Deveres espirituais

Sermão pelo Rev. C. R. Nobre

 

Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;  Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;  Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.

Mateus 25 : 31 - 44

Esta passagem nos traz a imagem de um juízo, uma separação. À esquerda os bodes e à direita as ovelhas. Assim como na Palavra as ovelhas representam os fiéis, por causa da obediência, os bodes representam os infiéis ou os que estão no mal e contra a Palavra.
A uns o Rei, o juiz, convida a entrar na felicidade eterna, e explica que foi-lhes dada essa recompensa porque eles tinham feito determinadas coisas: "Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me".
Mas aos bodes, Ele os despachou para a condenação eterna, por razão equivalente, ou seja, eles não fizeras essas coisas: "Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos;  Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes".
Estas duas espécies de pessoas são citadas na Palavra do princípio ao fim: as que obedecem ao Senhor, cumprem os Seus mandamentos de amor ao próximo, e as que ignoram e desprezam Sua Palavra; as que fazem o bem, as obras de caridade para com o próximo, e as que se esquecem de fazê-las.
Antes que pensemos em pessoas, vamos considerar que, muitas vezes, pelas coisas que fazemos de bem ou de mal, estamos ou entre os bodes ou entre as ovelhas. Se nos esforçamos com sinceridade para permitir que nossa consciência nos dirija, para nos afastarmos de tudo que atenta contra nossos deveres, tanto os naturais quanto os espirituais, se nos afastamos do mal, então estamos espiritualmente associados a bons espíritos e anjos, e desfrutamos da bem-aventurança com que foram agraciadas as ovelhas.
Mas, infelizmente, repetidas vezes nos deixamos levar pelo nosso egoísmo, pelo desejo de recompensa, pelo interesse próprio, e nos esquecemos de cumprir os nossos usos; esquecemo-nos de que esta vida é uma mera preparação para a eternidade. Tapamos os ouvidos para a voz de nossa consciência... e nos vemos associados aos espíritos malignos que influem os sentimentos ruins, os espíritos das trevas que inflamam em nós as cobiças, ódios, ressentimentos... e então, naquele estado e naquele momento, estamos entre os bodes e os condenados.
É importante saber que não é a fé sozinha que importa, mas as ações que praticamos. O julgamento de que se trata aqui não é de crença. Em parte alguma da Palavra se diz que Deus vai perguntar qual foi nossa fé. Quem prega que a fé, só, salva, prega falsidade diabólica, mentira. Porque toda a Palavra fala que seremos julgados pelos frutos, pelas ações, pelas obras, pelo que tivermos feito... ou deixado de fazer.
No caso mencionado, os bodes foram amaldiçoados porque deixaram de fazer as obras de caridade para com o próximo. Omitiram-se de prestar usos. Talvez tivessem a fé; talvez tivessem grande conhecimento da Palavra e da doutrina de suas igrejas, mas nunca prestaram atenção no próximo ao seu lado. Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos;  Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes".
Surpresos, eles perguntaram: "Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos?" Eles nunca tinham visto Jesus pedir nada a eles. Pensavam que Jesus nunca esteve em nossa porta com fome, com sede, ou nu, ou estrangeiro ou doente, ou preso. Pois se vissem Jesus numa situação assim, O teriam socorrido.
Mas não prestaram atenção a uma lei espiritual muitíssimo importante. O Senhor mesmo foi Quem lhes lembrou: "Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes". E depois:  "Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim".
Esta é a verdade que a Palavra apregoa sempre: amar a Deus é amar ao próximo; fazer bem a Deus é fazer bem ao seu irmão; servir a Deus é servir ao que está ao seu lado. E, da mesma forma: quem despreza o seu próximo despreza a Deus; quem odeia seu irmão odeia a Deus; quem encolhe a mão para não socorrer quem está ao seu lado, recusa-se a servir a Deus.
Irmãos, nós entramos para uma Igreja que é diferente de todas as outras. Uma Igreja onde as pessoas não são melhores que as das outras, nem se consideram as únicas que estão caminhando para o céu. Mas é diferente porque é a única que ensina que, para Deus, não é a nossa fé, somente, que conta, mas a vida de acordo com a fé. Uma Igreja que nos ensina que Deus vai nos pedir conta do que tivermos feito, de bem ou de mal. Teremos de nos apresentar diante dEle tendo nas mãos os frutos de nossas obras, pois são elas que serão cobradas e examinadas. Deus nos examinará pelo que tivermos feito ou deixado de fazer, e nos dirá, de acordo com nossas ações: "Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes" ou então:  "Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim".
O ensinamento da Nova Igreja é claramente dado em toda a Palavra, mas as igrejas cristãs de hoje ignoram tudo o que a Palavra fala de amor e caridade, e ressalta apenas o que ela fala de fé. Ensinam orações, rezas, louvores, vigílias e pregações, mas se esquecem de alimentar o faminto e o sedento, de vestir o nu, de visitar o doente e o preso e de socorrer o estrangeiro. Pregam a fé, e desprezam a vida.
