletido, racional e sábio, porquanto visa os fins eternos acima de tudo.
É assim, então, que os  Dez Mandamentos sabiamente dizem: que não  se deve fazer o mal contra Deus e o próximo. Devemos nos esforçar mais do que isto devemos lutar tenazmente para não fazer o mal. Quando fizermos isto, na verdade já estaremos começando a fazer o bem. O espaço onde havia o mal logo começa a ser ocupado pelo bem. O cristão consciente tem de se preocupar unicamente em não fazer o mal a Deus nem ao próximo, e este cuidado já será bastante para o envolver em muito trabalho. Deve deixar a questão do bem nas mãos do Senhor. Pois, se estiver em  condições de fazer alguma coisa mais útil, algo que seja realmente bom, ele pode estar certo de que o Senhor usá-lo-á como vaso e instrumento adequado, dando-lhe o querer e o poder para realiza o bem para o  qual o Senhor o convoca.  Mas não será pelo poder, nem pela decisão, nem pela vontade própria do homem, mas, sim, do Senhor no homem. O objetivo do  cristão, porém, deverá ser, sempre, o da não fazer o mal, de acordo com o que está determinando nos Mandamentos Divinos.
Finalmente, tomaremos da obra VRC uma passagem (330) que irá completar e resumir todos os ensinamentos das Doutrinas da Palavra do Senhor que temos visto nesta série.
"Foi dito que, quanto mais o homem foge dos males, tanto mais quer os bens; isso provém de que os males e os bens são opostos, pois os males são do inferno e os bens são do céu. Por isso, quanto mais é afastado o inferno, isto é, o mal, mais se aproxima o céu e o homem olha para o bem. Que seja assim, vê-se claramente pelos oito preceitos do Decálogo considerados da maneira seguinte: I - Quanto mais alguém não adora outros deuses, mais adora o verdadeiro Deus. II - Quanto mais alguém não toma o Nome de Deus em vão, mais ama as coisas que são de Deus. III - Quanto mais alguém não quer matar, nem agir por ódio e vingança, mais quer bem ao próximo. IV - Quanto mais alguém não quer cometer adultério, mais quer viver castamente com sua esposa. V - Quanto mais alguém não quer roubar, mais se compraz na sinceridade. VI - Quanto mais alguém não quer dar falso testemunho, mais quer pensar e dizer verdades. VII e VIII - Quanto mais alguém não cobiça as coisas que são do próximo, mais quer com as suas fazer bem ao próximo. Por isto se torna evidente que os preceitos do Decálogo contêm todas as coisas que pertencem ao amor para com Deus e ao amor em relação ao próximo ... A isso é preciso ajuntar duas regras que servirão à Nova Igreja: I - Que ninguém pode fugir dos males como pecados, nem fazer por si mesmo bens que sejam bens diante de Deus; mas que, quanto mais alguém foge dos males como pecados, mais faz os bens, não por si mesmo, mas pelo Senhor. II - Que o homem deve fugir dos males como pecados e combater contra eles como por si mesmo; e que, se alguém foge dos males por qualquer outra causa que não seja porque são pecados, ele não foge, mas unicamente faz com que não apareçam diante do mundo". Amém.
Lições: Isaías 1
VRC 329 (?)