Os Dez Mandamentos

Introdução

Sermão pelo Rev. Cristóvão R.Nobre

“E falou Deus todas estas palavras, dizendo...”

Êx.20:1

As palavras proferidas pelo Senhor no Sinai, conhecidas como os Dez Mandamentos ou Decálogo, contêm, num sumário, todas as regras que o homem precisa observar a fim de que se torne um ser verdadeiramente humano, tanto do ponto de vista civil, quanto do moral e do espiri­tual. Sem essa observância, sequer homem ele é.
A vida que é vivida de acordo com os preceitos Divinos ali resumidos é  chamada de vida da religião. Na verdade, o que realmente se entende por religião é o viver, e o viver dentro de pa­râmetros determinados. Sem esse viver a religião é morta e sem sentido. Por isso, aquele que ob­serva os seus caminhos e os conserva segundo as Leis Divinas, esse, além de ter uma religião ver­dadeira  - a religião vivida- pode, por  esse meio, receber a graça da vida eterna, não importa que credo professe ou que grupo religioso pertença.
Se é a observância dos Mandamentos que faz a vida verdadeiramente humana e religiosa, é porque os Mandamentos foram dirigidos aos atos da vida, expondo claramente oito coisas em ge­ral que não devem ser feitas e duas que devem ser feitas. São concernentes às ações, portanto, e não meramente às matérias da cogitação                                                                                 
Em Êxodo, capítulos 19 e 20, vemos a descrição de como o Senhor outorgou Sua Lei ao povo de Israel, enquanto o povo estava no deserto, acampado ao pé do Monte Sinai, três meses após ter saído do Egito. Moisés transmitiu ao povo as instruções Divinas em relação aos prepara­tivos e cuidados que deviam ter para a recepção dos preceitos sagrados. E em meio a grandes si­nais, trovões e relâmpagos sobre a montanha que estremecia e fumegava, ouviu-se a voz potente de JEHOVAH, fazendo a declaração solene: “Eu sou JEHOVAH teu Deus que tirei da terra do Egito, da casa da servidão”. O povo estremecia de santo pavor diante dos fenômenos, diante da voz do Deus Todo-poderoso a Quem não conhecia. O povo viu e ouviu os milagres, para que não tivesse dúvidas de que Aquele era o Deus verdadeiro, e que as palavras que Ele proferia eram pa­lavras santas, para serem acatadas com profundo temor.
“E falou Deus todas estas palavras dizendo:” Esta expressão com que tem início o relato significa que as Divinas verdades são para os que estão nos céus e os que estão na terra. Pois as palavras que o Senhor profere são Divinas verdades, são a palavra Mesma. E a palavra foi dada para a salvação e a vida do gênero humano, para a realização do homem criado como indivíduo, imagem e semelhança de seu Criador. E o gênero humano, após a vida preparatória na terra, vive eternamente no reino eterno, onde continua a receber a vida que flui da Palavra Mesma, que é o Senhor.  A Lei Divina é dada para a realização e a felicidade de homens e anjos.
Todavia, o estudo da historia nos mostra que o teor dos Dez Mandamentos já era conhe­cido antes de eles serem dados ao povo de Israel. Houve povos ainda mais antigos que tiveram seus códigos de vida civil e moral. E os próprios Escritos nos ensinam que não há uma nação so­bre todo o globo que não saiba que é um mal matar, cometer adultério, roubar, dar falso testemu­nho, etc. As palavras ali ouvidas por Moisés, escritas em tábuas de pedra e transmitidas depois ao povo, não  eram, de modo geral, novidade alguma. E os Escritos (VRC 282) dizem: “Quem pode assumir que a nação israelita tenha sido mais estúpida do que todas as outras, a ponto de ignorar que essas ações fossem males? Pode-se, por consequência, ficar admirado de que estas leis uni­versalmente conhecidas sobre a terra tenham sido promulgadas em meio de tantos milagres, do alto da montanha do Sinai, por  JEHOVAH Mesmo.”...
“...Mas escuta: elas foram promulgadas em meio a tantos milagres a fim de que se soubes­se que elas eram não somente leis civis e morais, mas também Leis Divinas, e que transgredi-las não era somente agir mal para com o próximo, mas ainda pecar contra Deus”.
Aí está a primeira coisa que se deve levar em conta quando se trata do Decálogo: são Leis Divinas e não meros códigos morais ou dogmas de religião. Os Dez Mandamentos, como Leis Divinas, são Leis da Ordem, Leis que inserem o homem na Ordem existente no universo criado segundo o propósito Divino. E, como tais, não podem estar limitados ao campo eclesiástico, mas têm de se estender a todas as áreas da vida de um indivíduo. Disso depende  a salvação do gênero humano.  Este é um ponto freqüentemente esquecido, até na igreja; e, fora da igreja, é ignorado ou, quando conhecido, inteiramente rejeitado.
De fato, quem hoje está se importando com a natureza do Decálogo Divino? Em nossa civilização extremamente materialista, presa aos sentimentos corporais, a maioria daqueles que se julgam cultos considera os Dez Mandamentos um código para uma época antiga, portanto ultra­passado em vários aspectos; uma coleção de leis e de costumes, muitos dos quais já não se ajus­tam ao pensamento moderno, não satisfazem ao pretenso moralismo e a liberdade de hoje.
Outros não chegam a tanto, mas também vêem os Dez Mandamentos como coisas exclu­sivamente da religião, matérias religiosas empregadas para cultivar e manter os adeptos de diver­sas seitas.
Ora, os Dez Mandamentos são uma síntese e uma base de todas as leis essenciais de um verdadeiro humanismo. Os atributos realmente humanos são a misericórdia para com o próximo e a fé no Criador e Salvador. Os Dez Mandamentos visam a desenvolver isso na pessoa. Então, quando esses padrões Divinamentes instituídos são desprezados ou rejeitados por uma sociedade materialista e mundana, o resultado não pode ser outro senão o aumento dos atributos anti-hu­manitários, o aumento dos amores de si e do mundo cujos objetivos são dominar sobre todos os outros e possuir tudo o que é dos outros. O resultado é essa degradação moral, essa degeneração da sociedade, deterioração da honra, da dignidade, do respeito e de tudo o mais que é básico para a vida humana. Há esse descaso para com os valores altruísticos e uma extrema valorização do próprio em detrimento dos semelhantes.
Os Dez Mandamentos foram dados em meio a tantos sinais para que ficasse bem claro que eles são  as Palavras de Deus. “E falou Deus todas essas palavras dizendo.” São Divinas verdades e assim têm de ser consideradas. Não são meros pontos de catecismo que se ensinam nas igrejas às crianças; não são imposições do clero; não são pontos de vista que foram submetidos à decisão do homem quanto a se são praticáveis ou não. São Leis, Leis Divinas, que devem ser observadas  por este motivo acima de qualquer outro.
Pois há pessoas que cumprem (ou parecem cumprir) os Mandamentos de um ponto de vista meramente civil. São pessoas que dizem que não matam, não roubam, não adulteram, não levantam falsos testemunhos. Contentam-se com isso e não pensam mais no assunto. E , no en­tanto, só se abstêm de tais coisas por causa de algum laço externo: ou porque têm medo da puni­ção da justiça, ou porque temem perder a reputação diante da sociedade, ou porque não querem ter prejuízos materiais advindos com as infrações. Parecem estar cumprindo as Leis Divinas, mas não estão. Porque o espírito é que é o verdadeiro ser do homem, o homem mesmo. E, em espíri­to, isto é, em pensamentos e intenções, essas pessoas continuam odiando, matando, roubando, adulterando e dizendo falsos testemunhos. De coração, infringem as Leis da Ordem  verdadeira­mente humana e divina. São esses que, quando a ocasião se lhes manifesta de agirem sem serem descobertos, lançam-se em toda a sorte de mal, naqueles males que exteriormente pareciam rene­gar. Simplesmente externam o que já fazem interiormente.
Mas, ao contrário, aqueles que têm os Dez Mandamentos como Leis Divinas e os obser­vam porque vêm de Deus e foram ordenados por Deus, esses se mantêm restritos não pelos laços de consciência, e não por laços moral e do civismo externos. Esses observam os mandamentos porque o fazem, em primeiro lugar, para agradar a Deus; e depois, por compreenderem que na obediência está a salvação. E como esses agem de coração, são verdadeiramente pessoas civis, morais e espirituais, porque o são a partir do espírito, não somente na superfície. Suas razões para fazer ou não as coisas são razões internas. Para esses, o cumprimento da Lei gera benefícios es­pirituais, como a formação de uma consciência, o temperamento de caráter, a criação do novo homem, e, finalmente, a salvação. Os Escritos nos dão uma clara exposição disto: “Todas as leis, civis, morais e naturais, prescrevem que não se deve roubar, não se deve cometer adultério, não se deve matar, não se deve levantar falso testemunho; e, no entanto o homem não é salvo por afastar-se desses males por essas leis somente, a menos que ele também os rejeite por causa da lei espiritual, por conseguinte, a menos que os rejeite por que são pecados. Pois com tal homem existe uma religião, a crença que existe um Deus, um céu e  um inferno, e uma vida após a morte; com esse homem existe a vida civil, a vida moral e a vida natural; a vida civil porque há justiça; a vida moral porque há honestidade; e a vida natural porque há humanidade” (AE 948).
Quando o homem assim se faz verdadeiramente natural, civil e moral, por ter sido acima de tudo espiritual, ele se integra na Ordem Divina, na ordem em que se acham harmonizadas to­das as criaturas do universo. Mas dentre todas as criaturas somente o homem pode, estando inse­rido e em harmonia, espelhar a imagem e a semelhança do Criador.
Os Dez Mandamentos foram dados ao povo israelita e judeu, e estes só puderam compre­endê-lo de um modo superficial e literal. Mais tarde, quando o Senhor veio ao mundo, Ele abriu os olhos do homem para ver um pouco mais interiormente aquelas leis. Ele mostrou à Igreja Cristã primitiva que os preceitos eternos tinham um alcance mais abrangente, mais profundo. De­pois  ainda, ao fazer o Seu Segundo Advento nos interiores da Palavra, o espírito daquelas Leis foi desvendado para os cristãos da Nova Igreja.    
Os membros da Nova Igreja são aqueles que têm adquirido o conhecimento desse espírito da Palavra, o espírito das leis; por meio desses conhecimentos têm reformado e reformulado seu entendimento e, por esse entendimento reformado, têm procurado afastar os males.  E os afastam não porque sejam feios diante do mundo, ou ilícitos do ponto de vista moral ou social, mas , sim, porque são pecados contra Deus. Pois pecado é tudo aquilo que impede ou destrói um uso que o Senhor nos destinou. E o reino do Senhor é o reino dos usos.
Os cristãos de uma nova era devem, assim, ter uma visão correta das Leis Divinas expos­tas nos Dez Mandamentos. Devem considerá-los por sua origem e observá-los por razões inter­nas. Devem também estar conscientes dos efeitos nocivos que a inobservância dessas Leis traz ao bom desempenho de seus usos. E devem rogar ao Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo que Ele conceda a força e a resistência necessárias para o cumprimento de Sua Lei.
Considerando a importância de bem conhecermos o corpo e o espírito das Leis Divinas do Decálogo para que possamos ser capazes de lutar para cumpri-los racionalmente, devemos sem­pre buscar a instrução na Palavra, na letra e nas Doutrinas do Sentido Interno. Em vista disso, a partir desta semana estaremos iniciando uma série de estudos a respeito dos Dez Mandamentos, um por um, tirando da Palavra e das Doutrinas apenas  algumas poucas das tantas passagens elu­cidativas do assunto. Peçamos ao Senhor que nos dê a todos a graça e o grau de iluminação ne­cessários para que possamos conhecer e progredir em conhecer as Suas Leis, a fim de que melhor possamos aplicá-las em nossas vidas. Amém.
LIÇÕES: Ex.20; VRC 282