Nós saímos de uma doutrina cega, aleijada, torcida por falsidades, e, graças a Deus, podemos ver hoje o caminho à nossa frente, saber o que nos espera, saber o que o Senhor requer de nós. Viemos ao mundo para sermos preparados para o céu; e somos preparados para o céu quando aprendemos a servir ao próximo, porque a vida do céu é a vida de usos, quer dizer, de prestação de usos ao próximo e ao Senhor. Se não adquirimos aqui a afeição pelo uso espiritual, não nos sentiremos à vontade entre aqueles que estão na bem-aventurança celeste.
Nossas rezas, nossos cultos e nossos cânticos de nada adianta se não tivermos aprendido a ver no próximo o Senhor.
A Igreja Cristã, que era natural, via a Palavra apenas do ponto de vista natural. Por isso, os cristãos lá que foram fiéis, obedecem a Deus e são Suas ovelhas quando praticam tais benefícios para com o semelhante.
Mas nós, e todos os que serão da Nova Igreja, compreendemos que há também um sentido espiritual nas palavras do Senhor. Devemos cumprir a Palavra em Sua amplitude, tanto no sentido natural quanto no espiritual. Socorrer o faminto de pão natural e o faminto de pão espiritual. Porque, se não o fizermos, seremos bodes malditos e não ovelhas.
Aqui, o faminto, o sedento, o pobre, o estrangeiro, o preso e o nu, representam estados de necessidade espiritual em nossa mente e na alma do próximo. O pão que sacia essa fome é o bem espiritual, e por isso o que tem fome é aquele que deseja o bem. Dar esse pão é, pois, socorrer espiritualmente, prestar-lhe o benefício de que seu espírito carece, prestar-lhe o uso de inspirá-lo, de estimulá-lo ao que é justo, animar sempre a pessoa a ter confiança em Deus e esperança na salvação, dar-lhe exemplo benéfico para que ela também venha a desfrutar dos benefícios espirituais de que temos usufruído. Saciar espiritualmente a sede de uma pessoa é dar as respostas que sua mente confusa precisa; é mostrar-lhe com clareza as verdades da fé. Acolher o estrangeiro é dar-lhe a instrução correta para que ele encontre a direção segura do lar eterno. Vestir o nu é dotar a pessoa dos doutrinais provindos do Senhor, para que ela seja protegida e defendida em sua condição desvalida. O preso é aquele que está em falsidades, e visitá-lo é levar-lhe a verdade que liberta.
Na Nova Igreja, é necessário que estejamos atentos para os dois níveis de vida: natural e espiritual. Não podemos ser como os da Igreja Cristã, que olham só as coisas da fé, ou fariseus da Igreja Judaica, que olhavam somente para o lado material. Se quisermos servir a Deus, devemos servi-Lo em espírito e em verdade, dispostos a prestarmos os usos a ele e para com o próximo em todos os sentidos. Não podemos separar os dois e não poderemos ignorar nenhum dos dois.
Servir ao próximo dando-lhe bens materiais é relativamente fácil: pessoas e instituições fazem obras filantrópicas e socorrem multidões. Mas, além disso, prestar atenção às aflições da alma, amparar a confiança, proteger bons sentimentos que estão perecendo, confortar almas nas prisões, isto só pode ser feito se nós estivermos buscando de Deus a noção de nossos deveres espirituais e estivermos desejosos de fazer também o bem espiritual ao nosso irmão.
Para começar, a primeira coisa da caridade é deixar de fazer o mal - não só deixar de praticar uma ação má, mas também deixar de falar o mal, deixar de desejar o mal ou qualquer outro sentimento nocivo. Este é o primeiro bem. Em seguida, a caridade é prestar-lhe os benefícios que nossos usos determinam.
Possamos, irmãos, compreender que a religião verdadeira para com Deus é o amor sincero ao próximo. E que, sabendo disso, possamos ter a disposição e a coragem de pôr em prática na vida, para que possamos um dia ouvir o convite compassivo do Rei: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me". Amém.
Lições Mt 25:31-46
AC 4957, 4958

 

31 ¶ E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória;
32  E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas;
33  E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda.
34  Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
35  Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;
36  Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.
37  Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
38  E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos?
39  E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?
40  E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.
41  Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos;
42  Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber;
43  Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes.
44  Então eles também lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos?
45  Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim.
46 E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna.